quinta-feira, 30 de junho de 2016

Qual é a indisciplina mais problemática para a educação?

Ouvi nas rádios uma peça oficial de propaganda do Ministério da Educação. Tendo como âncora uma atleta paraolímpica, o comercial afirma que 20% do tempo dos professores da educação básica é usado para resolver indisciplina dos alunos. O que, segundo o comercial, prejudica o futuro dos alunos. Estes, portanto, deveriam rever seu comportamento e valorizar os docentes.
Para um governo (ilegítimo) que trocou o slogan Pátria Educadora, do segundo mandato de Dilma (que não saiu do papel, abatido pela forma de enfrentamento da crise) pela frase de nossa bandeira (Ordem e Progresso) o comercial guarda coerência.
Não conheço a pesquisa que fundamentou a afirmação do comercial (peço desculpas pela minha ignorância neste quesito), mas certamente eleger a “indisciplina” dos alunos como problema a ser priorizado para campanha publicitária demonstra o olhar da atual administração do MEC sobre os reais problemas educacionais.
Há, obviamente, uma linha de continuidade com um conjunto de políticas baseadas na avaliação de larga escala, as quais reduzem o papel do MEC a uma agência reguladora do desempenho escolar das redes públicas estaduais e municipais.
Há, também, coerência com a visão oriunda do período militar (não podemos mais falar que foi ditadura, pois corremos o risco de acusações de doutrinação comunista!) de que quanto mais ordem tivermos na escola (leia-se, menos questionamentos, confusões, reivindicações, ocupações, greves, coisas do tipo) melhor desempenho cognitivo terão nossos alunos.
Confesso que o final da peça pede para os alunos valorizarem os docentes. Que bom, mas o MEC poderia aproveitar o que solicitou para os alunos e começar a fazer a parte dele na busca pela valorização do magistério. Vejamos algumas medidas que o MEC está conduzindo ou concordando e que sinalizam caminho contrário ao conselho dado aos alunos:
1.       Não implementação do Custo Aluno qualidade inicial, conforme previsto na Lei nº 13005 de 2016 (Plano Nacional de Educação). O prazo encerrou no domingo (dois longos anos e nada foi feito de relevante sobre o assunto). O CAQi estabelecerá salários mais dignos para os docentes, carreira atraente e elevação da qualidade material de nossas combalidas escolas, especialmente nas regiões norte e nordeste, no campo e nas periferias das grandes cidades. Certamente tal medida valorizaria os docentes.
2.       Concordância implícita com o golpe violento que a PEC nº 241 de 2016, enviada pelo ilegítimo Temer, fará nas garantias de recursos previstos pelo artigo 212 da Constituição Federal. Ou seja, ao concordar (ou se omitir) o MEC está se propondo a descumprir o Plano Nacional de Educação, seja inviabilizando recursos para as metas de sua responsabilidade direta (meta 12, por exemplo), como abrindo mão de contribuir com as metas de responsabilidade dos estados e municípios e que para acontecerem dependem de participação da União.
3.       Concordância implícita com a Reforma da Previdência que está sendo parida nos bastidores do staff golpista, cujos desenhos inicialmente anunciados dão conta de uma penalização das mulheres, as quais são ampla maioria da categoria docente. As professoras (e os professores) precisarão trabalhar ainda mais para cobrir um rombo previdenciário inventado para cobrir o rombo da dívida pública realmente existente.
4.       Incentivo a propostas que atacam a liberdade de expressão e pensamento dos docentes, especialmente a recepção de personalidades do movimento Escola Sem Partido. Não tem mais profunda desvalorização do que não expressar sua opinião e ajudar a formar cidadãos críticos. Uma escola com professores amordaçados é defender a prevalência do pensamento único e tornar o professor um reprodutor da ideologia oficializada por quem estiver no comando do aparato estatal.
Assim, na falta do que propor de positivo para cumprir o Plano Nacional de Educação e valorizar o magistério, aparece como uma farsa o comercial que comento neste post. A menos que por indisciplina, na verdade, o MEC esteja preocupado com a rebeldia crescente que nossos jovens têm demonstrado diante do descaso em que se encontram suas escolas. Esta rebeldia (indisciplina para a elite dominante) é saudável, mostra que existe vida inteligente nas escolas, que se aprende todos os dias e que a escola pública continua formando cidadãos capazes de defender os seus interesses.
Certamente esta “indisciplina”, caso consuma pelo menos 20% do tempo dos nossos docentes, poderá ajudar a salvar nossas escolas da sanha neoliberal que estamos vivendo no governo ilegítimo.


sábado, 25 de junho de 2016

Dois anos e.… nada

Ano passado, ao comemorarmos um ano de vigência do Plano Nacional de Educação, em sessão realizada na Câmara dos Deputados, houve até um bolo com direito a foto. Aquele momento ainda se alimentava uma expectativa de que os recuos que estavam sendo feitos pelo governo Dilma seriam superados.
Hoje estamos comemorando o segundo aniversário de vigência do PNE em outro cenário radicalmente diferente. Sem bolos ou festas e muito mais apreensivos.
A crise econômica e as prioridades escolhidas pelos governos tornaram inviável a execução do PNE. Esta lei estabeleceu, como todos sabem, 19 metas expansionistas e uma meta síntese. Ou seja, o país se comprometeu a dar um passo adiante na efetivação do direito à educação, investindo na expansão da oferta de vagas em etapas e modalidades desprotegidas, pagar a dívida social com os milhões de analfabetos (inclusive reduzindo bastante o analfabetismo funcional), elevar o desempenho escolar dos seus alunos, valorizar os profissionais do magistério com melhores salários e carreira atrativa e também implantar um padrão mínimo de qualidade, o qual teria a tarefa de tornar menos desigual o acesso a escolarização nas diferentes realidades do país.
Além disso, o PNE também expressou um forte compromisso com a diminuição do fosso social no acesso e permanência, ou seja, a lei apresenta estratégias para que o acesso dos mais pobres tenha crescimento mais acelerado e medidas para garantir condições para a permanência dos que se encontram em situação de vulnerabilidade social.  
É verdade que a lei possui muitas contradições e não resolveu impasses antigos, com destaque para a disputa do que deveria ser prioridade no uso dos recursos públicos (as escolas públicas ou o setor privado), se as crianças com deficiência teriam ou não direito a uma educação inclusiva e dilemas de revisão do pacto federativo não deixados claros no texto.
Acontece que muita água rolou (e continua rolando) por debaixo da ponte em nosso país. O segundo aniversário se realiza após a primeira etapa de um golpe institucional e da mudança significativa do olhar do governo para as políticas sociais, dentre elas a educação e o PNE.
O governo (ilegítimo) de Temer está aprofundando (e muito) as medidas de ajuste fiscal, as quais já haviam praticamente paralisado o cumprimento das metas no primeiro ano. Agora, além dos cortes orçamentários no âmbito federal e consequentes crises vivenciadas em vários estados e municípios, estamos diante de uma possibilidade de desmonte das conquistas sociais inscritas na Constituição de 1988, especialmente se o Congresso Nacional aprovar a PEC 241/2016.
O saldo positivo de inclusão educacional está diretamente vinculado a existência de percentuais mínimos de aplicação na área educacional. Assim, em períodos de crescimento econômico, a educação foi beneficiada com um percentual do crescimento econômico do país, pagos em impostos pelos seus cidadãos. A cobertura escolar no ensino fundamental e médio, por exemplo, não teria sido possível sem esse dispositivo. E nem a quantidade de matrículas públicas (federais e estaduais) no ensino superior. 
A retirada desta obrigatoriedade e a compressão dos gastos públicos no limite da correção inflacionária inviabiliza o cumprimento do PNE. Hoje, no meio da crise, a sua execução está em suspenso, posto que, por exemplo, ao invés de lutar pelo cumprimento da meta 17 e ver seus salários elevados, os professores paralisam suas atividades para receber em dia e não parcelado em vários estados e municípios. Quando a crise passar (e ela vai passar, acreditem!), a educação e a saúde estarão sendo penalizadas, por que todo o saldo do crescimento econômico será direcionado para honrar os compromissos com os credores da dívida pública, real prioridade nacional.
Sem a derrota destas medidas que atentam contra os direitos sociais não haverá possibilidade de retomada do debate sobre cumprir ou não cumprir o Plano Nacional de Educação. E o prejuízo para milhões de brasileiros estará dado. São milhões de alunos de 0 a 3 anos que ficarão sem atendimento em creche, milhões que não serão alfabetizados e incluídos pela primeira vez no processo educacional, milhares de escolas que não terão turno integral, professores que continuarão recebendo 70% do que recebem os demais profissionais com igual formação e milhares de escolas convivendo com situação precária que, na prática, nega o direito pleno à educação para os filhos do povo brasileiro.
Apesar de não termos o que comemorar no segundo aniversário do PNE, continuo sendo um otimista. Não nos governos, por que estes continuam a governar para a minoria próspera do país (cinco mil famílias ricas e poderosas!). Mas continuo confiando no potencial transformador da maioria inquieta, desejosa de melhores dias. Essa maioria, mesmo que ainda de forma isolada e heroica, não está parada. Esse desejo de mudança está presente nas ocupações das escolas em vários estados, por exemplo.


quarta-feira, 22 de junho de 2016

Falando de retrocesso...

No dia de ontem (21 de junho), a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Legislativa do Distrito Federal, escreveu mais um capítulo deste tempo de crescimento do obscurantismo. E, na decisão que comentarei mais abaixo há um elo com a ação de um grupo de fascistas na sexta-feira (17 de junho) nas dependências da Universidade de Brasília.
Na esteira da indecorosa proposta de “escola sem partido”, a referida Comissão, que possui a tarefa de zelar pela legalidade e constitucionalidade das leis que naquela Casa tramitam, aprovou uma Proposta de Emenda à Lei Orgânica do DF que estabelece, dentre outras pérolas o seguinte:
“Garantia do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções” e “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”.
Vamos traduzir:
1.       Existem várias convicções políticas e ideológicas em nosso país. A existência está garantida na Constituição Federal. Se expressa de forma pacífica e sem ferir os princípios e garantias individuais que a Carta Magna estabelece como direitos de todos, as mesmas podem ser defendidas em qualquer espaço social.
2.       Não há uma única educação moral possível. Existem várias, todas atreladas as diferentes visões de mundo. Porém, todas elas estão limitadas pelos direitos individuais constitucionais. Exemplo, muitos professam uma moral preconceituosa contra negros, mas a Constituição considera tal conduta crime inafiançável, portanto, fere os direitos individuais e não é aceita pela sociedade.
3.       Há muitos que defendem uma moral que considera que um homossexual é uma pessoa doente, que precisa de cura, que a convivência com pessoas com esta orientação sexual fere a “sua moral”, pondo em risco os pilares da educação de seus filhos. Porém, a escola pública, como diz o nome, é para todos, não havendo possibilidade de discriminação sob qualquer motivo.
4.       Qual convicção deve prevalecer na escola? Todas que não firam os preceitos da Constituição. Ou seja, os alunos, os professores, os diretores, os pais, todos os cidadãos que fazem parte da comunidade educacional podem (é um direito) de expressar sua convicção de mundo, de comportamento, de organização da sociedade.
5.       Cabe à escola oferecer ferramentas para que nossos alunos possam construir um olhar crítico sobre as várias concepções. Impedir que a escola cumpra este papel é impedir que os alunos sejam cidadãos, ou seja, possuam condições de escolher livremente qual concepção de mundo, qual convicção moral quer adotar.
6.       Não existe neutralidade no mundo. Todos, mesmo os que juram que não, tomam partido e se posicionam. Não precisa se filiar a um partido político para tomar partido sobre um assunto, um problema, uma causa. Tomar partido está na essência do exercício pleno da cidadania, direito conquistado com muita luta pelo povo brasileiro.
7.       É certo que a escola não pode expressar uma ideologia oficial (do partido que esteja no poder), uma religião oficial (a majoritária no momento) ou uma única visão de mundo. Porém, debater as ideologias existentes, as visões de mundo existentes, o que as religiões acreditam e pregam é obrigação da escola. Cada professor, cada aluno, cada pai tem o direito de expressar a sua visão de mundo, a sua ideologia.
8.       Qual o limite? A garantia da diversidade existente na sociedade e as garantias individuais contra as posições que contrariem as normas democráticas.
Na verdade, todo o discurso expresso nesta Proposta de Emenda à Lei Orgânica do DF, como em outros projetos de lei fomentados pelo discurso do apartidarismo e do combate a doutrinação ideológica nas escolas, esconde uma tentativa de coibir justamente o que diz tentar evitar. Estas pessoas querem o monopólio de sua ideologia, de sua visão de mundo, de sua convicção. Incomoda estas pessoas que outros pensem diferente e querem na lei (e muitas vezes na marra) proibir o livre exercício da cidadania.
Também, tal proposta, é um ataque direto a liberdade de ensinar dos professores. Imaginem que para estas pessoas um deles vai poder estabelecer o formato que um professor de história vai discutir os fatos relevantes da nossa história. Se um professor discutir com seus alunos que tivemos períodos autoritários, como de 1964 até 1985, e que isto ficou conhecido como Ditadura Militar, ele estará rompendo a “neutralidade” e professora nociva ideologia.
Este movimento me faz lembrar um livro de Educação Moral e Cívica que li quando estava no Ensino Fundamental (antigo 1º grau). Nele havia uma gravura de duas pessoas lendo jornal num banco de praça e estava escrito “mais dois comunistas presos” e um deles exclamava “legal”.
A “escola sem partido” é, na verdade, a tentativa de construir uma “escola sem liberdade de expressão”. E isso fere frontalmente cláusulas pétreas de nossa Constituição Federal. É um retrocesso e um atentado contra os direitos individuais.
É um movimento conservador, bem articulado, que já apresentou proposições semelhantes (ou mais absurdas) em vários estados (Pernambuco, São Paulo, Goiás, Espírito Santo e Alagoas são exemplos).
Certamente uma escola onde se exercita a democracia e onde se estimula a formação de cidadãos críticos com a realidade em que vivem é, realmente, uma escola perigosa. Mas para quem tal escola é perigosa? Para uma minoria próspera, que governa explorando o trabalho de nosso povo e controlando as estruturas do Estado por intermédio da desinformação, da manipulação e da compra de voto. Estes são os fomentadores deste movimento conservador e inconstitucional.


domingo, 19 de junho de 2016

Qual legado reivindicar

Depois de um mês de governo ilegítimo de Michel Temer está nítida a sua intenção de desmontar as conquistas sociais oriundas da Constituição de 1988 e os programas sociais inclusivos implementados pelo período petista no governo federal. Tal desmonte também se faz presente na educação.
Porém, tenho sentido que tem se apresentado dentre defensores da democracia (e, por conseguinte contrários ao processo de impeachment) uma justa mobilização contra os desmontes das políticas existentes, mas considero que nem tudo do legado do governo Dilma deve ser reivindicado e, aliás, muito não será desmontado pelo próprio caráter destes programas.
Por isso, decidi refletir hoje sobre que legado devemos reivindicar e nos mobilizar para não ser desmontado e também sobre políticas e programas que não faziam parte do ideário dos que lutam pelo fortalecimento da escola pública e que não merecem ser defendidos. Não temos como enfrentar os ataques que a educação está sofrendo sem que esse debate seja feito.
Os ataques de Temer recairão sobre programas e projetos que possuem caráter inclusivo e representam potencial universalização de direitos educacionais. Tais programas aumentam o uso do fundo público para a manutenção de serviços para os mais pobres e fortalecem a prestação direta por parte do Estado dos referidos serviços. Muitos programas, acertadamente, instituíram políticas direcionadas a incluir segmentos sociais marginalizados ou inviabilizados, postura que as forças conservadoras não toleram e tentarão destruir.
Porém, nem tudo foram flores na gestão educacional petista, muito pelo contrário. Destaco alguns importantes programas que provavelmente, mesmo que sofram algum corte momentâneo, não possuem contradição com o programa golpista e não merecem ser defendidos. Escrever sobre todos tornaria este post muito longo, por isso irei escolher um exemplo do que não reivindicar.
Não concordo de chorar por qualquer corte no Pronatec, por exemplo. Este programa representou uma mudança de rumo dentro do governo. Acertadamente no segundo mandato do Lula se voltou a ampliar a presença federal no ensino profissional e tal crescimento foi direcionado para regiões mais pobres e para o campo. O Pronatec foi uma opção de diminuir (ou praticamente paralisar) o crescimento da rede federal em troca de uma expansão via parceria com o setor privado, subsidiando a oferta gratuita de vagas em cursos de rápida duração e em cursos técnicos. Tal programa, que virou um dos motes da campanha eleitoral pela reeleição da presidenta Dilma, representou a migração de recursos para o setor privado, especialmente para o Sistema S.
Os educadores que foram às ruas defender a democracia, mesmo os que nem haviam nascido na época, são todos herdeiros da luta de milhares de ativistas para que os recursos públicos fossem utilizados exclusivamente na escola pública.
Da mesma forma, a ampliação do sistema de avaliação em larga escala, o qual passou a ser universal e tem estimulado práticas de vinculação de salários e carreira ao desempenho dos alunos em testes padronizados não faz parte de uma política de esquerda. Aliás, este era um dos aspectos mais duramente criticado no programa de lula em 2002 (o mundo e o PR deram tantas voltas que pouca gente se recorda deste documento).
Obviamente que estes dois exemplos representam políticas que não serão atacadas no seu conteúdo, mesmo que sofram alguma adaptação ao perfil dos gestores do golpe, ou mesmo tenham algum tipo de dificuldade de alocação de recursos no momento.
Por outro lado, os avanços duramente conquistados no Plano Nacional de Educação, sejam as metas expansionistas de oferta educacional, sejam as políticas direcionadas a diminuição das desigualdades de acesso dos mais pobres, das populações originárias, quilombolas e ribeirinhas, devem contar com toda a nossa mobilização contra a tentativa de arquivamento de qualquer possibilidade de elevação do gasto público.
Aliás, falando de PNE, uma das tensões desta lei e que foi herdado do governo anterior, diz respeito a relação público e privado no cumprimento da meta 20 (percentual do PIB em educação). Os movimentos sociais da área educacional, por meio de intensa mobilização, arrancaram 10% do PIB para a educação pública, mas o governo conseguiu introduzir dispositivo que permite contabilizar todo o gasto com subsídios e bolsas direcionadas ao setor privado como parte da meta.
O governo Temer não só concorda com este dispositivo como o irá radicalizar, ampliando de forma mais acelerada as “parcerias” com o setor privado nas etapas educacionais descobertas. Não reivindicaremos tudo do PNE, somente devemos lutar por aquilo que foi conquista da pauta dos movimentos sociais.
Certamente o governo Temer aprofundará a pressão para excluir do âmbito do MEC qualquer programa que vise estimular uma postura inclusiva nas escolas, que discuta a discriminação racial, que combata o machismo e a homofobia. Mesmo os avanços tímidos do governo anterior nesta área (cheia de idas e vindas devido aos compromissos parlamentares com partidos conservadores) serão considerados abusivos pelo governo ilegítimo. A defesa desta pauta é fundamental para não permitir que o fundamentalismo vire política oficial do MEC para todas as escolas brasileiras.
O equilíbrio entre defesa do legado e resgate dos princípios educacionais progressistas é importante para que nossa mobilização seja coerente com nossa história e consiga unificar amplos setores educacionais que lutam contra o golpe e contra todos os retrocessos.


quarta-feira, 15 de junho de 2016

Novo Regime Fiscal (traduzindo o ataque)

No dia de amanhã o presidente ilegítimo deverá encaminhar ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional que representa o mais duro ataque as conquistas constitucionais dos últimos tempos.
A proposta de teto de gasto público e batizada de Novo Regime Fiscal basicamente prevê o seguinte, conforme informa os portais de notícia:
1.       Estabelece um teto de gasto público em todos os níveis de governo (União, Estados, Municípios), o qual será durante dez anos apenas a correção da inflação sobre o valor averiguado no ano anterior.
2.       Isso valerá durante 20 anos, sendo seus critérios podendo sofrer ajustes depois de 10 anos.
3.       No cálculo dos gastos ficam somente de fora as transferências constitucionais a Estados e municípios, créditos extraordinários, complementação do Fundeb, despesa com justiça eleitoral com eleições e despesas com capitalização de empresas estatais não dependentes.
4.       Os valores mínimos (previstos na Constituição) para a Educação e Saúde também passarão a ser corrigidos pela inflação do ano anterior e não estão mais vinculados à receita.
5.       Caso o Poder executivo extrapole o teto, o mesmo ficará proibido de conceder reajuste ou qualquer benefício aos servidores.
6.       A proibição também vale para criação de cargos, mudança de estrutura de carreiras e realização de concursos que impliquem em aumento de despesa.
Uma das principais conquistas sociais da Constituição de 1988 foi a vinculação de recursos para educação e saúde. No caso da educação, desde 1934 que nossas constituições acolheram tal conquista. A mesma somente foi retirada em dois momentos tristes de nossa história: durante a Ditadura do Estado Novo e na maior parte do período da Ditadura Militar.
Foi a vinculação constitucional que viabilizou a cobertura escolar existente e deu garantias da viabilidade de sua expansão em termos legais e práticos nas últimas décadas. A proposta representa tanto para a educação quanto saúde um enorme retrocesso. Em resumo:
1.       Como demonstrei em post anterior, as receitas de impostos, com exceção dos momentos de depressão, sempre crescem mais do que a inflação e como há vinculação, a educação e saúde são beneficiadas pela expansão das receitas.
2.       O chamado Novo Regime Fiscal irá reduzir o volume de recursos destinados à educação e saúde na relação com o arrecadado, ou seja, diminuirá o volume disponível ano após ano. Apenas ficou garantido corrigir pela inflação, ou seja, manterá o valor existente em 2016, ano de queda na receita devido à crise.
3.       Qualquer possibilidade de crescimento de oferta de vagas para cumprir o plano Nacional de Educação é revogada pela medida, posto que tal crescimento representará elevação de gastos acima da inflação. A correção somente garante manter os serviços atuais com os ajustes de custos provocados pela própria inflação.
É sabido que a oferta educacional é muito desigual no país. Quando congela os recursos no patamar atual, a medida condena milhões de brasileiros a ter acesso apenas ao padrão de atendimento atual, ou seja, serviços precários atuais continuarão no mesmo patamar existente. Esta proposta impede que seja implementado o Custo Aluno Qualidade Inicial, dispositivo que deveria ser implantado até 24 de junho de 2016.
Um exemplo dos efeitos maléficos do Novo Regime Fiscal diz respeito ao piso salarial dos professores da educação básica. Como havia a vinculação constitucional, as receitas do Fundeb cresciam acima da inflação (com exceção dos momentos de profunda depressão econômica) e isso influenciava diretamente nos reajustes concedidos no valor do piso. Essa medida, na prática, inviabiliza o formato atual de correção, provocando perdas nos futuros reajustes. Assim, a possibilidade de se cumprir a meta 17 do Plano Nacional de Educação, torna-se inviável.
Outra coisa, o dispositivo citado mais acima de que a complementação da União do Fundeb estará protegida, não tem a efetividade que aparenta. A complementação representa, no mínimo, 10% do que estados e municípios depositam no fundo (20% dos impostos e transferências de impostos). Se a vinculação constitucional está sendo revogada e o montante de recursos somente será corrigido pela inflação, a complementação também sofrerá impacto disso, diminuindo o ritmo de crescimento registrado nos dez primeiros anos do Fundeb.
E para que o nosso país, caso o Congresso Nacional aprove a PEC, fará tão absurdo ajuste nas contas públicas? Para enfrentar algumas das mazelas sociais que tanto angustiam nosso povo? Não, muito pelo contrário. Todo o esforço é para viabilizar na crise e depois dela a reserva de um montante considerável de recursos produzidos por todos nós para pagar os juros, amortização e demais encargos da dívida pública. Traduzindo: a medida tira dinheiro da educação, da saúde, assistência e demais serviços básicos para garantir a felicidade dos bancos e credores da dívida.
É necessário constituir uma ampla frente de todos os movimentos sociais para barrar este monumental ataque às conquistas na área educacional e nas demais políticas sociais.


segunda-feira, 13 de junho de 2016

O ódio de lá é o mesmo disseminado aqui

Infelizmente as pessoas aprendem mais com a dor do que de outras formas. E temos muito que refletir e aprender com o massacre ocorrido na boate na cidade de Orlando, especialmente por que não é um acontecimento distante, como tentarei discutir.
Em primeiro lugar, foi um ataque homofóbico. O ódio e o preconceito, disseminados nos EUA e aqui no Brasil, são tão responsáveis pela morte de mais de 50 pessoas em Orlando quanto o homem que puxou o gatilho. Da mesma forma, quem dissemina o preconceito e a cultura do ódio no Brasil, é cúmplice e também responsável pelos assassinatos de gays, lésbicas e travestis em nosso país. A única diferença é que aqui morrem um pouco a cada dia, especialmente nas periferias das grandes cidades, muitos fazendo parte da parcela invisibilizada pela mídia no Brasil.
E o que tudo isso tem a ver com o debate educacional que fazemos hoje no Brasil? Muito, mas muito mesmo. A cultura do ódio, o preconceito, o racismo e a homofobia precisam ser combatidos em todos os terrenos da sociedade. A escola é um dos espaços mais importantes desta batalha civilizatória. Não é somente na escola que aprendemos como proceder na vida, mas certamente uma criança brasileira passa boa parte do seu dia convivendo com o espaço escolar e, esperamos nós cada vez mais, durante muitos anos de sua vida.
Vivemos tempos de ofensiva conservadora na sociedade. Derivado disso prolifera ações contrárias a que a escola discuta a realidade do país (escola sem partido e sem debate), movimentos contrários a debate sobre gênero (nossos filhos devem ser todos anjos assexuados para estes senhores!), criminalização de qualquer debate sobre orientação sexual nas escolas e muito mais. A ofensiva conservadora também é responsável pelas mortes de homossexuais, mesmo que nem todos puxem o gatilho das armas, mas impedem que se previna a disseminação do ódio.
Não acredito que podemos jogar nas costas das escolas toda a responsabilidade para resolver o problema do preconceito, do ódio, do racismo, da homofobia e do machismo. É muita responsabilidade. Mas, na melhor das hipóteses, devemos desenvolver políticas que ajudem nesta batalha.
Nós professores, em todas as etapas e modalidades que lecionamos, temos enorme responsabilidade sobre as bases civilizatórias que as futuras gerações crescerão.
É responsável também (e com grande dose) quando um governo federal se omite sobre o problema, cede a pressões de setores evangélicos conservadores (nem todos evangélicos são homofóbicos como alguns dos seus líderes), quando minimiza a importância do debate de gênero para não perder base de apoio parlamentar. Não vou nem falar do atual ilegítimo governo que extinguiu secretarias importantes para este trabalho, colocou uma deputada acusada de corrupção e conservadora no comando da pasta da secretaria das mulheres e acaba de colocar no ar a primeira propagando sob o slogan de ordem e progresso (já assistimos esse filme durante 21 anos!), tendo como eixo a indisciplina dos alunos, eleito pelo ministério como o problema mais relevante para debater no momento (inspirado na produção teórica de fundações privadas que querem ditar o que devemos ensinar nas escolas, esses sim os verdadeiros partidos que influenciam a educação em nosso país).
Vamos aproveitar o acontecimento triste de absurdo deste final de semana em Orlando para mobilizar todas e todos contra a cultura do ódio e tornar a escola um espaço privilegiado deste combate.


sexta-feira, 10 de junho de 2016

O golpe se aprofunda

Há um estranhamento profundo na sociedade brasileira. Todos os dias aparecem evidências sobre os motivos que ensejaram a aprovação da abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma, quase todas mostrando que ocorreu um conluio de interesses poderosos, inclusive para proteger caciques da política nacional de possíveis punições pela Operação Lava Jato.
Todos os dias presenciamos mobilizações de segmentos sociais, dentre eles os nossos cientistas e artistas, mas também nossos pequenos produtores e sem-teto, todos eles protestando contra o desmonte de ministérios e programas sociais importantes.
Porém, imune ao clima de constrangimento que presenciamos em milhões de brasileiros que acreditavam que aprovar o impeachment era combater a corrupção, o Congresso Nacional está, de forma acelerada, aprovando medidas impopulares, remédios amargos para superar a crise econômica jogando nas costas do povo pobre e dos assalariados o ônus mais pesado.
No primeiro ato de governo, Temer anunciou que recursos que o BNDES devia para o executivo seriam cobrados e também utilizados para pagar a dívida pública.
Nesta semana, em rápidas e folgadas votações, o governo conseguiu prorrogar a vigência da Desvinculação das Receitas da União (DRU), dispositivo criado na época do FHC, que Lula manteve, que Dilma manteve e que agora foi ampliado de 20% para 30%. É um instrumento de drenagem de recursos da área social para o pagamento de juros e amortização da dívida pública para os bancos.
Porém, com o forte apoio parlamentar, o que foi aprovado na Câmara foi mais longe do que os governos anteriores fizeram. A proposta amplia a desvinculação para as esferas estaduais e municipais. Mesmo que tenha retirado dos seus efeitos formais a educação e a saúde, tal medida visa comprimir qualquer gasto acima do mínimo constitucional que estava sendo feito e impedirá qualquer ampliação de serviços públicos.
O ministro da Fazenda Henrique Meireles anunciou que na próxima terça feira estará pronta a Proposta de Emenda Constitucional que estabelece o teto para os gastos públicos que expliquei no post passado aqui neste espaço virtual.
O presidente ilegítimo reunirá com centrais sindicais que apoiaram o golpe para convencê-las de que é necessário fazer uma terceira reforma da previdência social.
Enquanto o povo brasileiro espera que Eduardo Cunha seja cassado (está difícil, assim como fez com Dilma, ele chantageia o Temer que precisa das centenas de votos que ele controla na Câmara) ou preso (parece que o Juiz Moro de um momento para outro ficou mais comedido e sumiu dos holofotes da mídia), que os senadores Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney sejam punidos por obstruir a Operação Lava Jato e abocanhar grande parte dos recursos desviados dos cofres públicos, estes senhores estão implementando o programa do golpe, ou seja, criando as condições para revogar os avanços sociais da Constituição de 1988.

Urge ocupar as ruas contra os ataques aos nossos direitos. Hoje, convocados pelas duas frentes do movimento social (Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo) milhares se manifestarão em todo o país. É um bom começo.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

O teto acaba com vinculação constitucional

Em pomposa entrevista, o presidente ilegítimo Michel Temer anunciou a intenção de estabelecer um teto de gasto público, o qual seria apenas reajustado de um ano para o outro no limite da variação inflacionária. Obviamente que a grande mídia, os comentaristas pro-mercado de plantão e o grande capital, especialmente o financeiro, todos comemoraram a proposta.
Não há ainda tramitando no legislativo a medida concreta, mas certamente precisará ser uma Emenda Constitucional. Tentarei neste post traduzir para a educação o que representará a sua aprovação.
O gasto público, como todos sabem, é a soma dos gastos com pessoal, custeio e investimento que cada governo (federal, estadual e municipal) realiza no ano civil brasileiro. Este gasto é feito tendo por base a arrecadação de impostos, contribuições, taxas e empréstimos.
No caso da educação, o gasto público possui uma reserva de recursos, uma vinculação constitucional. Esta vinculação que alcança apenas os impostos (arrecadados ou transferidos) é de, no mínimo, 18% para a União e 25% para estados, DF e municípios, salvo se constituição local estabelecer percentual maior. Afora este recurso vinculado, a educação conta também com o salário-educação (contribuição social) e parte dos royalties do petróleo.
Bem, explicando melhor a proposta do ilegítimo Temer, o governo pretende que o gasto com o setor público (incluindo educação, saúde, segurança e demais serviços) seja igual ao realizado no ano anterior acrescido do mesmo percentual registrado pela inflação. Assim, em 2016 o gasto público seria o efetivado em 2015 mais 10,67% de correção.
As despesas públicas básicas são com pagamento de salários dos efetivos e contratados, compra de serviços (terceirizados, compras de material, pagamento de luz, água, viagens, etc.) e construção de prédios e equipamentos. Estes serviços são afetados pela inflação todos os anos, assim há sempre pressão para recompor os salários dos servidores públicos, pelo menos no patamar de corrosão inflacionária, os valores dos contratos de terceirizados também são impactados pela correção dos salários dos trabalhadores contratados pelas empresas, as compras de bens também são corrigidas todos os anos.
Além da proposta impedir o crescimento da oferta de serviços, posto que a correção garante apenas manter o mesmo nível de serviços atualmente prestados, impedindo, por exemplo, de construir, equipar e colocar para funcionar uma nova escola ou curso superior, também afeta diretamente a vinculação constitucional.
Neste caso faz-se necessário desenhar (como se costuma falar):
1.       A vinculação de impostos obriga que de tudo que foi arrecadado se reserve e se aplique 25% em educação. Ou seja, se em 2015 o arrecadado com impostos foi 100.000,00 reais, o governo do Pará (por exemplo) não pode gastar menos que 25.000,00 com educação.
2.       Se em 2016 a arrecadação chegar em 150.000,00, a vinculação obriga que, no mínimo, 37.500,00 sejam aplicados em educação.
3.       O principal imposto financiador da educação nacional é o ICMS. Este imposto que é arrecadado pelos governos estaduais (que ficam com 75% do montante) e parcialmente distribuídos para os municípios (25% do montante) é quase dois terços dos recursos da educação básica nacional.
4.       Analisando o comportamento da arrecadação deste tributo (dados do Confaz) nos últimos 10 anos (2004 a 2014) podemos verificar que a regra foi um crescimento acima da inflação, especialmente em momentos fora da crise. E mesmo nos períodos de crise é significativa a receita. Decidi comparar o comportamento da inflação (que será a forma de corrigir o gasto público pela proposta do governo) com o que realmente aconteceu nos dez anos citados.
O gráfico 01 mostra que apenas em dois anos desta década a variação de crescimento da receita de ICMS foi menor que a inflação do ano. Ou seja, ao estabelecer um teto baseado na inflação do ano anterior o governo estará retirando dinheiro das áreas sociais e direcionando para a verdadeira prioridade do país (pagar os encargos, juros e amortização da dívida pública).
Decidi também simular o que aconteceria se esta proposta estivesse em vigor desde 2004 (início da década estudada neste post), ou seja, se desde 2004 a regra de corrigir fosse aplicada nos recursos do ICMS. E comparei com a regra atual (25% do ICMS, no mínimo, em educação). O gráfico 02 mostra o que teria acontecido com os recursos educacionais.

Em termos nominais a perda na década, somente com recursos do ICMS, teria sido de 234 bilhões de reais a menos para a educação.
Estamos em crise e em 2014 perdemos para a inflação, mas isto não é a regra, pelo contrário. A medida que Temer quer implantar revoga a vinculação constitucional, prejudicando violentamente a educação e saúde. E acaba, na prática, com o disposto no artigo 212 da Constituição Federal e com o disposto nas constituições estaduais e leis orgânicas municipais.
Fazendo um exercício em um município concreto, a cidade de Belém do Pará, em 2013, teve devido a vinculação constitucional mais recursos do Fundeb que aplicar pelo menos R$       319.485.959,85. Pelas regras do teto, em 2014 teria os gastos educacionais poderiam alcançar apenas a variação da inflação de 2013 (5,91%), ou seja, poderiam chegar a R$ 338.367.580,08.
Acontece que analisando as receitas de Belém em 2014, mesmo com a crise já afetando muito as finanças municipais, a vinculação constitucional obrigou a que fossem gastos com educação pelo menos R$ 352.462.002,20. Traduzindo, se já estivesse vigorando a proposta do Temer, o município de Belém teria que aplicar R$ 14.094.422,12 a menos em educação.
Sem a vinculação constitucional vivenciaremos um retrocesso na qualidade educacional, paralisia na oferta de novas vagas e precarização das relações de trabalho.

A depender da disposição dos deputados federais do ressuscitado centrão (de triste memória do processo constituinte) que conseguiram mais de 300 votos para renovar a DRU na semana passada, tal proposta tem grandes possibilidades de ser aprovada. Vai depender da mobilização da sociedade civil, das instituições garantidoras das regras constitucionais e dos principais interessados na prestação de serviço educacional público: os pobres do meu Brasil.

domingo, 5 de junho de 2016

Um governo ilegítimo

Todos sabem que usei este espaço para criticar as ações educacionais de sucessivos ministros de Lula e Dilma. Passei um tempo sem postar neste espaço e retorno agora com 26 dias de um governo ilegítimo, que assumiu interinamente o poder por meio de um golpe parlamentar. O que dizer deste novo cenário no que se refere a educação? Quais as perspectivas?
De hoje em diante vou tentar refletir sobre o assunto, tentando ajudar na organização da necessária resistência dos movimentos educacionais aos ataques aos nossos direitos.
Em primeiro lugar, faz-se necessário entender qual a intencionalidade do golpe e do governo interino, pois isso nos informa qual cenário mais geral teremos em matéria educacional.
Infelizmente, discordando de muitos amigos meus, Dilma não caiu por suas virtudes. Não que os conservadores aprovem as medidas, mesmo tímidas, de inclusão social promovidas no período petista, mas ela caiu por que o grande capital precisava de um governo que topasse realizar os ajustes necessários para resolver a crise pela lógica do andar de cima, sem vacilações ou pressões do movimento social.
O governo de Michel Temer (ilegítimo, não cansarei de lembrar!) possui um caráter provisório. É necessário para aprovar duas grandes ações políticas: aprovar medidas imediatas de ajuste fiscal, tendo como foco a proteção dos lucros e interesses dos credores e, em seguida, rever o patamar de direitos conquistados em 1988.
Assim, as primeiras medidas econômicas foram sintomáticas. Remanejamento de recursos do BNDES (banco para financiar o desenvolvimento produtivo) para pagar juros e amortização da dívida e cortes orçamentários visando fazer caixa para... pagar os juros e amortização da dívida. É lógico que, para manter quieto o setor produtivo que apoiou e financiou o golpe, medidas de combate à sonegação, repatriação de recursos em paraísos fiscais ou elevação de impostos ficou adiada.
A mais importante medida, inclusive pelo seu caráter mais estruturante, é a proposta de criação de um teto para os gastos públicos, tendo por base a correção da inflação do na o anterior. Esta medida, caso aprovada pelo Congresso, engessará o crescimento de direitos sociais e de prestação de serviços à população, leia-se aos mais pobres, posto que saúde, educação, assistência e demais programas, mesmo que universais, não são acessados como regra pelos ricos e pela classe média.
Crescendo em termos de valores nominais apenas o percentual de correção da inflação teremos:
1.       Apenas a correção do aumento de despesas fixas será possível. A inflação provoca aumento de luz, água, serviços necessários ao funcionamento da máquina e também a reposição das perdas salariais.
2.       Como passada a crise a arrecadação voltará a crescer mais do que a inflação (como antes vinha acontecendo), os gastos públicos não poderão aproveitar o aumento de arrecadação para valorizar seus profissionais, melhorar a infraestrutura precária atual ou ampliar a cobertura de saúde e educação. Sobrará mais recursos para as verdadeiras prioridades: o pagamento dos juros e amortização da dívida e para investimentos para criar condições para reprodução do setor produtivo.
O que isso implicará diretamente para os objetivos, metas e estratégias educacionais? Considero que aprovada esta regra podemos dizer que o Plano Nacional de Educação estará oficialmente revogado, mesmo que não isso seja feito de maneira formal. Eu explico os motivos desta afirmação.
1.       O PNE é um plano marcado por contradições, todos sabemos, mas seu caráter é expansionista, ou seja, o cumprimento de suas metas amplia a cobertura escolar em várias etapas e modalidades. A aprovação de um teto de gastos públicos impede o crescimento da oferta, mantendo de forma precária apenas o que existe, na situação em que se encontra. Ou seja, revoga na prática as metas e estratégias de expansão da oferta.
2.       Uma das preocupações do PNE também é com a melhoria do que existe, buscando elevar padrão de qualidade dos serviços prestados atualmente. Isso só é possível com a elevação do padrão de gastos públicos, assim qualquer medida de melhoria de padrão de atendimento, necessariamente significa aumentar o custeio existente, corrigindo a matriz de financiamento daquela escola, daquela rede, daquele serviço acima da inflação. E isto estará proibido.

A luta contra o governo ilegítimo de Temer é a luta para preservar as conquistas da Constituição de 1988 e, ao mesmo tempo, preservar a vigência do PNE 2014-2024.