quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Nada como o risco do impeachment

Apesar do título provocativo, quero parabenizar a decisão (pelo menos até este momento) do ministro Mercadante de não editar nova portaria interministerial reduzindo a estimativa do valor por aluno e, por conseguinte, reduzindo o valor do piso salarial nacional do magistério.
Considero que tal atitude foi consequência da urgente necessidade de que o governo Dilma não perca ainda mais seus vínculos (andam para lá de esgarçados) com a base social que lhe elegeu. Assim, anunciar um valor de reajuste do piso abaixo da inflação de 2015 seria algo desastroso, mesmo que certamente fosse visto com muitos bons olhos por governadores e prefeitos.
Para entender o dito acima, vejamos a sistemática e a postura do MEC nos últimos anos:
1.       O valor do piso salarial nacional do magistério é encontrado por meio de uma simples divisão entre o valor por aluno do FUNDEB dos dois anos anteriores. Assim, o valor de 2016 será a diferença percentual entre o valor por aluno de 2015 sobre 2014. Dito de outra forma, é o produto da correção do investimento feito via o fundo na educação básica no ano anterior.
2.       Este valor é estabelecido no final de cada ano por meio de estimativa de receita dos estados, dos municípios e de complementação da União. Acontece que por pressão dos governadores prefeitos, o MEC criou o hábito de rever a estimativa no final do ano, ou seja, publicar nova portaria praticamente com o valor realizado. Com isso, em anos seguidos jogou a correção do piso um pouco mais para baixo, especialmente depois da correção de 22,22% ocorrida em 2012.
Desde que foi criado o valor do piso tem ficado acima da inflação. O IPCA acumulado de janeiro de 2009 até novembro de 2015 chegaria 53,8% e o valor do piso foi corrigido em 141,26%. Sem a continuidade desta política será impossível tentar cumprir as metas do Plano Nacional de Educação que tratam da valorização do magistério.
Assim, pelos meus cálculos, o reajuste do piso, caso o MEC tivesse publicado a nova portaria, ficaria em torno de 4%, muito abaixo de uma inflação que deve ter fechado o ano em mais de 10%. Sem a publicação, o reajuste ficará em torno de 11,4%, ou seja, o piso irá para algo em torno de R$ 2.136,41.
É pouco para a necessidade de valorização dos profissionais do magistério, mas é um pouco acima da inflação.
Depois de um ano difícil, de cortes e pacotes fiscais, essa não deixa de ser uma boa notícia (espero que não saia uma edição especial do Diário Oficial da União desfazendo essa boa notícia).



sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Privatização da educação em Goiás

Em tempos de impeachment e de reconfiguração das alianças políticas, com a clara migração do PMDB para reforçar o projeto do PSDB, vale informar e discutir uma das medidas mais escandalosas do momento na área educacional. Trata-se da decisão do governador Marconi Perillo (PSDB), conhecido pelos seus estreitos vínculos com o contraventor Carlinhos Cachoeira (que continua gozando de enorme prestígio nos círculos de poder goiano), de entregar as escolas estaduais para o setor privado, via Organizações Sociais.
O governador anunciou o repasse de irá repassar 23 escolas estaduais da macrorregião de Anápolis serão as primeiras a serem transferidas para OS. Inicialmente, Marconi queria transferir neste ano 350 unidades escolares (das 1,1 mil do Estado) e depois reduziu para 200. Com medo da reação popular ele reduziu a meta, mas não da ideia. Interessante começar justamente pela cidade dominada pela família Cachoeira (coincidência ou homenagem?).
No despacho do Diário Oficial que publicou a medida o governador afirma que tal decisão irá reduzir em pelo menos 10% o custo atual com as escolas estaduais que foram terceirizadas para organizações sociais. Afirma que o custo médio de um aluno na rede estadual é de R$ 388,90 por mês. Por acreditar que o setor privado "goza de mais eficiência e administrativa", Marconi estabeleceu como teto o valor mensal de R$ 350,00 por aluno das escolas estaduais que forem transferidas para organização social. Segundo o tucano a tarefa das empresas será “transformar as escolas estaduais em padrão de excelência comparado aos melhores estabelecimentos de ensino da rede privada goiana”.
A justificativa é para lá de esfarrapada. Vejamos:
1.       Se o motivo fosse reduzir custos em 10%, bastaria tomar medidas otimizadoras do funcionamento da rede estadual e alcançar este percentual, afinal todo o discurso de seu governo está ancorado na eficiência administrativa;
2.       O custo-aluno apresentado por ele (R$ 388,90 mês) me surpreendeu. O custo-aluno vinculado ao FUNDEB nas séries finais para 2015 é de R$ 3353,62 ano, ou seja, R$ 279,46 por mês. Dificilmente, pela queda na receita estadual no país inteiro, este valor vai se realizar. Ou seja, ele afirma que complementa, mesmo migrando recursos estaduais para os municípios goianos, nada menos que 39% deste valor. Inacreditável a generosidade do governo goiano!
3.       Afirma que é para tornar as escolas estaduais semelhantes as melhores escolas particulares de Goiás. Certamente o governador não leu (ou não entendeu) inúmeras e fundamentadas pesquisas que mostram que seu objetivo não é factível do jeito que pensa e pretende. Publico aqui o dado de recente texto publicado por dois pesquisadores do IPEA (Corbucci e Zen) que provam a existência de forte correlação entre a renda dos alunos (e de suas cidades) com as notas obtidas no IDEB. Vejam tabela nesta postagem.
4.       O IDEB da rede estadual é menor do que a rede privada em Goiás, da mesma forma que em todo o país. E qual a mensagem que esta decisão indica? Que se entregarmos nossas escolas para o setor privado, devida a sua “eficiência” subsidiada generosamente pelo poder público, posto que nossos alunos não podem pagar as mensalidades por eles cobrada, por mágica privatista, nossos indicadores subirão. Ledo engano, para não dizer intencionada enganação!
Soube que os estudantes secundaristas goianos começaram um movimento de ocupação das escolas, reagindo ao projeto privatizante do tucano Perillo. Que bom que existe resistência ao processo tão danoso para a escola pública.
A vida dos professores vai mudar, seus contatos serão regidos pelo padrão do setor privado (menos salário, mais exigência, menos estabilidade no emprego, menos formação exigida, menos autonomia pedagógica). Espero que da parte da minha combativa categoria também existe forte mobilização.

É um fato que acontece em Goiás, mas que indica novos e perigosos rumos para a educação brasileira no período próximo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A educação e o impeachment

Não tem outro assunto que ocupe a mente do povo brasileiro nestes dias. A possibilidade de ser aprovado o impedimento da presidenta está acalorada, com cartas íntimas e magoadas do Michel Temer e golpes seguidos de um desqualificado chamado Eduardo Cunha.
Minha posição é contrária ao impeachment. Não que o governo Dilma esteja cumprindo o que prometeu, longe disso. Motivos para defender seu governo não existem. Porém, motivos para ser contra a sua saída e a entrada do velho e surrado PMDB de Michel Temer, José Sarney, Jader Barbalho, Renan Calheiros e Eduardo Cunha (para citar somente os mais conhecidos no momento) existem de sobra.
Queira aqui refletir sobre o que seria um provável (existe risco razoável de isto acontecer) governo Temer. Vejamos:
1.       Para ser aprovada a abertura do processo de impeachment (da Câmara ele ainda vai para votação final no Senado, mas a presidenta já ficaria seis meses afastada) são necessários os votos da oposição conservadora, das bancadas conservadoras - da bala, da Bíblia (neste caso uma injustiça com este livro sagrado) e do boi. E, obviamente, uma migração massiva dos deputados do PMDB.
2.       Portanto, um provável governo Temer será fruto de uma composição que expresse estes setores acima listados.
Bem, Temer não é Itamar Franco. Quando Itamar, então vice do Collor de Mello assumiu, também houve uma recomposição de forças, mas os ares estavam mais arejados do que hoje. E as estaturas políticas são bem distintas.
Bem, o que aconteceria com a educação em um eventual governo Temer?
1.       O Ministério da Educação, pela sua importância, seria moeda de troca valiosa. O da Fazenda continuaria com o mercado financeiro (lugar cativo nos governos FHC, Lula e Dilma). Assim, o MEC provavelmente iria para o PSDB ou para o próprio PMDB.
2.       Com melhores condições para fazer os ajustes fiscais reivindicados pelos bancos e grandes empresas, Temer aprofundaria os cortes orçamentários, colocando de forma definitiva na geladeira a vigência do Plano Nacional de Educação, o Custo-Aluno Qualidade e outras medidas defendidas pelos setores progressistas.
3.       O preço do apoio da bancada que se arvora em falar em nome de Bíblia seria a extinção de qualquer programa que discute sexualidade nas escolas ou outros pecados capitais do gênero.
4.       O setor privado, que já possui grande espaço no atual governo (vide FIES turbinado e Pronatec) poderia ter no MEC um incentivador e propulsor de práticas privatistas como temos presenciado. Não é toa que em Goiás, sob a égide do insuspeito Marconi Perillo (PSDB) está se repassando as escolas públicas para Organizações Sociais e no Pará (dos tucanos também) estão implantando escolas charter. A fatia do fundo público educacional abocanhada pelo setor privado cresceria na mesma proporção que Temer precisaria do beneplácito dos grandes grupos, que financiam os grandes jornais e TVs. Quem sabe até conseguem emplacar um empresário para ministro, evitando intermediários e diminuindo seus custos?
Olhando este quadro provável, mesmo sem levar em consideração os demais efeitos da assunção de um governo do PMDB no país (o último que tivemos foi do Sarney, que muitos jovens somente ouviram falar nas aulas de história!), aparecem motivos suficientes para ser não somente contra o impeachment, mas para ir às ruas contra ele.
Os educadores, depois dos seguidos cortes orçamentários do governo, certamente não irão às ruas defender o governo Dilma. Mas devem ir às ruas para evitar que a situação se agrave.
Se hoje o PNE está sob risco de virar letra morta, com Temer ele será enterrado em definitivo.
Não estarei marchando com os conservadores no dia 12 de dezembro, por que vivi a ditadura e sei do que a direita é capaz.
Não estarei levantando a bandeira do Fora todos, não por que a maioria não mereça deixar de nos governar, mas por que não faço o jogo da direita, ou seja, não coloco lenha na fogueira dos bolsonaros da vida.
Estarei com os movimentos sociais que ocuparem as ruas para rejeitar o impeachment, pedir a cassação de Eduardo Cunha e, ao mesmo tempo, avisar a Dilma que não aceitamos o seu ajuste fiscal.


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Recessão e valor do piso do magistério

Provocado pela carta dos secretários de fazenda dos estados que propuseram para a presidenta Dilma o congelamento do valor do piso nacional do magistério até que os efeitos da crise econômica sejam superados, decidi checar o comportamento das receitas estaduais e municipais e alertar para os efeitos deste comportamento no valor do piso para o ano de 2016.
Todo mundo deve estar acompanhando os desastrosos indicadores econômicos. Estamos em recessão, ou seja, a economia está se retraindo. A consequência prática para a receita de impostos (base financiadora do Fundeb e do cálculo do reajuste do piso do magistério) é uma queda de arrecadação.
A imprensa reproduziu informações da Receita Federal de que tivemos uma queda real de 2,4% até setembro (descontada a inflação do período) no Imposto de Renda. E Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) também caiu 7,11%. Estes dois impostos formam a base do principal repasse federal para estados (FPE) e para os municípios (FPM).
Acessei o site do CONFAZ, órgão das secretarias de fazenda dos estados, onde pude levantar o comportamento da receita do ICMS (que representa mais de 60% dos recursos do FUNDEB) e este teve um aumento nominal de 0,49%, ou seja, se aplicada a inflação no período, também teremos expressiva queda.
Em dezembro de 2014 foi publicada portaria estabelecendo o valor por aluno mínimo de 2015 e projetando crescimento de receita para 2015. Na época se estimava um crescimento de 11,3% de receitas e um reajuste no valor por aluno de 12,7%. Este valor seria a referência, conforme as regras atuais do jogo, para o reajuste do piso do magistério. Em novembro desde ano foi republicada a estimativa de valor por aluno, mas o reajuste foi insignificante, passando de R$ 2.576,36 (portaria do ano passado) para R$ 2.545,31. Não houve, entretanto, revisão das receitas.
Todos os anos, quando chegamos em dezembro, o MEC publica uma nova versão da portaria, revendo as estimativas de receita. Na verdade, apresenta dados realizados até novembro e estima apenas dezembro. Isto tem sido feito a pedido dos governadores e prefeitos para reduzir o impacto do piso do magistério. Certamente tal procedimento será mantido pelo atual ministro Mercadante, especialmente com os dados de comportamento de receita expostos acima.
Acessei também os dados disponíveis do Tesouro Nacional relativos aos repasses realizados pelo Fundeb para as redes estaduais. Em termos nominais até o outubro houve uma variação de 4,4%, bem menor do que o 11,3% estimados pelas duas portarias. Faltando apenas dois meses para completar o ano e apenas um mês para a base de cálculo da terceira portaria, certamente o valor por aluno sofrerá brusca redução nominal, ficando em torno deste percentual que identifiquei. Vale lembrar que em 2014 o reajuste foi de 13%
Assim, a probabilidade do valor do piso não alcançar o patamar de R$ 2.136,41. E ficar em torno de R$ 2.002,16, ou seja, sofrer um reajuste de 4,4% ou algo parecido.
Qual a consequência desta decisão?
1.       Os professores receberão um reajuste menor do que a inflação do período, que o mercado trabalha com 10,38% e o IPCA acumulado nos dez meses de 2015 já chegou a 8,53%.
2.       A distância entre o salário médio recebido pelos professores se comparado com o salário médio de outros profissionais com igual formação tende a se alargar, distanciando ainda mais o cumprimento da Meta 17 do Plano Nacional de Educação.

Reforma no INEP: o setor privado agradece

Tenho dito que a crise acirra a disputa pelo fundo público. O setor privado tem conseguido preservar as suas conquistas no Orçamento Federal e, como a corda sempre rompe do lado mais fraco, os programas sociais estão sofrendo corte atrás de corte. O Ministério da Educação é exemplar neste quesito.
O novo capítulo desta luta diz respeito a “reforma administrativa” que o ministro Mercadante está promovendo. A crise criou o ambiente propício para justificar todas as malvadezas que se tentava fazer e não havia clima político (interno e externo) para fazer. A bola da vez é o INEP.
Foi informado para os servidores do instituto que o mesmo sofrerá uma exótica reforma administrativa. Pelo que consegui colher de informações, em nome de enfrentar a crise, o governo federal retirará do INEP a gestão e execução das avaliações educacionais, repassando, por meio de um singelo e milionário contrato de gestão, para o Cebraspe a atribuição.
Segundo o próprio site desta OS, o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), denominado Cespe, foi qualificado como Organização Social (OS) em 19 de agosto de 2013, com a assinatura do Decreto n. º 8.078 pela Presidenta Dilma Rousseff. Em 17 de março de 2014, a Instituição começou a funcionar como uma nova OS no País, após a assinatura do Contrato de Gestão firmado em conjunto com as instituições intervenientes: o Ministério da Educação, a Fundação Universidade de Brasília (FUB) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Lembremos que Segundo a Lei n. º 9.637/98, associações com essa personalidade jurídica são, por natureza, de direito privado, sem fins lucrativos, mas que tais OS, por meio de Contrato de Gestão, remuneram seus diretores e funcionários e funcionam como se empresa fossem.
Também serão extintas ou fundidas quase todas as secretarias. Como será ainda mais terceirizada parte de suas atribuições, o organograma infla a área meio, criando poderosa secretaria executiva, na qual ficará a gerência do contrato de gestão. Ou seja, não será mais a área finalística que cuidará da qualidade da prestação dos serviços na execução (do Enem por exemplo), atividade que passa a ser encarada como mero procedimento burocrático.
Afirmei esta semana que na crise fica claro o que um governo julga prioritário e importante. Se as relações com os entes federados não é prioridade, então não há incoerência em extinguir a SASE. Se a disputa por uma escola que respeite a diversidade causa problemas com a base aliada no congresso (tão importante para permanecer no governo!), então por que não extinguir?
Se o mundo privado é o principal aliado do governo. Se o governo acredita mesmo que o setor privado pode fazer melhor e mais barato e que isto não causa nenhum prejuízo na efetivação do direito à educação, por que não repassar mais e mais atribuições a Organizações Sociais?
O INEP está sendo desvirtuado de suas atribuições, todas previstas na legislação que o criou. A pesquisa e a disseminação de seus resultados, o monitoramento do plano nacional de educação, a transparência do uso dos recursos públicos, tudo está em risco.
Infelizmente é mais um capítulo das consequências de um governo que apresentou um programa de esquerda e governa com o programa de seu adversário. Tudo para sobreviver e conseguir manter o apoio da elite. O ajuste fiscal, com todas as suas consequências para as políticas públicas é um ponto central dos acordos costurados nos bastidores da política brasileira: não se trata de ceder os anéis para preservar os dedos, agora é ceder cada vez partes essenciais do corpo.