segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ajustes, cortes e a educação

Recebi no dia de ontem uma nota da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd alertando para a possível extinção de duas secretarias do MEC (Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino - SASE e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - Secadi). No texto, de forma correta, a Associação credita tal movimentação ao ajuste fiscal. Efetivamente, as “reformas administrativas” do segundo governo Dilma nem podem ser chamadas dessa forma, são fruto de um esforço para alocar aliados preferenciais em lugares estratégicos (leia-se PMDB) e cortar gastos para fazer caixa para honrar os compromissos com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública.
Assim, “reformas administrativas” e cortes feitos com essa finalidade terão sempre um posicionamento contrário da minha parte.
Dito isso, queria aproveitar para propor uma reflexão um pouco mais ampla sobre o tema do que a simples reação preventiva contra a possível extinção da SASE e Secadi.
Vou me deter sobre a área que acompanho mais, no caso a SASE, secretaria criada no início do segundo mandato da Dilma para coordenar a relação com os entes federados. Não concordo com a afirmação da nota de que a criação da SASE foi demandada pela sociedade civil organizada e foi produto da CONAE 2010. A crítica de que no Brasil não tínhamos (e ainda não temos) um Sistema Nacional de Educação foi central na CONAE 2010. A falta de instâncias pactuadoras entre os entes federados e sua institucionalização também. Porém, para que as duas demandas acontecessem não era uma pré-condição que fosse criada uma Secretaria especifica para o tema.
Da mesma forma, considero que a crise econômica e política que vivemos no Brasil, coloca em alto risco a vigência do Plano Nacional de Educação. Os cortes orçamentários no governo federal e os efeitos na arrecadação dos estados e municípios estão paralisando as iniciativas de ampliação do direito à educação, essência do PNE. Em tempos de cortes falar de ampliar gastos educacionais, mesmo que assim o PNE determine, começa a soar fora do contexto, por mais absurdo que isto seja. Falar de valorizar o magistério por meio de ganhos reais quando governos anunciam atraso no 13º também. Aliás, acabei de ler uma carta do Conselho de secretários de fazenda dos estados pedindo para congelar o valor do piso do magistério até que a crise acabe (espero que eles saibam quando isto vai acontecer!).
É verdade que ter um espaço institucional responsável por interagir com a sociedade civil e com os entes federados ajuda no diálogo. Mas eu me pergunto se não extinguir a SASE é determinante para reverter o quadro acima. Acho que não.
Fui chamado, com outros educadores, para uma série de reuniões na SASE sobre o Custo aluno Qualidade Inicial, cujo prazo para sua implementação encerra em junho do ano que vem. Primeiro, foi criada uma comissão interna ao MEC, sem participação da sociedade civil. Segundo, fomos ouvidos, é verdade, mas a sociedade quer participar das decisões. Governos que chamam para ouvir e depois decidem de acordo com seus interesses são recorrentes na história do Brasil. Terceiro, não tenho lembrança de ter lido ou assistido nenhum posicionamento dos educadores que ocupam os cargos na SASE qualquer crítica pública aos ajustes fiscais e aos seus efeitos. Nem poderia ser diferente, quem é governo o faz por acreditar nele ou, pelo menos, por achar que tem espaço para suas ideias em seu seio. Não cabe criticá-lo (afora o chantagista PMDB, que abocanha cargos e finge não ter nada a ver com o governo que faz parte!).
Dito isso, considero exagerada a afirmação da nota de que  a extinção da SASE levaria a que “o trabalho de apoio aos estados e municípios para que estes cumpram as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação não encontraria mais no MEC um alicerce para sua estruturação” ou que “cessariam as condições de infraestrutura técnica para apoiar estados, o DF e municípios no sentido de auxiliá-los em suas políticas de valorização dos profissionais da educação e destacadamente a implantação da Lei 11.738/08 (Piso Salarial Profissional Nacional)”.
Extinguir a SASE e Secadi significa que o governo não considera que estes espaços são essenciais ao seu funcionamento, ou seja, o governo os valoriza menos do que o movimento social. Somente isso já torna justo lutar para que, por causa do ajuste fiscal, sejam feitos cortes em espaços institucionais onde o movimento social luta para ser ouvido e que disputa políticas públicas. Para além de reivindicar o espaço, deveríamos reivindicar as políticas, as providências, o cumprimento das obrigações previstas no PNE.
Considero que com SASE ou sem SASE o Custo Aluno Qualidade Inicial está profundamente ameaçado pelo ajuste fiscal. Considero que a participação da União no cumprimento das metas do PNE está suspensa enquanto estiver em vigência o ajuste fiscal. Ou alguém acredita que algo da Meta 12 ou 11 será cumprido nestes tempos de cortes e recessão.

Deveríamos juntar nossas entidades e nossas energias, com a mesma agilidade que tivemos para produzir um posicionamento preventivo contra a possível extinção das duas Secretarias, para lançar um brado retumbante contra a suspensão (de fato) da vigência do Plano Nacional de Educação por parte do governo federal e com apoio dos governadores e prefeitos.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Público e privado: disputa acirrada pelo fundo público

Acho que depois da batalha entre o bem e o mal, a batalha entre o público e privado é a mais antiga de nossa história. Como escrevi ontem, a crise acirra a disputa pelo destino do fundo público, ou seja, que segmentos sociais se apropriarão de maneira mais contundente dos recursos arrecadados dos cidadãos brasileiros. E é neste contexto que se localiza a atual disputa entre público e privado.
Concordo com autoras (cito Theresa Adrião, Vera Peroni e Sofia Vieira como exemplos) que consideram dissolvidas as claras fronteiras entre estes dois pólos. As brechas que a constituição de 1988 deixou e que foram alargadas pela LDB, agora estão se tornado frondosas avenidas.
Para quem trabalha tendo a lógica da educação como direito de todos, o cenário é preocupante. Em primeiro lugar, cada vez mais os governos (federal, estaduais e municipais) destinam recursos para o setor privado, mas não somente para entidades autorizadas pelo artigo 213 da CF, mas também para o setor com fins lucrativos.
Em segundo, tem crescido o repasse de escolas para a gestão privada, seja para OSCIPs, entidades empresariais sem fins lucrativos e, agora começa a crescer também a tentativa de implantar “escolas charters”.
A crise e a dificuldade de responder as demandas sociais por ampliação do direito à educação têm servido de justificativa (econômica) para a implantação destas “parcerias”. Este é o caso do caso do repasse de unidades de educação infantil para OSCIPs em Brasília.
Mas também tem crescido o discurso de que o Estado pode delegar a execução da política educacional para o setor privado por razões de eficiência. O modelo privado não seria refém dos custos exorbitantes com as carreiras docentes, permitiram mobilidade no emprego e reduziriam custos. E, no caso do repasse da gestão pedagógica, teria o benefício de elevar a “qualidade” das escolas.
Durante a tramitação do novo PNE se travou importante batalha desta guerra. Se, de um lado, a força da sociedade civil conseguiu garantir que os 10% do PIB deveriam ser de investimento público na escola pública, de outro lado, o governo e os privatistas conseguiram inserir dispositivo que permite contabilizar para efeitos de cumprimento da Meta 20 tudo que hoje é repassado para o setor privado.
O PNE está permeado de contradições deste tipo. Em algumas metas e estratégias prevaleceu a preocupação com o espaço público na oferta de novas vagas. Em outras foi tornado lei iniciativas que visam ofertar vagas no setor privado por meio de bolsas subsidiadas pelo poder público.

Durante os próximos anos de vigência do PNE teremos novos e emocionantes episódios desta batalha.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A crise e seus efeitos no PNE

Depois de alguns meses inativo, retomo no dia de hoje as atividades do meu blog. E escolhi um tema que vem preocupando os brasileiros: a crise econômica e política. Porém, farei um recorte dos seus efeitos na educação, especialmente na vigência do PNE.
Toda crise abre uma acirrada disputa pela apropriação do fundo público. Com menos recursos, é necessário que os governos façam escolhas e estabeleçam prioridades. O governo Dilma (e nisso possui amplo apoio da mídia, dos empresários e das bancadas de oposição conservadora) implementa uma série de medidas direcionadas a enfrentar a crise.
Em primeiro lugar, promove um ajuste fiscal, tendo por objetivo diminuir os gastos públicos e direcionar os recursos resultantes destas medidas para o pagamento (ou amortização) da dívida pública. Tais medidas também se destinam a sinalizar para o “mercado” que o governo está comprometido com o combate a inflação e equilíbrio das contas públicas. Não é uma sinalização simbólica, é real. Desde janeiro estão sendo cortados recursos orçamentários no âmbito federal, afetando áreas sociais fundamentais, dentre elas a educação.
Em segundo lugar, praticam vários mecanismos inibidores do consumo, visando derrubar os preços e, por conseguinte, a inflação. Este remédio tem como âncora a elevação das taxas de juros, tornando pouco atrativa o empréstimo de dinheiro. Até agora não derrubaram inflação, mas conseguiram diminuir o ritmo produtivo e jogar o país numa retração econômica.
A paralisia da economia incide diretamente na circulação de mercadorias e, por conseguinte, diminui a arrecadação de impostos, afetando a capacidade de estados e municípios manterem em funcionamento programas e projetos. A dificuldade dos entes federados em pagar os salários (veremos novo capítulo agora com a obrigação de depositar o 13º), manter funcionando escolas e unidades de saúde, é a expressão cruel da crise se espalhando para além das fronteiras da União.
E isto nos remete a uma grande contradição: como garantir a implementação das metas e estratégias de um plano nacional de educação no meio de uma crise. São poucas as metas que não são quantitativas e que não precisam para acontecer uma elevação de oferta de serviços públicos, com a consequente contratação de mais professores e outros profissionais da educação, além do custeio de novas unidades educacionais.
Em 2016 teremos a obrigação (constitucional) de universalizar o atendimento educacional para a faixa etária de 4 a 17 anos. Certamente, com raras exceções, as metas 1, 2 e 3 não serão cumpridas.

Além disso, o plano é um compromisso de 10 anos, mas que sua dívida precisa ser paga um pouco a cada ano, caso contrário ficará inviável alcançar suas metas. Daqui a sete meses o PNE completará dois anos, ou seja, um quinto de sua vigência terá passado. E sua execução, em meio à crise, parece suspensa no ar.