quinta-feira, 25 de junho de 2015

Tirar consequência

Quero registrar dois avanços em relação ao cumprimento do PNE editados pelo MEC no dia de hoje. São duas portarias publicadas no Diário Oficial da União.
A Portaria nº 618, de 24 de junho de 2015, dispõe sobre o Fórum Permanente para acompanhamento da atualização progressiva do valor do piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Este Fórum será formado por representantes do MEC, dos governos estaduais e municipais e por representação da CNTE.
A tarefa deste Fórum será de “propor mecanismos para a obtenção e organização de informações sobre o cumprimento do piso pelos entes federativos, bem como sobre os planos de cargos, carreira e remuneração” e “acompanhar a evolução salarial por meio de indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, periodicamente divulgados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE”.
É uma boa iniciativa, porém, valerá a pena se enfrentar e buscar soluções para a viabilização das condições financeiras para a consolidação do piso nacional de salários do magistério e efetivação da Meta 17 do PNE, que se propõe equiparar o rendimento médio dos professores ao recebido pelos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE, ou seja, até 2020.
E quais são os entraves?
1.       Desigualdade territorial nas condições de oferta, fruto das diferentes condições econômicas dos estados e municípios;
2.       Planos de carreira diferenciados, fruto do ponto anterior, mas também resultado da pouca efetividade jurídica das diretrizes nacionais sobre o tema;
3.       Não efetivação, desde a aprovação da Lei do Piso, de qualquer ajuda federal para viabilizar o pagamento do piso por estados e municípios. Além disso, restrição de uso de parte da complementação da União apenas para entes de fundos contemplados com a mesma, o que exclui mais de 2000 municípios e 16 estados;
4.       Questionamento sobre conteúdo da lei, especialmente sobre forma de correção do valor e formalização do mesmo todos os anos.
Sem que estes problemas sejam enfrentados, monitorar é bom, mas totalmente insuficiente para cumprir a Meta 17 e garantir valorização dos trabalhadores em educação.
A segunda portaria, de número 619, da mesma data, institui a Instância Permanente de Negociação Federativa no Ministério da Educação. Tal portaria materializa dispositivo presente no artigo 7º do PNE e a Instância criada se propõe como objetivo “fortalecer os mecanismos de articulação entre os sistemas de ensino, por intermédio do desenvolvimento de ações conjuntas, para o alcance das metas do Plano Nacional de Educação - PNE e a instituição do Sistema Nacional de Educação”.
A composição será paritária entre os entes federados, cinco de cada. A Instância se reunirá pelo menos duas vezes por ano, visando à negociação dos assuntos previstos na Lei do Plano Nacional de Educação, ou sempre que o debate sobre temas referentes ao desenvolvimento da educação básica for pertinente.
O tema da pactuação federativa talvez seja um dos assuntos mais relevantes para a efetivação do plano nacional de educação. Na verdade, o tema extrapola o próprio plano, posto que 27 anos de Constituição ainda não foram suficientes para que o regime de colaboração fosse regulamentado. Da mesma forma, tal comissão somente cumprirá seu papel se:
1.       Discutir profundamente o desequilíbrio entre recursos financeiros e responsabilidades atribuídas a cada ente federado, especialmente revendo o papel exercido pela União;
2.       Estabelecer-se como instância de discussão de todos os programas federais direcionados para a educação básica, substituindo o atual Conselho do FNDE, o qual sendo composto pelos secretários do MEC, homologa decisões solitárias do ministro, sem pactuação com os entes federados;
3.       Uma boa sinalização, para que todos se convençam que o gesto da portaria não foi mera formalidade para amenizar um ano de quase nenhuma ação para efetivar o PNE, seria colocar na pauta da primeira reunião desta instância (a qual deveria ser urgente) o debate sobre regulamentação e implantação do CAQi e regulamentação do uso dos recursos do pré-sal.
Estes breves comentários visam comemorar os avanços, mas principalmente não se deixar empolgar por sinalizações formais. Para o PNE sair do papel são necessários gestos concretos.
               


O que poderia ter sido feito no primeiro ano do PNE

Vamos considerar a tese do Ministro da Educação de que pouco foi feito por que está faltando dinheiro para todos (ontem mostrei que existiram escolhas governamentais sobre onde alocar recursos do fundo público em meio à crise econômica, faltando dinheiro para uns e preservando recursos para outros). Será que poderia ter sido feito mais pelo PNE do que foi feito (bem, como praticamente nada foi feito, qualquer coisa seria bem mais!)?
O PNE é um plano de dez anos, mas algumas metas e determinações da lei possuem prazo de apenas dois anos, ou seja, caso nada tenha sido feito sobre essas determinações, simplesmente perdemos um ano de vigência. E nem tudo envolve dinheiro (posto que o mesmo estaria faltando para todos). Vejamos:
O artigo 4º da Lei afirma que as metas “deverão ter como referência a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, o censo demográfico e os censos nacionais da educação básica e superior mais atualizados” e que o Poder Público “buscará ampliar o escopo das pesquisas com fins estatísticos de forma a incluir informação detalhada sobre o perfil das populações de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência”. No primeiro ano do PNE, vale perguntar quais providências técnicas foram tomadas para cumprir esta tarefa?
No parágrafo 2º do artigo 5º ficou estabelecido que a cada dois anos, o INEP publicaria “estudos para aferir a evolução no cumprimento das metas estabelecidas no Anexo desta Lei, com informações organizadas por ente federado e consolidadas em âmbito nacional”. Tendo se esgotado metade do prazo para divulgação do primeiro relatório, eu pergunto sobre quais providências técnicas foram tomadas pelo INEP?
No mesmo artigo, no seu parágrafo 5º, a Lei estabelece que a parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e de gás natural será destinada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, em acréscimo aos recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição Federal. Tal providência precisaria de lei específica. É forçoso perguntar: por que até o momento não foram tomadas providências para regulamentar o uso dos recursos dos royalties para a educação, especialmente a parcela federal dos mesmos? A omissão governamental induz uma conclusão de que tais recursos, sem regulamentação, poderão enquanto isso serem destinados a engrossar o “esforço fiscal do governo” e migrar para os bolsos dos credores da dívida pública.
Um dos avanços do PNE foi o teor do seu artigo 7º. No parágrafo 5º é dito que “Será criada uma instância permanente de negociação e cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. O que falta para cumprir esta norma, posto que a mesma não custa um centavo para os cofres federais?
A única providência lembrada pela propaganda federal é justamente a que não depende de iniciativas deste ente. Falo do artigo 8º, que dá prazo de um ano para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios elaborarem seus correspondentes planos de educação, ou adequem os planos já aprovados em lei. O prazo se encerrou ontem e o dado fornecido pelo MEC era, no mínimo, preocupante.
No seu artigo 13, outro avanço importante. No prazo de dois anos, o poder público deverá instituir, em lei específica, “o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação”. Seria bom informar para a sociedade brasileira qual o teor da minuta de lei do sistema (caso exista) e informar quando o projeto de lei será enviado para o Congresso, especialmente considerando o ritmo daquela Casa para aprovar leis benéficas ao povo brasileiro (todos os dias presenciamos o ritmo alucinante para aprovar as leis maléficas).
Se no geral as metas possuem prazos decenais, algumas metas e estratégias possuem prazo também de dois anos, ou seja, já perdemos metade do prazo sem que providências fossem tomadas. Destaco algumas:
Na Meta 1, temos o prazo até 2016 (faltam na verdade seis meses) para universalizar a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.
Na Meta 3, também temos o prazo de universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos.
Na estratégia 7.21 ficou estabelecido que “a União, em regime de colaboração com os entes federados subnacionais”, deveria estabelecer, no prazo de 2 (dois) anos contados da publicação desta Lei, “parâmetros mínimos de qualidade dos serviços da educação básica, a serem utilizados como referência para infraestrutura das escolas, recursos pedagógicos, entre outros insumos relevantes, bem como instrumento para adoção de medidas para a melhoria da qualidade do ensino”. Quais providências foram tomadas para cumprir esta estratégia? Existe grupo de trabalho que respeite o regime de colaboração ou teremos a antiga prática de pacotes federais sem debate com os demais entes?
A estratégia 12.19, trata da tarefa de “reestruturar com ênfase na melhoria de prazos e qualidade da decisão”, também no prazo de 2 (dois) anos, “os procedimentos adotados na área de avaliação, regulação e supervisão, em relação aos processos de autorização de cursos e instituições, de reconhecimento ou renovação de reconhecimento de cursos superiores e de credenciamento ou recredenciamento de instituições, no âmbito do sistema federal de ensino”. Regular o setor privado, é disto que se trata. Quais providências foram tomadas para cumprir este importante dispositivo? Aqui também seria possível com os recursos correntes e pessoal existente nas secretarias do MEC realizar a tarefa, independente de cortes orçamentários.
Um dos dispositivos mais polêmicos do PNE e que tem a capacidade de provocar impactos positivos na qualidade do ensino é, sem sombra de dúvida, a implantação do Custo Aluno-Qualidade Inicial – CAQi. O prazo, estabelecido pela estratégia 20.6 é de dois anos. Neste caso, vale registrar, que o MEC tomou uma providência parcial. Por portaria foi constituído um grupo de trabalho interno ao MEC, sem participação dos demais entes federados (aos quais o CAQi é destinado) e sem participação da sociedade civil (principal interessada na efetivação da medida e que foi decisiva para a sua formulação e que garantiu sua presença na lei). Quando os principais atores sociais educacionais serão ouvidos? Qual prazo para apresentar o projeto de regulamentação, posto que dois anos é o prazo para a sua implantação?
Poderia ainda citar as metas 18 e 19, ou mesmo a estratégia 20.9 (que trata da regulamentação, por lei federal, do parágrafo único do artigo 23 da CF). Mas a lista acima já é suficiente para demonstrar que a crise econômica não é explicação suficiente para entender o motivo de que NADA ou QUASE NADA foi feito pelo Plano Nacional de Educação no seu primeiro ano de existência.
Estamos correndo o risco de repetir a trajetória no PNE anterior: aprovar uma lei que o governo federal e os governos estaduais e municipais fazem de conta que não existe.
Assim como para sua aprovação foi necessária forte mobilização social, para a sua efetivação muitas lutas precisarão ser travadas. Somente é possível cumprir e efetivar o PNE se a educação realmente (nos fatos e não nos discursos) se tornar a “prioridade das prioridades”.



quarta-feira, 24 de junho de 2015

Um ano de PNE: Falta dinheiro para todos?

Começo a publicar hoje uma série de comentários sobre o primeiro ano de vigência do Plano Nacional de Educação. A Lei 13.005 completa seu primeiro aniversário neste 24 de junho.
Hoje vou comentar as condições para que o PNE comece a sair do papel e aproveito uma frase do ministro da Educação, professor Janine Ribeiro, em entrevista publicada no portal UOL:
"Veja, existe uma crise econômica no país. A economia está passando por um momento difícil, vai se recuperar, mas agora está falando dinheiro para todos. Neste momento, nós temos que construir a forma de superação disso para quando melhorar a economia do país".
O primeiro ano do PNE foi marcado por alguns elementos conjunturais que precisam ser sistematizados:
1.      Metade do primeiro ano o país esteve envolvido no processo eleitoral, um dos mais disputados de nossa história recente. Mesmo assim, a educação apareceu em inúmeras campanhas como algo relevante para o desenvolvimento do país. A vencedora do pleito federal, Dilma Rousseff, ancorou parte do discurso de permanência no cargo nos feitos na área educacional, mesmo que tenha pinçado justamente os programas direcionados a subsidiar a oferta privada de educação (FIES e Pronatec).
2.      Ao tomar posse, a presidenta reeleita apresentou a educação como a “prioridade das prioridades” e elegeu o mote de seu segundo mandato como “Pátria Educadora”. A sinalização era clara: a área educacional teria um peso importante na alocação de recursos e nas preocupações governamentais.
3.      Antes mesmo da posse, porém, a composição dos ministérios e as medidas econômicas apontavam para direção totalmente oposta. Houve um reconhecimento de que a crise econômica era mais grave do que se falava na campanha, que seriam necessários ajustes fiscais, os quais consistiriam em corte de direitos trabalhistas, corte de isenções de impostos concedidos anteriormente ao setor industrial e cortes profundos no Orçamento Federal, tudo isso em um esforço para retomar a confiança do “mercado” em um governo envolto em uma crise política (Operação Lava Jato, manifestações de rua e infidelidade da base parlamentar).
Um Plano educacional é, antes de tudo, um compromisso que o Estado Brasileiro assume por dez anos de melhorar a educação. Isto significa que serão desenvolvidos esforços para superar entraves, sejam eles pedagógicos, materiais, salariais ou de formação de mão-de-obra. Tais desafios estão expressos (com suas contradições) no PNE vigente. Porém, tais compromissos precisam de pelo menos três pressupostos para sair do papel:
1.      Que o governo federal e os governos estaduais e municipais reorganizem seus orçamentos anuais, durante uma década, para prover de recursos as políticas necessárias ao cumprimento das metas;
2.      Que a União cumpra seu papel de coordenadora do esforço nacional, desenvolvendo tarefas redistributivas, supletivas e de apoio técnico. E também induza comportamentos positivos, seja por meio de programas federais, seja pelo próprio exemplo.
3.      Que sejam criadas as condições normativas e operacionais para que as metas saiam do papel e que possam ser fiscalizadas pela sociedade civil e por toda a população.
A frase do ministro aborda o problema central (mesmo que não o único) que levou a termos perdido o primeiro ano de vigência do PNE. A lógica do governo federal, seguida por quase todos os governos estaduais e municipais, tem sido de fazer ajustes nas contas públicas retirando direitos e cortando despesas de custeio e investimento nas áreas sociais. Tal postura inviabiliza qualquer debate sério sobre o cumprimento das metas do novo plano.
Na referida entrevista, o ministro afirma que o motivo do atraso da aprovação de planos estaduais e municipais (hoje esgota o prazo) é por que a “questão de gênero” ocupou um papel preponderante e acabou atrasando a aprovação das normas. Isso não é plenamente verdadeiro. Não que a reação conservadora (crescente no país) não tenha contaminado muitos debates de planos estaduais e municipais, complicando a discussão nas casas legislativas, mas a crise econômica é o principal fundamento para tornar tímido cada governo estadual e municipal a enviar para o legislativo um conjunto de compromissos, os quais os governantes consideram “fora da realidade” de ajustes que estão sendo feitos.
Vejamos o que aconteceu nos estados e municípios no primeiro semestre de 2015. Em várias redes estaduais e municipais os docentes realizaram longas greves, todas elas tentando impedir retirada de direitos (previdenciários por exemplo) ou exigindo o cumprimento do piso salarial nacional.
No âmbito federal, o governo anunciou um corte de 9,4 bilhões de reais no Orçamento do MEC, as universidades estão parando por falta de recursos para custear atividades essenciais, programas importantes para o cumprimento do PNE (como o Programa de Iniciação à Docência – PIBID) estão sendo cortados (não foram julgados estratégicos pelo MEC e assim ficaram desprotegidos dos cortes), os técnicos das universidades estão em greve (por que reajuste salarial não está na pauta governamental para este ano e quem sabe o próximo também), os professores universitários, pelo menos na maioria das instituições, também paralisaram por motivos semelhantes.
Ao contrário do que a fala do ministro sugere, em uma crise econômica há uma intensificação da disputa pelo fundo público. E está muito evidente de que o empresariado não só tem melhores instrumentos para minimizar os efeitos da crise, como encontra um governo disposto a fazer sempre mais concessões aos seus interesses. A crise tem afetado diretamente os assalariados, os de emprego precário e os jovens sem emprego. Estes não estão sendo protegidos pelo governo.
Na educação, infelizmente, a pressão do empresariado por abertura de novos espaços de negócios tem sido atendida pelo governo. E quando os cortes orçamentários provocam diminuição de investimentos em áreas dos seus interesses, o empresariado chia, consegue espaço na mídia e o governo recua. Basta ver como rapidamente foram resolvidos os problemas com o FIES e PRONATEC. Nestes casos, juntou a fome (interesse do governo de oferecer vagas mais baratas em áreas com baixa cobertura) com a vontade de comer (interesse do empresariado em abocanhar novos mercados).



sexta-feira, 19 de junho de 2015

Otimismo do mercado

Em fevereiro o Grupo Tarpon, fundo americano que gerencia universidades naquele país (21% dos negócios estão nesta área) comprou a Abril Educação, que estava em crise por 1,3 bilhões.
Agora, com dinheiro em caixa, a nova Abril Educação anunciou nesta quinta-feira (18) a aquisição de 100% da operação da Saraiva Educação (725 milhões), braço do grupo formado por selos como Atual, Benvirá, Editora Saraiva, Editora Érica e sistema de ensino Ético. Segundo FSP, a operação abrange o catálogo de livros didáticos, paradidáticos, universitários, jurídicos, ficção e não ficção.
A reportagem cita que o grupo já é dono de marcas como Wise Up, Red Balloon e Anglo e que já atua nos setores de editoras, escolas e sistemas de ensino básico e técnico, cursos preparatórios para concursos, ensino a distância e idiomas.
Analistas avaliam que o interesse da Abril Educação é crescer, com a venda de livros e serviços, em regiões que no futuro terão maior direcionamento de recursos do governo para educação.
"Ela já é forte em sistemas de ensino no Sudeste. Agora, a marca Ético, que é forte no Nordeste, pode ajudá-la a alcançar a região, onde ela vinha tendo dificuldade de crescer. O Norte também ficará mais acessível", afirma Gabriela Cortez, analista do BB Investimentos.
O que esta notícia diz respeito ao Plano Nacional de Educação? Tudo. Vejamos:
1.     O mercado pede a todo momento ao governo que faça sinalizações que tranquilizem os investidores privados. O governo Dilma, acossado por denúncias e infidelidade de sua base, tem caprichado nesta tarefa, vide pacote fiscal, elevação da taxa de juros e pacote de privatizações.
2.     No campo educacional, no meio de forte crise, os que possuem reservas saem as compras, foi assim em 2008 e continuará sendo assim enquanto o capitalismo for capitalismo, pois concentrar propriedade é da sua essência. As empresas em crise serão compradas pelas maiores e as maiores compradas pelo capital internacional.
3.     O mercado, sempre mais bem informado do que os educadores, sabe que as sinalizações do governo são de cada vez mais abrir as portas do setor público para a iniciativa privada. E isso vale para a área educacional. Isso pode ser via abrindo novas áreas para prestação direta do serviço, mas pode ser abrindo para o setor áreas anteriormente exclusivas do setor público. Temos exemplos nos dois casos.
Ao contrário da imprensa brasileira, parece que o fundo Tarpon está mais otimista com a economia brasileira. E bastante otimista com o retorno na área educacional. Como a renda das famílias brasileiras está caindo, a expectativa de retorno não é a entrada no mercado consumidor de mais brasileiros, o fundo americano está de olho nos recursos públicos.

Simples assim. A Pátria Educadora, na versão transnacional, está em pleno vapor.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Melhor que nada?

Na última sexta-feira (5 de junho) participei de um debate sobre financiamento da educação, com destaque para a efetivação da proposta de 10% do PIB para a educação. Ao meu lado estava o professor Luiz Dourado e o deputado federal Wadson (PCdoB-MG). A atividade fez parte do 54º Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes, realizado na cidade de Goiânia.
No meio do debate me chamou a atenção a fala de uma aluna de Minas Gerais. A estudante se identificou como cotista (do Prouni) e discordou das minhas críticas a prioridade do governo para este programa e para o FIES. Disse que será a primeira universitária na família e que isso deve ser considerado uma vitória do período Lula e deve ser preservada. Não foram exatamente estas as suas palavras, mas o sentido certamente foi esse.
A resposta da estudante se deveu a ter dito que a UNE (e todo movimento social) deveria voltar a ter coerência e todos deveríamos defender RECURSOS PÚBLICOS EXCLUSIVAMENTE PARA ESCOLA PÚBLICA, da mesma forma que defendíamos no processo constituinte. Acertadamente a referida estudante entendeu nesta afirmação uma crítica a postura permissiva do movimento estudantil para com programas que direcionam recursos para o setor privado, mesmo que tenham viés inclusivo na distribuição das bolsas concedidas.
Esta, certamente, é uma polêmica a ser enfrentada. Ao me despedir relembrei de uma experiência vivida quando Secretário de Educação de Belém (1997 a 2002), quando incorporamos todas as matrículas em escolas conveniadas com entidades comunitárias de educação infantil na rede pública. O que está em jogo?
1.       O Estado Brasileiro vem oferecendo aos mais pobres uma escola mais pobre e se vale de um discurso que reforça a vaga oferecida, mesmo que precária, como uma dádiva e não como um direito. Assim, reforça o senso comum de que uma vaga precária é uma vaga de acesso ao ensino superior, atendendo a expectativa popular. Afinal de contas isso É MELHOR DO QUE NADA.
2.       Ao aceitarmos algo precário, como esse fosse o nosso direito como cidadãos, ajudamos ao Estado a economizar com a educação e direcionar recursos públicos para as áreas prioritárias (ao juízo dos governantes). No caso brasileiro, oferecer uma vaga em troca de isenção fiscal em entidades precárias é uma via que, ao mesmo tempo:
a.       Alivia a pressão social por acesso dos mais excluídos e que não podem pagar por uma vaga em instituição particular e muito menos conseguem acessar vagas nas instituições públicas;
b.      Salva da falência as instituições precárias;
c.       Gasta menos com educação superior.
3.       Que o governo aja dessa forma, mesmo discordando, compreendo a sua lógica. E ela ajuda a entender as diferenças entre FHC e Lula, pelo menos neste ponto programático:   
a.       FHC praticou a liberalização da oferta privada, apostando na inclusão via pagamento dos cidadãos por uma vaga e via financiamento estudantil; e
b.      Lula apostou suas fichas em crescimento do setor público associado a aportes de recursos para o setor privado, mesmo que condicionados a inclusão social. Ou seja, um no cravo e outro na ferradura.
4.       O que estamos vivenciando é, nas duas experiências de governo das últimas duas décadas, é uma noção que nega o DIREITO À EDUCAÇÃO SUPERIOR como oferta pública.
Como todos, inclusive as lideranças estudantis da UNE, sabem que o país vive uma crise e que o governo Dilma se esforça a aprofundar um receituário conservador na economia, que estão sendo feitos cortes violentos nos recursos da educação, fica a pergunta:
1.       Como viabilizar o cumprimento da Meta 12, que projeta duplicação das matrículas no ensino superior, sendo 40% delas na rede pública, se não houver forte pressão para que isso aconteça?
2.       Como viabilizar um cumprimento do exposto no item 01 se o próprio movimento estudantil (pelo menos de forma majoritária) defende como VITÓRIA o aumento dos recursos para financiamento estudantil e bolsas no Prouni?
A mãe de uma criança que consegue matricular seu filho em uma creche comunitária precária na periferia de uma grande cidade se sente tão satisfeita com o MELHOR QUE NADA, como presenciei no depoimento da estudante mineira. Mas o seu filho, que não pode e não deve ser tratado como cidadão de quinta categoria, merece muito mais do que isso.
Por isso, fiz questão de dizer para a estudante mineira que ela (e os demais cotistas) possuem o direito de uma vaga pública de qualidade e que é melhor do que nada ela estar estudando, mas é insuficiente como política pública ou como bandeira do movimento estudantil.
O que está em discussão é a manutenção de conquista histórica, ou seja, manutenção do conceito de educação enquanto direito fundamental e não dádiva. É uma conquista que na Europa foi incorporada em Constituições ainda no século XIX (Suíça) e início do século XX (Dinamarca e Alemanha). E que levou Marshall classificar como um dos direitos sociais fundamentais para a cidadania. Nem quero citar que em 1536, em Genebra, a educação já era gratuita e obrigatória, que no Ducado de Weimar (1619) a regra era que todas as crianças de 6 a 12 anos frequentassem escolas ou citar as Colônias Americanas, como a de Massachusets, que em 1647 já valoriza o acesso educacional.

Abrir mão desta conquista histórica é um grave erro. E sem romper com o discurso do MELHOR QUE NADA é impossível conquistar 10% do PIB para educação pública.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Ainda se inteirando...

Ontem, no Jornal Valor Econômico, tive a oportunidade de ler uma longa entrevista do atual ministro da educação, professor Renato Janine ( http://migre.me/q86qh ). O mote da entrevista foram os dois primeiros meses na condução da pasta educacional. Confesso que fiquei bastante frustrado com o que li.
Na referida entrevista o ministro afirma que ainda está se inteirando dos diversos programas e ações da pasta. Se isso sempre será verdade como regra (nunca conhecemos um objeto na sua plenitude), mas é assustador que, passados dois meses, um ministro use como atenuante de pouca coisa para mostrar o fato de ainda estar conhecendo o ministério.
Em seguida, afirma que teve garantias da presidente Dilma de que as ações estruturantes da pasta serão poupadas. Acontece que no texto não encontrei nenhuma indicação (falta total de transparência!) do que efetivamente será cortado, posto que não é tarefa simples reduzir 9,4 bilhões no orçamento da área. O que não será feito este ano? Qual o prejuízo político e educacional dos cortes? Quais são os programas estruturantes? Nenhuma palavra.
Por várias vezes o ministro afirma que a educação básica será prioridade e que as universidades devem estar atentas para isso. Cita a questão da formação dos professores, “que está na competência das universidades e muitas vezes não fica a contento”. Pareceu-me uma repetição do diagnóstico feito pelo Mangabeira sobre o problema. Quais as providências para que as universidades se tenham maior engajamento na formação dos professores? Como conciliar a necessidade de expansão da oferta pública nesta área com o corte orçamentário, o qual impede expandir serviços, já que está difícil manter o que já existe?
Na entrevista ficou claro que o ministro fez um esforço para se inteirar sobre o Plano Nacional de Educação. Certamente as audiências com entidades acadêmicas e da sociedade civil deve ter ajudado neste processo. Mas expressou equívocos recorrentes na pasta, especialmente sobre o financiamento. Afirmou que a Meta 17 requer muito dinheiro, mas que “é com Estados e Municípios antes de mais nada”. É verdade, mas sem apoio federal a meta de melhoria salarial dos professores não se efetivará.
Duas colocações me impressionaram. A primeira, sobre o percentual do PIB inscrito no PNE o ministro afirmou que o alcance de 10% pode ser uma fantasia (“se isso foi uma fantasia, eu não posso dizer”). É uma fala desrespeitosa com todo o debate travado na Câmara e no Senado sobre o tema. Certamente o ministro deveria se inteirar melhor sobre o financiamento da educação. Comparar o quanto os países da OCDE aplicam em educação e usar isso como parâmetro para não aumentar nosso investimento é totalmente errôneo. Se o Brasil já tivesse incluído milhões de brasileiros nas escolas, não tivesse 14 milhões de analfabetos plenos e quase 30 milhões de analfabetos funcionais, se a distorção idade-série não fosse um problema, se existisse um padrão mínimo de atendimento educacional, ou seja, se tivéssemos feito a lição de casa que os países europeus fizeram a décadas atrás, certamente o debate sobre recursos seria bem diferente. Um ministro que considera fantasioso o principal ponto previsto no PNE não estará comprometido com a sua execução. Ou só trabalhará para executar o que julgar não fantasioso do que estiver escrito na norma.
E a segunda colocação foi dizer que há uma mudança de política não percebida pelas pessoas e que “não é mais você pedir que o Estado provedor pague tudo, mas a sociedade assumir a sua responsabilidade”. Vejamos:
1.       A educação é um direito de todos e DEVER do Estado. Que eu saiba o artigo 205 da Constituição Federal não foi revisto.
2.       A sociedade brasileira tem se responsabilizado pelo pagamento de tributos para que o Estado cumpra a sua parte. E isto tem acontecido de maneira desproporcional, sendo que os assalariados carregam um peso maior do que os ricos neste esforço cotidiano.
3.       Há, realmente, uma linha política que permeia governos petistas e tucanos, de retirar das mãos do Estado a responsabilidade de prover os serviços, mas isso acontece para redirecionar o gasto público para as prioridades por estes governos escolhidas (pagar os encargos da dívida, por exemplo). E estamos vivendo progressivo repasse de obrigações estatais para o setor privado (que muitos, como o ministro, usam como sinônimo de sociedade). Basta ver o que está acontecendo ou sendo proposto no documento do Mangabeira, no Rio Grande do Sul, em Goiás e em inúmeras cidades paulistas.
O ministro, que está ainda se inteirando, afirmou de forma definitiva de que não existe penúria nas universidades, que as reclamações são uma falta de perspectiva histórica de quem afirma tal coisa. Disse que “quando você começa a ver que pode ter o necessário, aumenta a sua demanda”. Interessante argumentação. Por este raciocínio, o MEC garantiu nos últimos anos o necessário para o funcionamento das universidades e as queixas atuais é apenas um aumento de demanda. E isso foi falado quando os funcionários das universidades estão paralisados e parte grande dos professores também. E todo dia estoura uma notícia de precarização de serviços essenciais. A falta de segurança e limpeza em determinadas universidades deve ser este aumento de demanda referida pelo ministro.
E, num esforço de ocupar algum protagonismo no debate da Pátria Educadora, posto que até o momento o MEC tem sido omisso sobre o tema, o ministro saiu como uma frase de efeito. Afirmou que “Pátria Educadora em boa parte é dar carne para o osso, que é o Plano Nacional de Educação. O PNE é um arcabouço. Como você dá vida a tudo isso é tudo que vai compor a Pátria Educadora”.
É certo que é dever do MEC (assim que o ministro se inteirar sobre os programas e ações que é responsável!) materializar de forma prática as metas e estratégias de sua responsabilidade e ajudar os demais entes federados nesta tarefa. São programas e ações governamentais que tornarão viável o PNE. E o anúncio de medidas concretas sobre o assunto é o que mais o cidadão espera de um ministro diante de uma lei que completará um ano neste mês. Vejamos alguns exemplos concretos, apenas como sugestão de caminhos para o Ministro:
1.       A Meta 1, que trata da educação infantil, tem estratégias que dependem de aporte federal para acontecer. Os recursos do Proinfância estão na lista dos projetos estruturantes? Serão turbinados ou são suficientes?
2.       A Meta 11, que trata da expansão da educação profissional, estabelece patamar de participação pública, o que pressupõe crescimento sustentável da rede federal e estadual. O que o MEC apresenta de medidas práticas para iniciar o cumprimento da Meta, ou continuará considerando estruturante apenas o financiamento do setor privado via o Pronatec?
3.       A Meta 12, de responsabilidade constitucional da União, também pressupõe cobertura pública de 40% das novas vagas. Isso ficará congelado até a crise passar? (quando passará?) Qual o formato desta expansão?
4.       A Meta 20 (já comentada acima) estabelece dois anos para regulamentar o padrão mínimo de qualidade (um já se foi). A Portaria do MEC sobre a regulamentação do Custo Aluno Qualidade Inicial não contemplou espaço de participação dos entes federados e da sociedade civil. Este será o caminho “democrático” do MEC na execução de um importante instrumento de elevação do padrão do atendimento ou o CAQi está na lista dos itens considerados fantasiosos pelo ministro?
Ou seja, dois meses de gestão mostraram pouco, muito pouco em mudanças práticas no MEC. E mais, a entrevista mostrou que o ministro ainda não se inteirou sobre a real dimensão do Plano Nacional de Educação, perdeu a condução da formulação do principal mote do governo (Pátria Educadora) e ainda não tem o que apresentar para a comunidade educacional.

Frustrante.