quinta-feira, 30 de abril de 2015

Pátria educadora: atos e omissões

Nas Escrituras está dito que podemos pecar por atos e omissões. Em matéria educacional os governos também podem se enquadrar nesta regra.

ATO 01

Ontem (29 de abril) centenas de professores, estudantes e outros cidadãos foram brutalmente espancados pela Polícia Militar do Paraná. O suposto conflito (não concordo com esta recorrente definição, por que conflito pressupõe duas forças com igual condições para se enfrentar, o que não era o caso!) aconteceu em meio a greve dos docentes em reação a um dos itens do ajuste fiscal promovido pelo governador Richa (PSDB) do Paraná.

ATO 02

Em vários estados e prefeituras os docentes (e em alguns também os demais servidores da educação) estão em greve. As pautas sofrem alterações, mas as motivações de todas é das duas uma: a intransigência de governos em negociar as reivindicações ou a dificuldade de governos em oferecer propostas aceitáveis diante dos efeitos do ajuste fiscal federal na economia, o que impacta as receitas de impostos de todos os entes federados.

OMISSÃO 01

No dia de sua posse no segundo mandato a presidenta Dilma anunciou que o slogan seria Pátria Educadora. E no mesmo dia anunciou algo totalmente contraditório, ou seja, decidiu cortar recursos educacionais.
Diante de outras tragédias sempre a presidente rapidamente se manifestou. Foi assim com os deslizamentos de terra, alagamentos, acidentes naturais. Foi assim com o fuzilamento de brasileiros presos por tráfico de drogas na Indonésia.
E sobre as greves de educadores que se espalham em todo o país? Nenhuma palavra.
E sobre a repressão brutal da PM do Paraná? Nenhuma palavra.
Alguém pode dizer que o executivo federal nada tem a ver com as negociações dos governadores (e prefeitos) com seus servidores. É meia verdade (ou meia mentira, como queiram). O artigo 211 da Constituição Federal afirma que cabe a União papel redistributivo e supletivo em matéria educacional, ou seja, precisa socorrer os brasileiros residentes em estados ou municípios em dificuldade educacional. Além disso, a paralisia da economia e a queda da arrecadação é culpa da política econômica conservadora (subiram a taxa de juros ontem também, tudo para acalmar o “mercado”).
A lei do piso salarial nacional do magistério estabelece que pelo menos 1 bilhão de reais estarão reservados este ano para auxiliar estados e municípios em dificuldade. Quantos reais foram liberados desde que esta lei entrou em vigor? Nenhum centavo sequer.

OMISSÃO 02

O que o cidadão designado pela presidenta Dilma para tirar do limbo o slogan Pátria educadora propõe para resolver a desvalorização da carreira docente? Uma diretriz nacional de carreira, mas que se baseia na premiação do mérito. Diz o documento que a “carreira pode ser construída em etapas. Ela pode começar na forma de carreira especial e suplementar para professores que se comprometam a manter determinadas metas de desempenho. Receberiam adicional ao salário, depois de avaliação, por avaliadores independentes, do cumprimento de tais metas”.
Quem pagaria este adicional por mérito (nada inovador, basta ver experiências malogradas em São Paulo, que está em greve, no Rio de Janeiro nos governos da família Garotinho e em outras paragens)? Os combalidos governos estaduais e municipais. Ou seja, tudo se resume em um problema de gestão. A União, segundo a proposta, vai ajudar regulando as relações, aplicando provas nacionais, certificando os professores (de volta a ideia de mérito como resolução do problema da atratividade da carreira).

ÚNICO ATO DIGNO

Para não dizer que ninguém neste imenso país está empenhado em aplicar o slogan, registro a minha admiração pelos 17 policiais militares do Paraná que se recusaram a marchar contra os professores e estão sendo processados pela corporação por insubordinação.
Ontem eles mostraram que uma pátria educadora somente será construída se os professores forem considerados essenciais para o desenvolvimento da sociedade, o que obviamente é totalmente contraditório em soltar cachorros nas pernas deles ou descer a lenha nas suas costas.
Não é fácil agir da forma que eles procederam. Sabiam que seriam punidos, sabiam que a corporação não é democrática, mas agiram como verdadeiros cidadãos empenhados em valorizar os docentes.


quarta-feira, 29 de abril de 2015

Mais do mesmo?

O documento produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos para viabilizar a Pátria Educadora, numa primeira leitura pode transparecer uma certa audácia, mas na verdade seus pressupostos e remédios não são tão inovadoras como parecem.
A proposta parte de uma afirmação temerária, mesmo que a julgue necessária. Para que o Brasil seja considerada uma Pátria Educadora, a educação precisa ter um lugar especial no projeto de desenvolvimento do país. Concordo plenamente com o texto neste aspecto.
Porém, o texto pressupõe a existência de um projeto de nação, de desenvolvimento, ou melhor, propõe a mudança de percurso do caminho atual. Para o texto “trata-se de democratizar a economia do lado da oferta, não apenas, como foi até agora, do lado da demanda”. Isso significaria um modelo que resume em três palavras:  produtivista, capacitador e democratizante.
Nas entrelinhas, pelo menos o que consegui entender, é que “democratizar a oferta” seria gerar empregos mais qualificados (desenvolvimento produtivista), o que pressupõe melhor qualidade da mão-de-obra (desenvolvimento capacitador) e que isso traria mais democracia.
Não considero que exista um projeto de nação que tenha como pressuposto uma revisão do lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho. E mais, existem classes e interesses de classes envolvidos e em disputa. Quem ganha e quem perde com este projeto de nação? Pelo tom do documento esta questão não está em debate, posto que manter as regras de exploração não deve se discutir, no máximo elevar o valor dos salários via aumento da escolaridade média.
Apresenta três pontos de partida, ou seja, três âncoras para superar as deficiências do ensino. E aqui fica claro o quanto o documento vai beber na fonte das experiências tucanas e o quanto sofre influência do que Freitas chama de reformadores empresariais.
O primeiro ponto de partido é “aproveitar e ultrapassar o exemplo do que deu certo”. E qual é este exemplo? Aqueles que são inspirados na “lógica de eficiência empresarial”, os quais se baseiam em “fixação de metas de desempenho”, “o uso de incentivos e de métodos de cobrança, o acompanhamento e, quando necessário, o afastamento de diretores” dentre outras virtudes (!).
Nada tem de inovador neste ponto de partida. Isto tem sido proposto pela chamada terceira via no seio da reforma do Estado e suas contradições estão largamente discutidas na literatura educacional (não considerada pelo autor do documento, obviamente). Aliás, sobram educadores e pesquisadores progressista para serem ouvidos sobre os limites deste ponto de partida (estou partindo do suposto que um governo eleito com discurso de esquerda deveria priorizar diálogo com eles).
O segundo ponto de partida seria mudar a maneira de ensinar e de aprender, superando o enciclopedismo. E o terceiro, associado ao segundo, seria “organizar a diversidade para permitir a evolução”, quesito que o texto apresenta a sua visão de como enfrentar os problemas federativos.
Vou me debruçar neste post nas saídas federativas que o texto apresenta, nó que apareceu como bastante relevante no debate do PNE. O que o texto apresenta de solução?
Para resolver este complexo problema o texto apresenta basicamente mais do mesmo e algumas novidades.
Afirma que para “reconciliar gestão local com padrões nacionais” serão necessários três instrumentos:
a)      Sistema nacional de avaliação e de acompanhamento;
b)      Mecanismo para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres; e
c)       Procedimentos corretivos para consertar redes escolares locais defeituosas.
O primeiro remédio está sendo usado desde o governo FHC e foi mantido e aprofundado durante os doze anos de petismo, ou seja, a União implementa avaliações de larga escala, informa a população de que a educação vai mal (pelos critérios medidos apenas de aprendizagem dos alunos) e espera que isto provoque mudanças de condições de oferta pela pressão dos consumidores.
Na parte redistributiva o documento apresenta proposições um pouco confusas, mas que tentei organizá-las da seguinte forma:
a)      Reforço do papel distributivo do FNDE, visto como dotado de maior potencial de incidência que o FUNDEB (o texto não diz em que se baseia para chegar a esta conclusão temerária).
b)      “Dispor de procedimento que una os três níveis da federação em colegiados capazes de atuar, juntos, para consertar partes do sistema público que não atinjam o patamar mínimo”.
Numa primeira leitura pensei que no segundo aspecto o texto estivesse se referindo ao Custo Aluno qualidade, mas infelizmente é algo mais limitado e impreciso.
A chamada primeira etapa, na qual “quadro próprio do governo federal trabalharia com suas contrapartes nos estados para tratar das situações mais graves” aparentemente significa o velho e surrado “apoio técnico da União”, dizendo o que estados e municípios devem fazer para corrigir falhas que essencialmente estão vinculadas a problemas de gestão (a concepção de que os problemas educacionais se resumem a carências de gestão também não são nada inovadoras).
A segunda etapa deste novo formato federativo seria o estabelecimento de um “colegiado transfederal para cumprir a tarefa corretiva”. Mesmo que não utilizando este termo “tarefa corretiva”, mas a necessidade de instância de pactuação está prevista no Plano Nacional de Educação (artigo 7º). Não fica claro o vínculo deste colegiado com a necessidade de construção de um sistema nacional de educação, o qual deve enfrentar as desigualdades de oferta, mas é muito mais complexo do que pactuar medidas corretivas.
Em seguida o texto aventa a formação de um novo fundo redistributivo, o qual funcionaria ao lado do FNDE (que não é um fundo no sentido que se debate a questão) e o FUNDEB. Para o texto este fundo se sustentaria por meio de disponibilização de “mais recursos, como os do pré-sal no futuro” e teria entre suas atribuições “a de financiar as ações corretivas”.
Não consegui enxergar nas duas etapas onde se enquadra a definição do texto de criação de “mecanismo para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres”. Em alguns momentos isso está associado a envio de ajuda técnica, mas o único formato conhecido para migrar recursos de áreas (estados e municípios são as existentes) ricas para áreas pobres é a de um fundo único, mas o texto não propõe reformar o FUNDEB e sim criar algo paralelo, tendo como função corrigir distorções, as quais mais adiante ficam claras que estão associadas a desempenho de aprendizagem e não condições de oferta.
E ancorar toda a possibilidade de revolucionar a educação, inclusive com o intuito de alçar o autor a presidenta para um lugar de destaque nos livros de história, apenas em vagos “mais recursos” e dinheiro do pré-sal no futuro, é muito pouco.


terça-feira, 28 de abril de 2015

A encomenda de Dilma

Começou a circular esta semana uma versão preliminar de uma encomenda feita pela Presidente Dilma ao seu ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, senhor Mangabeira Unger, para tirar do limbo o slogan de Pátria Educadora. O nome do documento é “Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional”.
No intervalo entre a designação da tarefa e a publicização do documento muita água passou por debaixo da ponte, sendo relevante o fato de que um ministro saiu e outro assumiu.
Antes de abordar o conteúdo do documento, cabe anotar uma estranheza: por que o mesmo não foi formulado e conduzido pelo titular da pasta? Como construir uma proposta de pátria Educadora por fora do acúmulo teórico e institucional do Ministério responsável pela condução da política educacional? Li que tal metodologia causou constrangimento, mas não sei mensurar a extensão dela.
Este primeiro post ainda não entrará no debate do mérito do documento, mas destacarei dois aspectos que julgo relevantes do seu conteúdo.
O primeiro é uma certa arrogância explícita no texto. Em dado momento o autor lembra que em alguns países de nossa região tivemos figuras políticas que marcaram uma virada educacional e de desenvolvimento, cita que este foi o caso de Domingos Sarmiento na Argentina (no século 19) e no século 20 o de José Vasconcelos no México. Q afirma que no Brasil, “Anísio Teixeira foi quem mais se aproximou deste papel, embora tenha ficado longe de exercer influência da dimensão destes inovadores”. Guardadas as realidades históricas distintas, é verdade que mudanças políticas e econômicas podem ser personalizadas, mesmo que fruto de sua época. É certo também que há consenso na importância do Manifesto dos Pioneiros e da liderança de Anísio Teixeira para o processo educacional brasileiro.
Porém, de que personalidade o autor está se referindo? Ele considera que Dilma Rousseff possui as condições políticas de liderar um projeto de nação ancorado na educação? Ou estará falando dele próprio, talvez empolgado com a tarefa que recebeu?
O segundo aspecto aparece quase ao final do texto. Tentando responder a pergunta essencial de como será construída a pátria educadora, o ilustre ministro afirma que isso será feito avançando “simultaneamente em três planos. O primeiro plano é construção de um ideário. É o que esta primeira parte do texto começa a esboçar. O segundo plano é série de ações a serem lançadas, em rápida sucessão, a partir do lançamento da Pátria Educadora. É o que está resumido, em forma de elenco de medidas, na segunda parte desta minuta. O terceiro plano é consulta ampla dos interessados em todo o país” (p. 21).
Quando os leitores atentos aguardavam a exposição de uma metodologia de consulta sobre as ideias expostas no documento, ou pelo menos a apresentação de uma lista de atores sociais e institucionais essenciais para a construção de uma pátria educadora, o senhor Unger afirma que tal proposta terá “críticos e eventualmente adversários”, mas que já “começa a configurar-se, entretanto, a aliança amplamente majoritária -- política, social, e intelectual -- capaz de sustentar este projeto”.
Quem foi consultado previamente para a elaboração das propostas apresentadas? A resposta desta pergunta é muito relevante, por que informa que atores sociais são considerados essenciais para o responsável pela tarefa (e para a Presidência da República). Ao afirmar que começa a configurar-se um a aliança amplamente majoritária, ou seja, um conjunto de forças políticas e sociais defensoras das ideias apresentadas, o autor induz seus leitores a imaginar inúmeras consultas e costuras feitas.
A encomenda ao Mangabeira Unger é simbólica de uma mudança radical de eixo de formulação e de base social do petismo no governo. Mudaram não somente as práticas, mas também os segmentos sociais para quem se faz política e a quem se escuta antes de propor.
No final do ano passado foi realizada a segunda Conferência Nacional de Educação, reunindo as energias vivas na área da educação (não todas, mas foi bastante representativa de quem discute, formula e pratica a educação pública no país), mas parece que não são destas energias criativas que o ministro de assuntos estratégicos se refere várias vezes no documento.
Em que pese as observações preliminares que faço, não acho que o documento deva ser desconsiderado, pelo menos pelos seguintes motivos:
1.     O documento, mesmo que preliminar, é a primeira proposta mais elaborada de política educacional desde que o PT chegou ao governo, mesmo que bem longe da tradição anterior deste partido;
2.     A encomenda, mesmo que passando por fora do MEC, foi feita pela presidente Dilma, a qual precisa criar fatos políticos favoráveis na mesma proporção que os seres humanos precisam de ar para viver, ou seja, muito do seu conteúdo pode se tornar políticas públicas; e
3.     Uma análise do seu conteúdo pode ajudar a entender os pressupostos teóricos e políticos que orientarão as políticas educacionais no atual governo.

No próximo post vou refletir sobre as principais ideais apresentadas no documento.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Sobre o fim de uma experiência

Em tempos sombrios na política, quando somos governados por políticas conservadoras, dirigidos no parlamento por pessoas conservadoras e vemos um partido gestado no seio das lutas sociais se desfazer em sucessivos escândalos éticos, recordar que um dia as coisas foram diferentes talvez seja importante.
Achei na minha estante um livro publicado pela Cortez Editora em 1988. O título relembra época da efervescência política das mobilizações prévias a constituinte daquele ano. O título é sugestivo, mesmo que hoje diante dos ataques aos partidos possa parecer exótico: A educação como ato político partidário.
Na lista de autores temos educadores renomados como Florestan Fernandes, Carlos Rodrigues Brandão, Moacir Gadotti, Lisete Arelaro, Paolo Nosella e Paulo Freire. Mas também escreveram artigos o ex-presidente Lula e líderes petistas de então, dentre eles Celso Daniel, Djalma bom e Paulo Frateschi.
A pretensão do livro era, ao mesmo tempo, sistematizar as primeiras experiências educacionais de governos petistas e anunciar as propostas do partido para a educação, inclusive para o processo constituinte.
Há documentos preciosos no livro. Destaco as propostas para o capítulo da educação que Florestan apresentou, onde em um artigo estava escrito que as escolas particulares poderiam existir, porém “elas e suas mantenedoras ou proprietários estão taxativamente excluídos do acesso aos recursos públicos destinados à educação escolarizada e de isenções ou concessões fiscais de qualquer natureza” (p. 164).
Nos vinte e sete anos que separam nossos dias de sua edição muita água passou por debaixo da ponte. A visão universalista da Constituição daquele ano foi lentamente sendo dilapidada pela hegemonia neoliberal e após chegar ao poder, o partido que inspirou o referido livro já havia mudado muito. De um lado, incorporado grande parte dos pressupostos teóricos neoliberais que na época criticava. De outro, seus principais dirigentes haviam sido conquistados para a tese de que para chegar ao poder estatal era necessário governar do mesmo jeito que os seus adversários.
O viés da educação popular foi sendo substituída por uma visão de educação como mercadoria, mesmo que mantendo programas de inclusão dos setores excluídos no acesso educacional.
Não é necessário dizer que quase tudo que seus dirigentes escreveram no livro foi sendo lentamente abandonado, seja nos programas presidenciais, seja no modo efetivo de governar.
Resgatei a frase do saudoso Florestan Fernandes, educador que manteve sua coerência durante toda a vida e travou batalhas contra os interesses privados em diferentes épocas da história brasileira, para simbolizar um dos aspectos em que o PT atual rompeu radicalmente com o PT que inspirou o livro aqui relembrado. Hoje a linha oficial partidária é oferecer a educação por meio de parcerias com setor privado, além de ver com bons olhos o próprio crescimento do setor. Recursos públicos são cada vez mais direcionados para fomentar o crescimento da iniciativa privada, apenas mitigando tal apoio com condicionantes de vagas 9por meio de bolsas) para os mais pobres, mesmo que ofertadas da maneira mais precária que as “leis do mercado’ permitirem.
Em tempos sombrios é necessário relembrar que outro caminho era possível. Que outro caminho ainda é possível. Mesmo que em outras ferramentas políticas.


quarta-feira, 22 de abril de 2015

Tentando ler as entrelinhas

Os primeiros quinze dias de Janine no MEC ainda podem não ser suficientes para uma conclusão do que pode acontecer Na sua passagem pela pasta, mas já podemos iniciar uma leitura das entrelinhas de suas falas e tentar interpretar seus gestos (quando os mesmos não são explícitos).
Duas visitas deram muito o que falar.
A primeira foi a ida do Ministro a Fundação Lemann. Esta fundação, assim como outras criadas pelo setor empresarial, buscam influenciar os rumos das políticas públicas da educação, inclusive por meio de parcerias e venda de ideias e produtos para aplicação nas escolas públicas. Criada por um dos homens mais ricos do país (controlador da maior rede de cervejas e principais sites de comércio eletrônico e que tem a pretensão de ser uma espécie de Bill Gates brasileiro), a mesma defende a introdução do locus empresarial no funcionamento da escola pública, ideia difundida amplamente no país e criticada por inúmeros pesquisadores respeitados.
Não foi acertada a ida. Não que considere errado que um ministro da Educação dialogue com todos os setores, dentre eles os mais poderosos. Pelo contrário, o problema não está em ter ido, mas na sinalização que ter escolhido como primeiro lugar para ir tenha sido uma fundação empresarial no meio de uma intensa disputa pelo fundo público entre o setor público e setor privado.
A segunda visita me pareceu uma clara tentativa de minimizar as repercussões negativas da primeira. O ministro visitou o Cenpec, que mantido também por doações empresariais, goza de melhor conceito e desenvolve interessantes trabalhos de assessoramento. O mais importante não foi a visita em si, mas as palavras que foram ditas nesta conversa. Destaco alguns trechos e os comento, tentando entender o sentido do dito e esperando o desdobramento no feito.
Sobre o processo de avaliação da educação básica, pelo que foi reproduzido pelo release do Cenpec, o ministro expressou uma posição interessante. Teria dito que, na educação básica, onde o ensino é obrigatório, as escolas que estão no fim da fila não devem receber nenhuma punição. “Jamais podemos lidar com recursos necessários como se eles fossem méritos”, defendeu.
“Não podemos deixar apenas a lógica da competição prevalecer, se não, ela se torna perversa”. Sobre as avaliações, Janine ponderou sobre seus usos: “uma coisa é avaliar um ambiente de classe média, onde várias coisas estão garantidas. Outra é medir uma febre muito alta que precisa ser tratada de forma emergencial”.
Este posicionamento foi muito interessante, posto que o uso das avaliações no sentido da competição está virando regra. Além disso, muitos estudos mostram que o peso maior na composição das notas dos alunos no IDEB possui maior correlação com as condições socioeconômicas do que com as condições específicas das escolas (ver Corbucci e Zen, 2013 por exemplo). Agora é esperar que o ministro seja consequente e revise a forma como as avaliações vem sendo utilizadas e desestimule a prática de premiação e punição a partir dos resultados das avaliações produzidas pelo ministério.
Um outro assunto conversado na visita foi sobre o cumprimento das metas do PNE, muitas das quais possuem prazos bem curtos. Questionado sobre a influência do Plano Nacional de Educação sobre as políticas do Ministério, Janine afirmou que “o Plano Nacional de Educação é uma espécie de constituição da educação, que a sociedade brasileira definiu por meio de seus representantes. Ele é um mapa de estrada sobre o que devemos fazer nos próximos nove anos e meio. Ele é ambicioso e isso é bom porque a sociedade brasileira tem que colocar metas elevadas. Então, é importante que o MEC, pela secretaria de articulação com estados e municípios e também por todos os seus setores tenha isso como uma espécie de guia, um texto que deve ser usado como referencial para melhorar a educação. Ele não dá só finalidades, mas também os caminhos”.
Fiquei muito feliz com esta fala. Realmente um dos problemas que tivemos na vigência do plano anterior foi o fato de que o planejamento ministerial não se referenciava nas metas legais, pelo contrário. Bem, de sua fala é esperado que:
1.    Seja instituída imediatamente a comissão para regulamentar o Custo Aluno Qualidade inicial, cujo prazo se encerra em 24 de junho de 2016. E é uma estratégia que depende em tudo da iniciativa do ministro.
2.    Seja tomada a providência para regulamentar o disposto no artigo 7º e instituída a instância de pactuação entre União, Estados e Municípios.
3.    Seja apresentada a diretriz governamental par o cumprimento das metas diretamente relacionadas ao MEC, com destaque para as metas 11 e 12.
Por fim, esta semana li uma nota da assessoria de comunicação do MEC (forma institucional de se apresentar uma opinião oficial sem expor o titular da pasta) sobre a recente decisão do STF sobre a constitucionalidade da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que instituiu o modelo das organizações sociais.
Como não é normal que o MEC se pronuncie sobre julgamentos feitos no STF, especialmente de uma lei que não é específica da área, é necessário entender as suas motivações (considerando que a assessoria se expressou em nome do comandante da pasta). Em primeiro lugar há no texto uma defesa da lógica embutida na referida norma, ou seja, a atual gestão do MEC concorda com a entrega (este termo não é obviamente usado na nota!) de atribuições estatais para organizações sociais, inclusive “em atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico”. Em segundo lugar, a visão oficial do MEC é de que isto “não é uma terceirização de atividade estatal, mas um mecanismo de parceria para fomentar as atividades previstas na lei”.
E por fim, o mais importante e o que acho que motivou a inusitada nota. Afirma que é “equivocada a alegação de que a decisão pela constitucionalidade do modelo das organizações sociais acaba com a necessidade de contratação de docentes e servidores nas instituições federais de ensino”. A quem o MEC está respondendo? A milhares de professores que, ao sentir que as terceirizações avançam a passos largos e depois do titular da CAPES na gestão anterior ter defendido a substituição de concursos públicos por esquemas terceirizados, ficaram com justiça preocupados com o uso da Lei.
Ou seja, três fatos direcionados a fortalecer na melhor das hipóteses a lógica empresarial na educação.
Faltam gestos que sinalizem para o outro lado, ou seja, para o fortalecimento do papel do Estado como provedor do direito à educação.  


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Incluir com qualidade

Um dos embates mais quentes durante a tramitação do PNE no Congresso Nacional foi a redação da Meta 4, a qual define o rumo do atendimento para a população com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Os embates opuseram duas concepções de atendimento e de certa forma o resultado representou uma derrota ao avanço das políticas inclusivas em vigor.
Os dados disponíveis mostram que em doze anos (1998 a 2010) houve uma mudança significativa nas políticas públicas para o setor. Em 1998, 87% das pessoas eram atendidas em escolas especializadas ou em classes especiais e em 2010 este percentual havia caído para 31,1%. Esta queda foi por que o atendimento inclusivo em escolas regulares e salas comuns saltou de 13% (1998) para 68,9%.
Acontece que a política de inclusão, da mesma forma que o atendimento educacional em geral, padece de carências na forma de prestar os serviços e é desigual a depender da capacidade dos entes federados custearem um dado padrão de oferta. Assim, temos boas experiências inclusivas, onde a retaguarda pedagógica e técnica é exemplar, mas também temos experiências inclusivas que de tão precárias, alimentam o discurso de que o melhor formato é o atendimento separado.
Registro que a minha vivência da questão tinha sido até o momento no máximo da posição de gestor ou pesquisador. Recentemente passei a vivenciar, numa escola pública do DF, a questão como pai, ou seja, como cidadão que busca exercer o direito do filho ser assistido pelo poder público de forma eficaz. E vejam que o DF está bem acima da média nacional de padrão de atendimento.
Uma escola inclusiva no Distrito Federal possui, como regra, uma sala de recursos e profissionais para atender os portadores de deficiência, mas a atenção para aqueles que possuem transtornos funcionais (Dislexia, TDAH, DPAC ou TC) é feita por salas de apoio localizadas em escolas-polo. A depender do número de alunos incluídos, a estrutura montada nos polos se torna totalmente ineficaz. No caso vivenciado, a escola possui 63 alunos com transtornos funcionais e tem “direito” a quatro vagas na escola-polo, ou seja, mesmo incorporando os alunos acima descritos, o que ela poderá fazer por eles ficará limitado a medidas internas, muito importantes, mas insuficientes e os mesmos serão privados (59 deles) do fornecimento de apoio pedagógico especializado.
E qual é a lógica implícita neste exemplo? Em um momento de corte orçamentário e de crise econômica os governos precisam enxugar suas despesas, iniciando pelas que serão tipificadas como não essenciais ao funcionamento cotidiano de seus serviços. Assim, o gestor da educação do Distrito Federal, diante dos cortes em seu orçamento, se fará a seguinte pergunta: o que não posso cortar? Ou então, o que posso cortar das despesas da área e mesmo assim as unidades educacionais continuarão funcionando? E não atender adequadamente os portadores de deficiência, transtornos ou superdotados parece um caminho lógico, mesmo que cruel.
O que mais me angustia é a falta de ligação que a maioria da população faz, conquistada pelo discurso neoliberal de que a máquina pública é perdulária, entre as medidas de ajuste fiscal e o cotidiano do exercício d direitos constitucionais. Talvez isso é que ajude a sustentar diferentes governos.