sexta-feira, 6 de março de 2015

Qualidade no PNE: embate de dois caminhos

Semana passada foi realizado na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) o VIII Seminário da ANPAE Centro Oeste. O encontro é um rico momento de reflexão sobre o novo Plano Nacional de Educação e reúne professores e pesquisadores do DF, de Goiás, do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul.
Convidado para debater o tema Qualidade e o PNE, apresentei algumas breves reflexões sobre uma das várias contradições presentes na Lei nº 13005/2014.
A palavra “qualidade” é um termo bastante polissêmico, comportando diversos significados e por isso tem potencial para desencadear falsos consensos, como Oliveira e Araújo (2005) já Haviam nos advertido. E destaquei minha concordância com Estevão (2013), que ao reconstituir a trajetória do termo, destaca o seu caráter camaleônico, posto que o “conceito de qualidade detém uma espécie de sortilégio que coloca as organizações, todas as organizações, incluindo as educativas, no caminho do Senhor.
A palavra aparece 38 vezes no texto do PNE, podendo seu conteúdo ser separado em três blocos:
Um bloco que chamo de genérico, pois usa a palavra sem esclarecer o conceito que fundamental o referido uso, ou como contraponto genérico da “falta de”.
Um outro bloco que associa qualidade a função reguladora estatal e ao “sistema nacional de avaliação educacional”, em diferentes etapas e modalidades. Este conceito é bastante disseminado, mas possui artigos específicos e uma Meta (a de número 7) que concentra o maior número de estratégias e que institucionalizou o IDEB como política de Estado.
E um terceiro bloco que utiliza qualidade como sinônimo de oferta de insumos mínimos para todos. Aparece de forma forte no debate sobre Custo Aluno Qualidade, mas permeia outros momentos do plano, especialmente em estratégias que discutem a necessidade de padrões mínimos de atendimento em dada etapa ou modalidade.
Uma leitura atenta das metas e estratégias induz ao reconhecimento de que o texto transforma as políticas de governo na área de avaliação em políticas de Estado perenes na próxima década, mesmo que isso não fosse necessário, pois nada vem ameaçando esta hegemonia nos últimos vinte anos, especialmente a hegemonia das avaliações em larga escala da aprendizagem que, iniciadas com FHC, foram mantidas e aprofundadas nos dois governos de Lula e na primeira gestão de Dilma, ou seja, lá se vão 20 anos.
Porém, uma norma legal é fruto de embates de forças com interesses divergentes e, por vezes, antagônicos, e o PNE não foge a esta regra. Ao lado das formulações hegemônicas, está presente um conjunto de indicações que apontam para a materialização do padrão mínimo de qualidade e que pressionam para a efetivação do direito à educação em patamar superior ao desejado pela lógica do Estado mínimo. A incorporação do Custo Aluno Qualidade se insere neste escopo.
No artigo 11 está presente a figura do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, o qual será coordenado pela União (reforço da função reguladora). No texto tal Sistema “constituirá fonte de informação para a avaliação da qualidade da educação básica e para a orientação das políticas públicas desse nível de ensino”. O IDEB foi transformado em eixo estruturante da avaliação da QUALIDADE da Educação Básica.
Além do reforço dado aos atuais instrumentos de aferição de aprendizagem, o PNE anuncia novos instrumentos. E anuncia novas avaliações: Educação Especial (Estratégia 7.8), institucionalizar sistema de avaliação da qualidade da educação profissional técnica de nível médio das redes escolares públicas e privadas (11.8), e temos também a Estratégia 13.4, que se propõe a promover a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia e licenciaturas, por meio da aplicação de instrumento próprio de avaliação aprovado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES.
Ou seja, o conceito de qualidade da oferta educacional, em todas as etapas, será dado por indicadores construídos via testes de larga escala.
Desde a CF de 88 que temos a previsão de “padrão mínimo de qualidade”. Oito anos após a sua promulgação, quando da aprovação da LDB, o tema retornou, sendo um pouco mais detalhado, falando-se de “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e a quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem” (inciso IX, art. 4o).
Além disso, previu que a União, em regime de colaboração com os entes federados, estabelecerá padrão mínimo de oportunidades educacionais para o ensino fundamental, com base em um custo-aluno mínimo que assegure um ensino de qualidade.
Depois de intensa mobilização social, capitaneada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a ferramenta Custo Aluno qualidade se firmou legalmente como a materialização do padrão mínimo de qualidade. Contra a vontade declarada do governo federal que moveu céus e terras para retirá-lo do texto final.
A estratégia 20.6 estabeleceu um prazo de 2 (dois) anos para que seja implantado o Custo Aluno-Qualidade inicial - CAQi, referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo financiamento será calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo de ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a implementação plena do Custo Aluno Qualidade – CAQ. Sua construção deve levar em consideração em um conjunto de insumos necessários ao reconhecimento de uma escola que ofereça um patamar mínimo de qualidade: investimentos em qualificação e remuneração do pessoal docente e dos demais profissionais da educação pública, em aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino e em aquisição de material didático-escolar e alimentação e transporte escolar.
E, sob forte pressão social, o Congresso aprovou e a Dilma sancionou a estratégia 20.10, que caberá à União, na forma da lei, a complementação de recursos financeiros a todos os Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormente, do CAQ.
É óbvio que a União não tinha (e não tem) interesse na efetivação de um padrão mínimo de qualidade que eleve o “pacote de insumos” oferecidos nas escolas brasileiras, procedimento que contraria a lógica de enxugamento dos gastos públicos e oferta de uma escola precária para os mais pobres.

Qual visão de qualidade terá mais peso na próxima década? Esta é a disputa que destaquei como bastante importante para todos aqueles que sonham na efetivação do direito à educação em nosso país.

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