terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Enem e a desigualdade de renda

O MEC divulgou as notas do Exame Nacional do Ensino Médio e estamos no momento vivendo o frenesi das avaliações apressadas sobre os seus resultados. E como um bom ministro novo, o atual começa a soltar ideais mirabolantes, tão necessárias para criar manchetes de um dia na mídia, as quais certamente não consultou nem os especialistas da área e provavelmente os técnicos do INEP ou do MEC (Enem online foi uma das pérolas ministeriais do dia).
A imprensa se volta para a lógica de ranqueamento, especulando que escolas conseguiram as melhores notas, as que conseguiram as piores e também tentando descobrir por que determinadas médias caíram ou subiram.
O mais perigoso e recorrente de tudo isso é, em que pese a completa transformação por que passou este Exame Nacional, enxergarmos a insistência de avaliar o ensino médio a partir dos seus resultados.
O ENEM se transformou em um vestibular nacional. E nisso não vejo nenhum problema, pelo contrário. Acho mais democrático que qualquer brasileiro, mesmo os que residem nas regiões mais remotas do país, possam realizar um vestibular que possibilite disputar as escassas vagas públicas federais existentes (o problema continua sendo a escassez). Não acho democrático que o acesso às universidades do Sul e Sudeste seja privilégio dos que lá residem ou dos que podem financiar a ida dos seus filhos para prestar seus vestibulares.
É óbvio que todo vestibular influencia diretamente o currículo realmente existente nas escolas de ensino médio. E não poderia ser diferente como o Enem, ou seja, quanto mais voltada para aprovar os alunos nos vestibulares, mais preparada estará a escola para tirar boas notas nas referidas provas, com todas as distorções curriculares que esta postura provoca.
De todas as informações divulgadas pelo INEP, uma que até foi reproduzida, mas que nunca possui o impacto devido, certamente é a tabela que aqui reproduzo acima, que mostra uma alta correlação entre a renda dos estudantes e a nota obtida no exame nacional, regra válida para todas as redes, mas que certamente impulsiona pra cima duas delas: a privada, por ser composta majoritariamente da classe rica e média e preparar quase que exclusivamente para os filhos destas classes para cursar o ensino superior e, a rede federal, que não tendo necessariamente um perfil tão nítido como a rede privada, por ser muito seletiva na entrada, acaba sofrendo de efeito semelhante.
Isto tudo me fez reler um interessante artigo de Paulo Corbucci e Eduardo Zen, denominado “O IDEB à luz de fatores extrínsecos e intrínsecos à escola: uma abordagem sob a ótica dos municípios” (http://www.ipea.gov.br/bd/publicacao_2013.html). Uma das conclusões deste estudo é que existe uma fortíssima correlação entre a renda per capita dos alunos e suas notas no IDEB, o qual é composto pelos indicadores de aprovação e reprovação escolar e pelos resultados da Prova Brasil.
O gráfico 3, que reproduzo abaixo, tenta traduzir estes resultados de forma mais simples.
Em um país com profundas desigualdades de renda, as quais condicionam as oportunidades de acesso a bens culturais essenciais ao desenvolvimento pleno de seus cidadãos, concluir que as escolas particulares são melhores do que as públicas é, no mínimo, uma conclusão apressada e pouco fundamentada.
Enquanto as nossas escolas continuarem reproduzindo (e até aprofundando) as desigualdades existentes e enquanto as políticas sociais continuarem sendo apenas paliativos que não chegam a arranhar sequer a lógica excludente de organização de nossa sociedade, os resultados serão parecidos aos divulgados.




quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Qual a verdadeira prioridade das prioridades?

Nada como um dia atrás do outro. Passados apenas sete dias do anúncio do novo lema governamental, o qual coloca a educação como a “prioridade das prioridades”, conforme ouvi na Conae no discurso da presidenta Dilma, o seu governo anunciou um contingenciamento (eufemismo para a palavra corte) dos recursos de custeio de todos os ministérios, montante que chegará a 22,7 bilhões em 2015.
E qual é o ministério mais atingido? O Ministério da Educação, logo aquele que foi eleito a prioridade das prioridades. Serão 7 bilhões guardados para ajudar a equilibrar as contas... com os credores de nossa (minha? Sua? Feita com que autorização?) dívida pública.
E o que são gastos com custeio. Segundo a mídia “estão preservados desembolsos com pessoal, aposentadorias, benefícios assistenciais e outras prioridades”. Bem, então o que do dia-a-dia do MEC está sendo cortado?
1.      Todo gasto com apoio aos municípios para formação continuada é considerado custeio;
2.      Toda viagem técnica para assessorar um município é custeio;
3.      Todo programa de fomento a inclusão de portadores de deficiência é custeio;
Fiquei me perguntando se as bolsas da Universidade Aberta do Brasil, atrasadas desde final de novembro e que completarão dois meses sem cair nas contas dos tutores presenciais, virtuais e dos professores e que é repassada pela CAPES (vinculado ao MEC), valores que não se enquadram em pessoal, aposentadoria ou benefícios assistenciais, também estarão contingenciadas.
E pelo visto a presidenta conseguiu escolher um ministro com experiência em enxugamentos da máquina e que não pressionará a área econômica para preservar os recursos da pasta que é titular. Nem aquele jogo de cena corriqueiro, para apaziguar o público interno, mas que não passa disso, foi feito.
Para se ter uma noção do que está sendo feito, basta realizar o seguinte exercício: caso cheguemos a conclusão (que é a do governo) de que o MEC pode sobreviver 2015 sem desembolsar nas suas atividades os 7 bilhões bloqueados, então significa que os mesmos poderiam ser melhor utilizados em outras finalidades. Bem, se isso é verdade, poderíamos reforçar programas educacionais federais que tornassem o lema “Pátria educadora” algo concreto. Alguns exemplos possíveis de utilização mais coerente do que pagar juros da dívida pública:
1.      Este valor aumentaria em 70% a complementação da união ao Fundeb, garantindo melhores salários para os professores e melhoria do padrão de atendimento nos dez estados beneficiados pelo dispositivo (hoje está previsto desembolso de 10 bilhões em 2015);
2.      Este valor é quase sete vezes maior do que o 1,2 bilhão reservado para ajudar estados e municípios que comprovarem impossibilidade de pagar o piso nacional do magistério, o qual acaba de ser reajustado em 13%;
3.      Seria suficiente para dobrar a destinação de recursos para a construção de unidades de educação infantil, potencializando o cumprimento da meta 1 do Plano Nacional de Educação;
4.      Multiplicaria por dez o valor destinado ao programa nacional de transporte escolar.
Necessidades mais coerentes com o lema não faltam, estes foram alguns exemplos rápidos extraídos da proposta orçamentária para 2015.
Infelizmente tudo indica (sempre existe a possibilidade de estarmos errados e algo de bom acontecer né?) o lema foi somente uma jogada fraca de marketing, pois desde o final do segundo turno e a escolha da nova equipe econômica e mais recentemente com o anúncio de corte de 15 bilhões em direitos trabalhistas e previdenciários, já estava nítida a prioridade: ajuste fiscal rigoroso, recuperação da confiança dos “mercados”, mesmo que quem tenha ido para as ruas garantir a reeleição de Dilma (o outro candidato era o retrocesso explícito) serão os principais atingidos pelos efeitos destes ajustes.

Pelo visto o ano de 2015 vai ser marcado por muitas lutas por mais direitos e conta os ataques aos poucos que ainda nos restam.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Piso do magistério: primeira prova para a “Pátria educadora”

Nesta semana (quem sabe hoje) o Ministério da educação deve anunciar (nunca decreta nem baixa uma simples portaria!) o valor do piso salarial nacional do magistério para 2015. Pelas regras atuais de correção usadas pelo governo, ou seja, a variação entre o valor mínimo do Fundeb de 2013 para 2014 o percentual será de 13,01%.
Assim, o atual valor de R$ 1697,37 seria corrigido para R$ 1918,20.
Em junho de 2014 foi aprovada a Lei nº 13005, que instituiu o novo Plano Nacional de Educação para os próximos dez anos. A sua Meta 17 estabelece que se deve “valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE”.
No mesmo semestre em que esta lei foi aprovada o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão diretamente ligado à Presidência da República publicou o quinto relatório de observação sobre “As Desigualdades na Escolarização no Brasil”. E neste documento é dito que o salário médio de um professor é apenas 51,7% do recebido pelos demais profissionais de nível superior no Brasil. Ou seja, a Meta 17 é um grandioso desafio.
São mais de dois milhões de professores, na sua maioria vinculados às redes municipais e com salários diferenciados e carreiras diferenciadas. Assim, a aprovação e vigência plena de um piso nacional é um instrumento poderoso para elevar os salários iniciais e pressionar para elevar também o salário médio dos profissionais do magistério.
Desde 2009 que várias polêmicas permeiam a vigência do piso, mas uma delas incide diretamente no lema escolhido pela Presidenta Dilma. Diz respeito ao dispositivo legal que garante apoio federal para estados e municípios que comprovarem impossibilidade de cumprir a norma nacional. A Lei nº 11738 de 2008 estabeleceu no seu artigo 4º que a União deveria complementar, “na forma e no limite do disposto no inciso VI do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e em regulamento, a integralização de que trata o art. 3o desta Lei, nos casos em que o ente federativo, a partir da consideração dos recursos constitucionalmente vinculados à educação, não tenha disponibilidade orçamentária para cumprir o valor fixado”.
No seu parágrafo primeiro foi escrita a necessidade do ente federativo “justificar sua necessidade e incapacidade, enviando ao Ministério da Educação solicitação fundamentada, acompanhada de planilha de custos comprovando a necessidade da complementação”.
Acontece que até hoje nenhum ente federado recebeu ajuda federal para pagar o piso salarial nacional do magistério, mesmo que todo janeiro sejam ouvidos apelos desesperados de prefeitos e governadores, todos afirmando que não possuem disponibilidade para arcar com reajustes acima da inflação.
Na sexta-feira (02 de janeiro) assumiu a pasta da educação um ex-governador que questionou a constitucionalidade da Lei do Piso e foi derrotado no Supremo. E caberá a ele anunciar um reajuste no valor do piso acima da inflação de 2014 (que deverá fechar em algo em torno de 6,5%). Ou seja, gritos e apelos de governadores e prefeitos ecoarão nos corredores do MEC nesta semana.
No final de 2013 o agora ministro também participou ativamente da pressão dos governadores para que o Congresso Nacional alterasse a forma de cálculo do valor do piso. Pela proposta dos governadores o valor seria sempre corrigido pela inflação do ano anterior, no caso atual teríamos uma correção de 6,5% e não de 13,01%.
A pergunta que fica evidente é a seguinte: como agirá Dilma e seu novo ministro neste segundo mandato, justamente no primeiro ano de vigência do novo Plano Nacional de educação? Continuarão falando de valorização do magistério, mas não agindo de forma efetiva para criar as condições para que a mesma aconteça?
Certamente o comportamento diante da reação dos governadores e prefeitos será o primeiro grande teste para o lema “Brasil, Pátria educadora”.



Pátria educadora?

No dia 1º de janeiro iniciou-se o segundo mandato da presidenta Dilma. No discurso feito no parlamento Dilma anunciou o lema deste novo período na direção do país: Brasil, pátria educadora.
Afirmou que o lema refletia “com clareza qual será a nossa grande prioridade e sinaliza para qual setor deve convergir o esforço de todas as áreas do governo”. E disse ainda que o mesmo possui duplo sentido, de um lado sinalizando que “a educação será a prioridade das prioridades” e, por outro, que as ações de governo devem ter um “sentido formador, uma prática cidadã, um compromisso de ética e um sentimento republicano”.
Talvez ainda seja cedo (quatro dias após o anúncio) para entender se o lema é apenas uma jogada de marketing de um dos temas que renderam votos na campanha eleitoral ou realmente a eleição de uma nova prioridade governamental.
Um lema deve representar uma prioridade do governo e as prioridades se materializam em ações governamentais e dotação de recursos. No primeiro mandato o combate à miséria foi o lema, mas não podemos dizer que foi onde o governo mais investiu recursos. Na verdade, podemos afirmar que duas ações concentraram os recursos do fundo público: o pagamento da dívida (difícil de se tornar lema de governo!) e os investimentos na infraestrutura para o desenvolvimento de empreendimentos capitalistas. Estas foram as verdadeiras prioridades.
Contudo, o governo comemorou a queda nos níveis mais absurdos de pobreza, mesmo que a desigualdade (distância entre os mais ricos e os mais pobres) não tenha caído de forma consistente no último período. Ou seja, temos menos miseráveis, porém a desigualdade absurda não foi atacada nos seus fundamentos, pelo contrário.
A presidenta não apresentou novos caminhos educacionais, apenas repetiu temas desenvolvidos no primeiro mandato, ou seja, a pátria educadora até o momento se constitui de “mais do mesmo” na área educacional.
Chamou-me a atenção um trecho de seu pronunciamento, o qual seria um bom caminho de mudança de rumo, caso o governo tirasse todas as consequências do que afirmou. Ela disse que “democratizar o conhecimento significa universalizar o acesso a um ensino de qualidade em todos os níveis – da creche à pós-graduação” e que isso “significa também levar a todos os segmentos da população – dos mais marginalizados, aos negros, às mulheres e a todos os brasileiros a educação de qualidade”. Concordo com o dito, mas pergunto: que medidas serão tomadas para alcançar este objetivo? Qual será o papel da União neste esforço nacional?
Uma das batalhas mais renhida de 2014 foi justamente a tentativa da presidenta impedir que o Congresso aprovasse o Custo Aluno-Qualidade, especialmente a estratégia que determina apoio financeiro da União para Estados e Municípios que não alcançarem o patamar que deve ser estabelecido nos próximos dezoito meses.
Guardado na gaveta mais escondida do gabinete do MEC, a Resolução sobre o CAQi, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, continua esperando uma mudança de atitude concreta, postura que ajudaria a dar mais credibilidade para o lema anunciado.
Outro aspecto preocupante é sobre a alocação de recursos para tornar o Brasil realmente uma pátria educadora, onde a qualidade seja democratizada e chegue aos mais humildes. No discurso a presidenta manteve a lógica eleitoral e bradou que nos próximos anos os recursos oriundos dos royalties do petróleo e do fundo social do pré-sal, somados a “determinação política” do governo serão suficientes para dar o salto de qualidade esperado. Todos os especialistas e entidades ouvidos durante a tramitação do PNE no Congresso afirmaram que o recurso do petróleo é bem-vindo, mas não garante alcançar os 10% do PIB para a educação pública e será um pouco maior nos quatro últimos anos de vigência do referido Plano, ou seja, depois que Dilma se despedir do seu segundo mandato.
Ter como lema do governo federal a educação não deixa de ser uma boa notícia para o setor. Obriga o governo a atentar para as demandas reprimidas e para as reivindicações da sociedade civil organizada, dos milhões excluídos da escola, dos outros milhões que frequentam escolas de baixa qualidade e de mais de dois milhões de professores que aguardam real valorização profissional.

Vamos monitorar os dias seguintes e verificar se o lema é um eixo de governo ou uma resposta as críticas dos segmentos sociais que ajudaram Dilma a permanecer no Palácio do Planalto e viram seu ministério ser muito parecido com as ideias do seu adversário.