Após a sanção da Lei nº 13005/2014, que instituiu o Plano
Nacional de Educação para a próxima década, além do necessário balanço sobre o
conteúdo da referida lei, começa uma corrida pela paternidade da lei, ou seja,
distintos atores sociais tentam capitalizar a sua aprovação.
Como saber quem tem razão? Considero que dois critérios
podem ser utilizados: a capacidade que cada ator teve para incorporar suas
ideias no texto final e as movimentações que realizou durante sua tramitação. É
importante associar estes dois critérios por que um dado ator social pode ter
ideias que defende inseridas e isso pode não ter sido fruto de sua capacidade
de incidir sobre o parlamento e, por outro lado, mesmo não inserindo tudo que queria,
dado ator pode ter tido alta capacidade para impedir a inserção de ideias que
contrariam seu interesse.
Vamos analisar os principais atores e buscar compreender as
distintas atuações. Hoje começo pelo governo federal. Após a sanção há um
esforço político da presidenta Dilma para capitalizar o PNE.
Sem sombra de dúvida o primeiro a ser analisado é o governo
federal. Autor do Projeto original (PL nº 8035/10), é o ator com maior
capacidade de influenciar o parlamento (possui maioria nas duas casas legislativas)
e possui interesses diretos envolvidos no conteúdo da lei, especialmente na
parte de financiamento. E, por ser ano eleitoral, possui a maior vontade de
capitalizar politicamente a aprovação do PNE.
O texto aprovado levou quatro anos tramitando e este tempo é
culpa direta do governo. Primeiro, por que o projeto original estava muito
distante do conteúdo aprovado pela I Conae. Havia promessa do então presidente
Lula de que o texto contemplaria suas deliberações (eu estava na plenária final
e ouvi esta promessa!). A distância existente entre o texto e as ideias da
Conae provocaram mais de 3000 emendas e o primeiro atraso na sua tramitação.
As principais polêmicas vivenciadas na tramitação envolveram
diretamente os interesses da União e contaram com forte resistência do governo
federal. Foi assim a batalha para inscrever 10% do PIB para a educação pública.
O governo queria chegar a 7% ao final da década. Só deixou votar na Comissão
Especial quando achou que ganharia a votação com a proposta intermediária do
relator (cerca de 8%). Perdeu, apresentou recurso ao plenário, recuou devido
pressão social, mas buscou diminuir o impacto da derrota neste item durante
debate no Senado. Incluiu todos os gastos com o setor privado na conta dos 10%
e retirou a palavra “pública” do texto. Acabou tendo uma meia vitória na
votação final, posto que ficou 10% para educação pública, mas ficou também a
possibilidade de contabilizar todos os seus programas direcionados a subsidiar
o setor privado.
O governo federal foi responsável pela resistência em
colocar qualquer percentual de participação pública em duas importantes metas:
expansão do ensino profissional e ensino superior. Perdeu as duas votações. Na
primeira foi aprovada 50% de participação pública (no caso estadual e federal)
e na segunda foi inscrito que 40% das novas vagas devem ser públicas (federal e
também estadual). A derrota não foi pelo convencimento do governo de que era
necessário compromisso público com as metas d expansão em dois segmentos com
alta taxa de participação privada. Não, pelo contrário, foram necessárias
longas jornadas de mobilização da sociedade civil e constante pressão sobre os
parlamentares.
Em uma questão que se tornou estratégica para o combate à
desigualdade entre estados e municípios também o embate teve o governo federal
como principal oponente. A garantia de dois anos para implementar um padrão
mínimo de qualidade, materializado no custo aluno-qualidade (CAQ) teve também
forte resistência do governo. E até o dia da sanção ainda corria forte boato de
que a presidenta Dilma vetaria a estratégia que garante que ao ser implementado
o CAQ, os estados e municípios que estiverem abaixo do padrão estabelecido
devem contar com aporte financeiro da União.
Então, fico me perguntando se realmente o governo tem o
direito de querer capitalizar o conteúdo do Plano Nacional de Educação. No que
foi avanço, como regra, o governo tentou evitar que fosse aprovado. No que foi
retrocesso, como regra, o governo estava trabalhando para a sua aprovação.
Existem exceções? Claro que sim. Na Meta 4 e 5 o governo federal estava do lado
certo, mas não foi a dinâmica principal da tramitação.
Sendo uma lei sancionada às vésperas do processo eleitoral e
precisando estancar constantes quedas nas pesquisas, é natural que o governo
faça festa com o conteúdo do PNE, mesmo que omita os retrocessos que patrocinou
e faça de conta que ajudou a aprovar os avanços. E que articulistas governistas
de plantão defendam tal versão em artigos e editoriais. Faz parte do jogo
democrático brasileiro. Da mesma forma que é preciso registrar que a oposição
conservadora (o nome já diz tudo né?) esteve junto com o governo em quase todos
os retrocessos e patrocinou verdadeira cruzada fundamentalista na reta final da
tramitação.
Se devemos buscar a paternidade do PNE, certamente o local
certo não é vasculhar as salas ministeriais ou os gabinetes parlamentares da
oposição conservadora. Deve-se buscar nos novos atores sociais que se
mobilizaram para que novas vozes fossem ouvidas e arrancaram, com muita luta,
pequenas e importantes vitórias.