domingo, 23 de novembro de 2014

Balanço inicial da II Conae

Quais seriam os critérios mais adequados para avaliar os resultados da II Conferência Nacional de Educação, realizada de 19 a 23 de novembro em Brasília?
1.      Verificar o conteúdo político do evento e a possibilidade de seus resultados incidirem na formulação e implementação das políticas públicas educacionais no próximo período.
2.      Verificar o conteúdo de suas Resoluções, pois as mesmas ensejarão mobilizações sociais em defesa dos textos aprovados e poderão servir de instrumento para aumentar a incidência nas políticas públicas.
3.      A postura dos diversos atores sociais e o que conseguiram aprovar nas resoluções, indicando inclinações políticas e sociais do resultado da Conferência. Ou seja, quem ganha e quem perde com os resultados da Conferência.
Tentarei discutir cada um dos critérios acima, mesmo que reconheça que o esforço avaliativo sempre é feito a partir da posição em que nos colocamos, ou seja, nossas análises (positivas ou negativas) são socialmente posicionadas.

Oportunidade perdida


Antes e durante a Conferência expressei meu posicionamento favorável a uma maior radicalidade dos movimentos sociais perante o governo federal. Esse caminho se colocava necessário para não somente cobrar o apoio que estes movimentos emprestaram a reeleição da presidenta Dilma, mas ao mesmo tempo seria uma maneira mais eficaz de disputar os rumos da área educacional com outros segmentos sociais posicionados na arena política.
Neste quesito considero que a CONAE foi por demais morna. Já relatei a minha frustração com o pronunciamento da presidenta Dilma, que não apresentou nenhuma proposição concreta. Soube em plenário que durante a sua fala nada menos que dezoito entidades nacionais entregaram uma carta de reivindicações a presidenta.
Até hoje no final da manhã tal procedimento estava na completa clandestinidade. Isso quer dizer que, tendo um plenário lotado e festejando a vitória de Dilma (como disse o clima dela e do plenário ainda eram eleitorais) a direção das principais entidades devem ter considerado que seria indevido fazer as cobranças escritas no documento de forma pública, quem sabe preocupados em não constranger a presidenta (em nosso país as autoridades sempre ficam constrangidas quando o povo cobra compromissos assumidos!). Ao agirem assim abriram mão de pautar o pronunciamento da reeleita e despotencializaram o conteúdo da Carta entregue (que estava razoável, mesmo que tenha tido acesso apenas pela leitura feita nos minutos finais da II Conae, para um plenário esvaziado e faminto).
Faltou radicalidade dos movimentos sociais na melhor oportunidade que tiveram. Sobrou sentimento de pertencimento ao governo, faltou independência política.
Ter realizado uma Conferência morna somente interessava para o governo, especialmente para a atual gestão do MEC, que se encontra naquele momento de indefinição sobre continuidade ou arrumar as malas. Para os que lutam por uma mudança de rumo nas políticas educacionais e, inclusive para os orgânicos da base de sustentação do governo que se encontram com os nervos à flor da pele com a possibilidade de Cid Gomes assumir o comando da educação federal, também o clima não ajudou. Ter transformado o evento em um ato político claramente progressista e de pressão por mudanças de rumo seria muito mais eficaz do que poupar a presidenta de constrangimentos. A menos que alguns setores mais íntimos das intrigas palacianas considerem que bom comportamento sempre é premiado nas reformas ministeriais.

Conteúdo positivo


De forma contraditória, as proposições mais à esquerda no campo educacional foram todas incorporadas nas resoluções finais da II Conferência, dentro dos limites da sistemática estabelecida no regimento interno, o qual engessou em demasia o debate político.
Já registrei que as resoluções da Conferência sofreriam de um “deley” provocado pelo seu adiamento de fevereiro parra novembro e pelo fato de que neste intervalo foi aprovado o novo Plano Nacional de Educação e novos desafios e polêmicas ainda não estavam devidamente colocadas de maneira clara quando da realização das Conferências Estaduais (realizadas ainda em 2013). Não permitir emendas novas, com exceção de acordos de redação (unânimes), por um lado evitou possíveis retrocessos, mas evitou também atualizar posicionamentos importantes para o período de regulamentação e implementação do PNE.
Este problema de “time” deixou sem resposta adequada da II Conferência um repúdio explícito a redação do parágrafo 4º artigo 5º da Lei 13.005/2014, que permite ser contabilizado nos investimentos da educação pública os gastos com subsídios ao setor privado. Tal posicionamento seria aprovado por ampla maioria, com certeza. E ajudaria a pelo menos inibir uma aceleração de migração de recursos para o setor privado, como tem sido a lógica do governo federal que prioriza as bolsas do Pronatec, o financiamento estudantil para o ensino técnico e as pressões para expansão destes financiamentos para a educação à distância.
As resoluções, mesmo com estes limites, ajudaram a consolidar algumas vitórias inscritas nas decisões da I Conae e na tramitação do novo PNE. Destaco alguns aspectos:
1.      O Custo Aluno Qualidade passou a ser a principal referência para a reformatação do financiamento da educação básica para a próxima década. Ele está presente em quase todos os eixos e a II Conferência aumenta a pressão sobre a nova administração do MEC (a atual poderia fazê-lo, mas não mostra disposição para tal) para a homologação do Parecer nº 08/2010 do CNE ou de algum documento que parta do patamar acumulado no Conselho Nacional e negociado com a sociedade civil.
2.      Considero que pairou no ar da Conferência um crescente entendimento de que a transição da atual política de fundos (Fundeb termina sua validade em 2020) deverá sofrer uma aceleração do debate com a implementação do CAQi nos próximos dois anos.
3.      O conceito de educação inclusiva, que sofreu um retrocesso na redação da Meta 4 do novo PNE, teve uma grande vitória nas resoluções da Conferência, fortalecendo um caminho que saiu da tramitação do PNE questionada, correndo o risco de vivenciarmos uma enorme pressão por retrocessos no futuro governo.
4.      A necessidade de uma postura mais afirmativa para o debate da diversidade na educação saiu também bastante fortalecida. As resoluções incorporaram questões muito significativas em um tema que ocorreram recuos governamentais, motivados pela pressão fundamentalista. Considerando o avanço do conservadorismo no Congresso Nacional eleito, as definições da Conferência reforçam a luta por direitos e contra a discriminação.
5.      Houve uma clara indicação de se acelerar a criação de um Sistema Nacional de Educação. O debate ainda não desceu com toda intensidade para a concretização do que seria em termos operacionais o novo Sistema, mas evoluiu nestes quatro anos. Ficou claro que instâncias federativas são uma necessidade e que seu caráter normativo e o financiamento são inseparáveis no debate.
6.      A revisão do papel da União no financiamento da educação foi um dos temas mais presentes no debate. Ficou nítido um entendimento de que o combate às desigualdades territoriais (regionais) e sociais somente serão possíveis com forte ação redistributiva da União.
7.      Dois temas econômicos que apareceram de forma lateral na campanha eleitoral, tiveram bastante presença na II CONAE. O primeiro, que aparece na Carta das entidades e nas resoluções, é a necessidade de regulamentação urgente do Imposto sobre Grandes Fortunas. O segundo tema foi a necessidade de revisão da Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos tabus macroeconômicos mais conservadores em vigor.
8.      Também apareceu com relevância um questionamento sobre a necessidade de ocorrer participação dos entes federados e da sociedade civil na regulamentação do uso dos recursos federais dos royalties e do fundo social do pré-sal. Carecendo de regulamentação, este quesito ajuda a apressar a necessidade de se constituir instâncias pactuadoras sobre programas federais, superando o esquema atual de consultas legitimadoras.
9.      A valorização dos profissionais da educação, com destaque para a criação de condições para o cumprimento do piso salarial nacional do magistério, formação inicial e continuada e regras para os planos de carreira também tiveram inúmeras proposições incorporadas.
Amanhã discutirei o terceiro elemento avaliativo, ou seja, tentarei apontar quem ganha e quem perde com a realização e com as resoluções da II Conae e especular um pouco com os cenários do dia seguinte a realização do evento.


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