segunda-feira, 30 de junho de 2014

O governo pode comemorar teor do PNE ou não?


Após a sanção da Lei nº 13005/2014, que instituiu o Plano Nacional de Educação para a próxima década, além do necessário balanço sobre o conteúdo da referida lei, começa uma corrida pela paternidade da lei, ou seja, distintos atores sociais tentam capitalizar a sua aprovação.

Como saber quem tem razão? Considero que dois critérios podem ser utilizados: a capacidade que cada ator teve para incorporar suas ideias no texto final e as movimentações que realizou durante sua tramitação. É importante associar estes dois critérios por que um dado ator social pode ter ideias que defende inseridas e isso pode não ter sido fruto de sua capacidade de incidir sobre o parlamento e, por outro lado, mesmo não inserindo tudo que queria, dado ator pode ter tido alta capacidade para impedir a inserção de ideias que contrariam seu interesse.

Vamos analisar os principais atores e buscar compreender as distintas atuações. Hoje começo pelo governo federal. Após a sanção há um esforço político da presidenta Dilma para capitalizar o PNE.

Sem sombra de dúvida o primeiro a ser analisado é o governo federal. Autor do Projeto original (PL nº 8035/10), é o ator com maior capacidade de influenciar o parlamento (possui maioria nas duas casas legislativas) e possui interesses diretos envolvidos no conteúdo da lei, especialmente na parte de financiamento. E, por ser ano eleitoral, possui a maior vontade de capitalizar politicamente a aprovação do PNE.

O texto aprovado levou quatro anos tramitando e este tempo é culpa direta do governo. Primeiro, por que o projeto original estava muito distante do conteúdo aprovado pela I Conae. Havia promessa do então presidente Lula de que o texto contemplaria suas deliberações (eu estava na plenária final e ouvi esta promessa!). A distância existente entre o texto e as ideias da Conae provocaram mais de 3000 emendas e o primeiro atraso na sua tramitação.

As principais polêmicas vivenciadas na tramitação envolveram diretamente os interesses da União e contaram com forte resistência do governo federal. Foi assim a batalha para inscrever 10% do PIB para a educação pública. O governo queria chegar a 7% ao final da década. Só deixou votar na Comissão Especial quando achou que ganharia a votação com a proposta intermediária do relator (cerca de 8%). Perdeu, apresentou recurso ao plenário, recuou devido pressão social, mas buscou diminuir o impacto da derrota neste item durante debate no Senado. Incluiu todos os gastos com o setor privado na conta dos 10% e retirou a palavra “pública” do texto. Acabou tendo uma meia vitória na votação final, posto que ficou 10% para educação pública, mas ficou também a possibilidade de contabilizar todos os seus programas direcionados a subsidiar o setor privado.

O governo federal foi responsável pela resistência em colocar qualquer percentual de participação pública em duas importantes metas: expansão do ensino profissional e ensino superior. Perdeu as duas votações. Na primeira foi aprovada 50% de participação pública (no caso estadual e federal) e na segunda foi inscrito que 40% das novas vagas devem ser públicas (federal e também estadual). A derrota não foi pelo convencimento do governo de que era necessário compromisso público com as metas d expansão em dois segmentos com alta taxa de participação privada. Não, pelo contrário, foram necessárias longas jornadas de mobilização da sociedade civil e constante pressão sobre os parlamentares.

Em uma questão que se tornou estratégica para o combate à desigualdade entre estados e municípios também o embate teve o governo federal como principal oponente. A garantia de dois anos para implementar um padrão mínimo de qualidade, materializado no custo aluno-qualidade (CAQ) teve também forte resistência do governo. E até o dia da sanção ainda corria forte boato de que a presidenta Dilma vetaria a estratégia que garante que ao ser implementado o CAQ, os estados e municípios que estiverem abaixo do padrão estabelecido devem contar com aporte financeiro da União.

Então, fico me perguntando se realmente o governo tem o direito de querer capitalizar o conteúdo do Plano Nacional de Educação. No que foi avanço, como regra, o governo tentou evitar que fosse aprovado. No que foi retrocesso, como regra, o governo estava trabalhando para a sua aprovação. Existem exceções? Claro que sim. Na Meta 4 e 5 o governo federal estava do lado certo, mas não foi a dinâmica principal da tramitação.

Sendo uma lei sancionada às vésperas do processo eleitoral e precisando estancar constantes quedas nas pesquisas, é natural que o governo faça festa com o conteúdo do PNE, mesmo que omita os retrocessos que patrocinou e faça de conta que ajudou a aprovar os avanços. E que articulistas governistas de plantão defendam tal versão em artigos e editoriais. Faz parte do jogo democrático brasileiro. Da mesma forma que é preciso registrar que a oposição conservadora (o nome já diz tudo né?) esteve junto com o governo em quase todos os retrocessos e patrocinou verdadeira cruzada fundamentalista na reta final da tramitação.

Se devemos buscar a paternidade do PNE, certamente o local certo não é vasculhar as salas ministeriais ou os gabinetes parlamentares da oposição conservadora. Deve-se buscar nos novos atores sociais que se mobilizaram para que novas vozes fossem ouvidas e arrancaram, com muita luta, pequenas e importantes vitórias.

domingo, 15 de junho de 2014

O regime de colaboração no novo PNE


Uma das questões mais discutidas na área educacional é, sem sombra de dúvida, a falta de regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados. Gilda Araujo (2010) já afirmava que a nova configuração do federalismo brasileiro trouxe duas enormes complicações para a engenharia institucional e política do país: “a primeira relativa ao tamanho e à heterogeneidade da Federação brasileira, constituída, em sua maioria, por estados e municípios que sobrevivem com repasses dos fundos de participação, e a segunda relativa à falta de clareza e regulamentação do que consistiria o regime de colaboração (p. 753).

A aprovação de um Plano Nacional de Educação é um momento em que este problema se evidencia. Não é possível executar um PNE sem a concorrência de esforços de todos os entes federados. E sem regime de colaboração regulamentado, como articular estes esforços?

Quando foi enviada a primeira versão do novo PNE (Projeto de Lei nº 8035/2010) comentei que o regime de colaboração aparecia no texto como um fantasma vagando sem se materializar. Aprovado o texto final e enviado a sanção presidencial cabe avaliar se esta situação permaneceu inalterada ou se tivemos progressos na busca por dotar a relação federativa de novos patamares.

No texto original a expressão “regime de colaboração” aparecia 13 vezes e no texto aprovado foram 21 referências. Mas o que foi aprovado?

Há um avanço importante. O artigo 7º e seus parágrafos tentam dar um passo adiante ao previsto na CF e nunca regulamentado. No parágrafo 5º afirma-se que “será criada uma instância permanente de negociação e cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Apesar de não restar claro o formato, é uma mudança de qualidade, caso isso efetivamente ocorra, posto que hoje as políticas federais não são pactuadas com os demais entes federados e, mesmo quando consultados, o são nesta condição, como se tal procedimento fosse uma deferência do ministro de plantão.

Da mesma forma o parágrafo 6º do mesmo artigo afirma que “o fortalecimento do regime de colaboração entre os Estados e respectivos Municípios incluirá a instituição de instâncias permanentes de negociação, cooperação e pactuação em cada Estado”. Essa é uma reivindicação antiga, especialmente dos gestores municipais, depois de conturbadas relações com os governadores, as quais vão desde relações de clientela eleitoral até imposição pura e simples.

Também registro como um avanço duas referências a prazos para regulamentar a questão. No artigo 13 é estabelecido dois anos para a instituição (somente possível após a aprovação pelo Congresso e sanção presidencial) de lei sobre o “Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação”.

No mesmo sentido temos a redação da Estratégia 20.9, a qual também estabelece um prazo de dois anos para que seja regulamentado o parágrafo único do artigo 23 e o artigo 211 da Constituição Federal, de forma a estabelecer as normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Apesar de parecer exótico que uma Lei ordinária dilate por mais dois anos algo estabelecido como obrigação legal desde 1988, esta estratégia inova ao enumerar alguns parâmetros para a referida regulamentação: a mesma deve garantir “equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União no combate às desigualdades educacionais regionais, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste”.

As demais citações sobre regime de colaboração não acrescentam novidades ou então apenas trabalham com uma confusão recorrente de que os programas nacionais existentes já seriam expressão de um regime de colaboração. Recorro-me de Araujo (2010) novamente, pois os chamados “minipactos” realizados pelo governo federal não podem ser vistos como materialização de um regime de colaboração e sim são exemplo de políticas reguladas nacionalmente com forte incidência nas autonomias estadual e municipal, não necessariamente contando com o aval ou com real participação na configuração destas políticas dos demais entes.

O que está escrito é suficiente? Acho que não. Considero que perdemos uma oportunidade de explicitar em várias metas e estratégias a tarefa de cada ente federado e o legislativo se contentou em anunciar que tais tarefas precisarão de um regime de colaboração, declaração que não garante compartilhamento de esforços entre os entes.

Contudo, os avanços escritos no PNE permitirão forte mobilização dos estados e municípios para que o regime de colaboração seja materializado. Esta será uma batalha a ser travada nos próximos dois anos.

 

 

 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A chance perdida por Isadora


Esta semana foi o lançamento do livro da jovem Isadora Faber, que ficou conhecida por divulgar em um blog o cotidiano de sua escola. Na época ela estudava em uma escola pública na cidade de Florianópolis, no estado de Santa Catarina.

Suas reflexões trouxeram à tona a precariedade do atendimento educacional público, suas mazelas e poderiam propiciar uma sincera reflexão acerca dos diferentes padrões de qualidade na garantia do direito à educação. Porém, no dia do lançamento do seu livro a menina Isadora afirmou que depois da experiência, provavelmente colocaria seu filho na escola privada.

“Não me arrependo de ter feito escola pública por tudo que aconteceu. Mas em relação ao ensino gostaria de não ter estudado”, afirmou em evento de lançamento de seu livro “Diário de Classe – A Verdade” (Ed. Gutenberg) em São Paulo.

A educação é um direito de todos e um dever do Estado. Temos 50 milhões de alunos na educação básica, sendo que 82,8% estudam em escolas públicas. A maioria delas em piores condições do que as vivenciadas por ela em Florianópolis, com certeza. A garantia do direito na sua integralidade ainda é um sonho distante, portanto.

A postura de Isadora de expor ao mundo as agruras de sua escola alertavam a sociedade para a necessidade de lutar por melhores escolas, por um padrão mínimo de qualidade, pelo tão sonhado "padrão Fifa" nos serviços públicos.

O seu último comentário representa uma saída individual para o problema. é a alternativa usada pela maioria da classe média, que tendo condições financeiras para tal, resolve pagar duas vezes pelo mesmo serviço: uma como cidadão ao pagar impostos para ter educação, saúde, transporte, segurança e outra como individuo privado, que vai ao mercado comprar um produto.

Não sei das atuais condições da família de Isadora, nem sei se refletindo melhor ela irá reconsiderar este meio conselho que acabou oferecendo aos leitores do seu blog e do seu livro. Sei que a maioria dos 40 milhões de brasileiros que possuem filhos na escola pública possuem o direito de ter uma escola de qualidade e que tirar os seus filhos e colocá-los em escolas privadas não é uma hipótese plausível.

O comentário infeliz representa uma chance perdida por Isadora de fortalecer os que lutam por uma educação pública de qualidade. E representou água no moinho nas posições publicadas semana passada pela Folha de São Paulo e defendida por parte significativa da elite brasileira, que sonha em privatizar tudo que é público.

 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A hora do balanço - 1a parte


Semana passada apresentei neste espaço virtual a sugestão de alguns parâmetros para que seja feita uma avaliação do conteúdo do novo Plano Nacional de Educação. Como ontem (03 de junho) a votação foi encerrada e o texto seguirá para a sanção presidencial e mesmo que a Presidenta Dilma pode ainda vetar alguma parte do texto, já é possível iniciar uma análise mais detalhada do que o Congresso Nacional apresenta como planejamento para melhorar a educação na próxima década.

Vou iniciar por onde a votação terminou, ou seja, por quanto que o país irá investir em educação nos próximos dez anos e se esse percentual é suficiente.

Como já registrei, os investimentos públicos em educação cresceram pouco na última década e parte destes recursos reforçou o caixa do setor privado via isenções e bolsas.

Dados disponíveis mostram que o investimento público direto (dinheiro público na rede pública) chegou a 5,5% do PIB em 2012 (último dado público sobre o tema). Quando a este percentual são somados os gastos com bolsas e outras subvenções destinadas ao setor privado, chegamos a 6,4% do PIB.

A participação financeira da União, ente federado com maior capacidade tributária girou em torno de 20% do efetivamente aplicado, percentual muito aquém do seu potencial. Em termos de investimento direto chegou a 1% e somando os gastos com setor privado alcança 1,3% do PIB. 

Este recurso foi suficiente para termos a educação que temos hoje, ou seja, com milhões de crianças ainda fora da escola, com 14 milhões de analfabetos, 29 milhões de analfabetos funcionais, com desempenho de aprendizagem sofrível, com apenas metade dos jovens entre 15 a 17 anos estudando no ensino médio, dentre outras mazelas.

Durante os debates ocorridos no Congresso, tanto os especialistas em financiamento da educação, quanto as entidades da sociedade civil, convenceram os deputados e senadores que a proposta do governo de chegar em 7% do PIB ao final da década era insuficiente. E, ainda na Câmara foi aprovada nova redação, a qual elevou o percentual para 10% do PIB. O governo tentou derrubar na Câmara esta decisão em junho de 2012 e conseguiu alterar por dentro o seu conteúdo no Senado, ao incluir na contabilização dos gastos públicos todos os repasses públicos ao setor privado, inclusive itens de temerosa legalidade de serem arrolados como gastos educacionais, como o subsidio nos juros praticados no financiamento estudantil.

A última votação ocorrida na Câmara foi justamente a tentativa de evitar um texto com enorme contradição. De um lado, uma redação da Meta 20 que aponta para 10% do PIB para a educação pública (escolas mantidas e dirigidas por entes públicos) versus um parágrafo que autoriza a contabilização como gasto educacional de recursos transferidos a qualquer titulo para a iniciativa privada, inclusive incentivos ou isenções fiscais e subsídios a empréstimos, além do que a Constituição autoriza a contabilizar no seu artigo 213. Por 269 a 118 votos foi mantida a destinação de parte dos 10% para o setor privado.

O texto final perdeu a oportunidade de sinalizar pra sociedade brasileira que a educação é um direito fundamental e que a responsabilidade pelo seu provimento é do Estado. E, ao invés de aprovar 10% do PIB para a educação pública, na prática aprovou uma redação que, caso seja cumprida na sua integralidade, aplicará no máximo 8% do PIB nas escolas públicas. O restante será destinada a fortalecer o caixa das instituições privadas, que certamente ficaram felizes com a referida votação e, caso os parlamentares a procurem e o STF mantenha o financiamento privado de campanha, saberão retribuir de forma generosa a postura solícita da maioria legislativa.

O governo também ficou feliz com o aprovado, por que pode continuar direcionando recursos para seus programas de expansão de vagas, todos ancorados no aumento da parceria com o setor privado, por meio de bolsas, isenções, empréstimos subsidiados, o que diminui a pressão social pela oferta de vagas públicas, estas de melhor qualidade e por isso mais onerosas aos cofres públicos. Afinal, existem outras prioridades mais relevantes do que elevar o investimento público na rede pública.

Sempre poderia ser pior. Olhando o que o governo apresentou em 2010 e o que foi aprovado, a pressão da sociedade civil arrancou conquistas importantes neste quesito. Escrever na meta 20 que a educação pública deve ter 10% do PIB, mesmo com os problemas acima descritos, significa ter elementos para fortalecer a luta por uma educação pública de qualidade.

 

 

 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Cadê a pluralidade?

Recebi da professora doutora Ivanete Boschetti (UnB) a denúncia d que a CAPES está promovendo um atentado contra a pluralidade de ideias na produção acadêmica brasileira.
Reproduzo aqui as informações recebidas, as quais merecem imediato posicionamento da direção deste importante órgão de pesquisa.

Denúncia ao Serviço Social Brasileiro e pesquisadores das ciências sociais 

 É com muita tristeza e indignação que socializamos com todos/as vocês síntese do parecer da CAPES relativo ao Projeto "Crise do Capital e Fundo Público: Implicações para o Trabalho, os Direitos e as Políticas Sociais", apresentado ao Edital Procad 071/2013. O Pro...jeto envolve a UnB, UERJ e UFRN, 19 docentes, 09 doutorandos/as, 15 mestrandos/as e 27 graduados/as. Nossa indignação não se refere à não recomendação em si, mas à justificativa utilizada pelo parecerista: "Projeto afirma basear-se no método marxista histórico-dialética. Julgo que a utilização deste método não garante os requisitos necessários para que se alcance os objetivos do método científico" (…) "considerando a metodologia a ser empregada - cujos requisitos científicos não tem unanimidade - a proposta pode ser considerada pouco relevante" (…) "a formação proposta estaria no âmbito do método marxista histórico-dialético, cuja contribuição à ciência brasileira parece duvidosa".
No dia 30 de maio, conforme o Edital, impetramos recurso na plataforma Sicapes. Contudo, o espaço disponível de apenas 5000 caracteres com espaço não nos permitiu a exposição de motivos que demonstra, em detalhes, o caráter anticientífico, sectário e desrespeitoso para com as Ciências Humanas e Sociais, o projeto e seus autores. Por isso, enviamos um documento de recurso mais detalhado ao presidente da CAPES. Quem desejar conhecer o parecer na íntegra e nosso recurso, por favor nos solicite por email (ivaboschetti@gmail.com ou elan.rosbeh@uol.com.br).
A equipe de docentes do Projeto decidiu denunciar este inaceitável patrulhamento ideológico e tratamento desrespeitoso a todos que adotam o método crítico dialético, dentro e fora da nossa área. Não se trata apenas de recusar um projeto, mas de desqualificar qualquer pesquisa fundada nessa perspectiva, tratada como não científica e desprovida de mérito técnico científico. Neste momento, nos importa fundamentalmente denunciar esse impropério e defender veementemente a pluralidade, liberdade ideopolítica e o respeito ao método dialético marxista, e a todo seu legado científico, que tanto vem contribuindo para pensar criticamente a sociedade brasileira, a crise contemporânea e seus dilemas. Vale registrar, também, que nenhum projeto da área de Serviço Social foi aprovado neste Edital, e que dos 62 aprovados, mais de 90% são das áreas de exatas e biomédicas.

Abraços da Equipe de Docentes do Projeto:

Universidade de Brasília - Proponente
Ivanete Salete Boschetti - Coordenadora
Evilásio da Silva Salvador
Rosa Helena Stein
Sandra Oliveira Teixeira
Maria Lúcia Lopes da Silva

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Participante
Elaine Rossetti Behring – Coordenadora
Alba Tereza Barroso de Castro
Marilda Vilella Iamamoto
Maria Inês Souza Bravo
Maurílio de Castro Matos
Mariela Becher
Tainá de Souza Conceição
Juliana Cislaghi Fiúza

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Participante
Rita de Lourdes de Lima – Coordenadora
Silvana Mara de Morais dos Santos
Andreia Lima da Silva
Maria Célia Correia Nicolau
Severina Garcia de Araujo
Ilka de Lima Souza
Miriam de Oliveira Inacio

Colhendo tempestades


A manchete do jornal Folha de São Paulo do dia de hoje (02.06) é sintomática do rompimento das fronteiras entre o público e o privado em nosso país. A afirmação é que seis em cada dez alunos da Universidade de São Paulo (USP) podem pagar pelo ensino que recebem e que tal procedimento evitaria a crise financeira na qual se encontra a melhor instituição de ensino superior do país.

Dizem que colhemos o que plantamos. Desde 1990 que seguidos governos (Fernando Henrique, Lula e agora Dilma) se esforçam a relativizar o preceito constitucional de que educação é um direito de todos e dever do Estado. A lógica tem sido fortalecer a prestação de serviço educacional, especialmente no ensino superior, via instituições privadas. Os modelos são diferentes, mas a lógica é a mesma.

Existe uma linha de continuidade entre desregular o mercado privado (FHC) e subsidiar vagas no setor privado (Lula e Dilma), mesmo que muitos amigos meus teimem em não enxergar. Vejamos:

1.       O fundamental conceitual dos dois modelos é de que o direito à educação não precisa ser exercido pela prestação direta pelo Estado do serviço educacional. A existência do setor privado, que deveria estar circunscrita ao chamado “direito de escolha”, passa a ser uma das formas possíveis de garantir o direito constitucional.

2.       Os custos financeiros da prestação do serviço estão diretamente envolvidos na construção das opções. Pressionados pelas demandas sociais por mais acesso ao ensino superior, os governos buscam formas de dar vazão a estes anseios, mesmo que não necessariamente via criação de vagas públicas.

3.       Valendo-se do fato de que os mais pobres ainda nem conseguiram inserir seus filhos no ensino médio (apenas metade dos jovens entre 15 e 17 anos chegam ao ensino médio nesta idade e entre os mais pobres esse número é bem menor) e por isso os que conseguem estar prontos para ingressar no ensino superior são de classe média ou da equivocadamente denominada “nova classe média”, o governo sabe que parte deles podem comprar o serviço educacional, bastando para isso que as condições de financiamento sejam compatíveis com a renda das famílias.

4.       O principal programa educacional federal nas últimas três décadas não foi o Prouni ou mesmo o Reuni. Pelo contrário, o principal agente de inserção de alunos no ensino superior tem sido financiamento estudantil (desde que seu nome era crédito educativo). Nesta modalidade o governo compra a dívida do aluno com a instituição privada, oferecendo estabilidade ao comerciante e subsidiando os juros aos alunos.

5.       A consequência destas opções é um crescimento mais lento das matrículas públicas, sejam elas federais ou estaduais. E, em alguns casos, gerando crises periódicas de financiamento e sustentabilidade aos cursos existentes, como é o caso agora da USP.

Sei que o período eleitoral que se avizinha sempre provoca confusão na cabeça das pessoas, por que os grandes partidos no poder buscam se diferenciar. Os petistas acusarão os tucanos de sucatearem a USP e estarão falando a verdade, mesmo que a política implementada em doze anos de poder federal seja muito semelhante.

Há sempre um custo nos caminhos que escolhemos. A política educacional implementada por oito anos de tucanos e doze anos de petistas, em quase tudo semelhante no que diz respeito ao trato do ensino privado superior, trouxe de volta um debate que minha geração viveu na universidade no início da década de 80, quando a conselheira Ester Ferraz (chegou a ser ministra do General Figueiredo)queria cobrar taxas pra tudo dentro das instituições federais. As greves estudantis e de professores de 1981 enterraram esta ideia, mas se o fogo se apagou, nas cinzas sempre ficaram algumas brasas e, infelizmente, seguidos governos democráticos continuaram a soprar estas cinzas.
A reportagem da FSP lembra que existe um "pequeno obstáculo" para que a estratégia defendida seja implementada: precisaria mudar a Constituição Federal, que prevê que o ensino público é gratuito. Ou seja, é necessário que se consolide o que sucessivos governos tem plantado: considerar o ensino uma mercadoria e não mais um direito.