quarta-feira, 24 de julho de 2013

O povo no comando


 

Queria socializar com todos os que me acompanham neste espaço virtual a experiência que vivenciei neste final de semana.

Durante três dias tive a honra de acompanhar os trabalhos do I Congresso do Povo de Macapá. Este evento é o fechamento de mais uma etapa do processo de participação popular. Durante três dias 700 delegados, eleitos em dezoito assembleias abertas a todos os moradores da cidade, inclusive com grande participação dos moradores das comunidades rurais e ribeirinhas.

Em tempos de questionamento da democracia limitada existente em nosso país, é muito animador vivenciar o ressurgimento do processo de participação direta dos cidadãos na condução dos destinos de uma cidade.

O que estes cidadãos estavam decidindo?

Em primeiro lugar, todo o conteúdo do Plano Plurianual de Macapá. Cada diretriz, cada ação foi amplamente discutida. As principais sugestões votadas pelas assembleias foram acatadas pelo documento final. É verdade que ainda acontecerá uma próxima etapa, onde cada ação será quantificada (quanto custa), mas serão estes 700 cidadãos que decidirão como e onde será utilizado o recurso.

Em segundo lugar, o processo é um poderoso exercício de garantir que o povo decida a utilização do fundo público. Este é um dos maiores desafios de nossa democracia, pois como regra, as elites não só governam (diretamente ou por meio de políticos a elas fiéis) mas também decidem onde e como utilizar o dinheiro de nossos impostos.

Em terceiro, foi criado pelo Congresso um Projeto denominado Povo no Comando. Por este projeto todas as obras e serviços serão fiscalizados por comissões populares de moradores. Assim, se a prefeitura pretende construir uma escola, uma unidade de saúde ou asfaltar uma rua, serão os usuários daquele serviço que fiscalizarão todo o processo, garantindo a qualidade, o bom uso dos recursos e o cumprimento dos prazos.

E mais, em todas as unidades de saúde da cidade será constituída uma comissão popular de fiscalização, para verificar a qualidade do serviço, do atendimento, se existem remédios, se existem filas, como os cidadãos são tratados.

Anos atrás, quando ocupei o cargo de Secretário Municipal de Educação de Belém, na gestão do prefeito Edmilson Rodrigues, pude presenciar a riqueza e os frutos de processo de participação popular. As obras apareceram, os recursos públicos foram redirecionados para os que mais precisavam, o governo acertou mais, deixou de ser refém das máfias e corporações.

As transformações ocorridas em muitos partidos de esquerda, especialmente no PT, enterraram boas experiências de participação popular e depois de dez anos governando mais para os ricos do que para os pobres, o desgaste da democracia deu no que deu, precisou o povo voltar às ruas para que suas reivindicações fossem lembradas pelos poderosos.

Que bom que na distante Macapá, lá na linha do equador, o povo está começando a se apoderar dos bens que lhe pertence por direito.

E isto está sendo vivenciado na única capital governada pelo PSOL mostra que, no afã de mostrarmos a nossa indignação com a política como ela é, não podemos jogar a criança junto com a água suja.

sábado, 20 de julho de 2013

Os sonhos não envelhecem


As últimas manifestações ocorridas no Brasil no mês de junho fizeram reacender em muitas pessoas de minha geração a certeza de que os sonhos de igualdade social não devem ser descartados.

Em um 19 de julho como de ontem, na verdade 34 julhos atrás, eu era um jovem de dezesseis anos e militava ativamente contra a ditadura militar e por melhorias na educação do estado do Pará. Estava no último ano do ensino médio e, ao mesmo tempo, trabalhava como agente pastoral em um bairro periférico de minha cidade (bairro do Benguí, Belém do Pará).

Foi neste contexto de muitos sonhos que acompanhei pela imprensa que a Frente Sandinista de Libertação Nacional – FSLN, havia derrubado o ditador Somoza e tomado o poder na Nicarágua.

Sandino era pra mim um ilustre desconhecido, mesmo que nesta época já tivesse tido acesso a livros de Marx e Lenin. Mas, assim como toda a esquerda desta época, era profundamente eurocêntrico em matéria de transformação social. Nosso horizonte estava mais no que ocorrera na distante Rússia czarista e muito pouco nas transformações ocorridas na vizinha Cuba.

Augusto Sandino não foi um socialista, mesmo que tenha tido contato com alguns fragmentos das ideias marxistas em algum momento de sua vida. Mas ele foi um democrata, um nacionalista e um anti-imperialista admirável.

Nos anos seguintes atuei com outros companheiros no movimento de solidariedade à revolução sandinista, criamos o Centro de solidariedade 19 de julho, escrevi meu trabalho de conclusão de curso sobre os elos de ligação entre os ideais de Sandino e o programa revolucionário da FSLN. Mandamos militantes para brigadas de solidariedade, para colheita de café na Nicarágua e contribuímos um pouco para que os militantes do movimento social enxergassem a América Latina e seus potenciais transformadores.

Passadas três décadas muita coisa mudou no mundo e na Nicarágua. Nem sempre pra melhor. A revolução sandinista foi derrotada pela guerra de baixa intensidade desenvolvida pelo Grande Irmão do Norte, pelos seus erros e pelas dificuldades econômicas provocadas pelo bloqueio norte americano. Recentemente a FSLN voltou a governar a Nicarágua e Daniel Ortega tornou-se presidente. O homem é o mesmo, mas suas ideias são bem diferentes, a FSLN não é nem a sombra do que foi no passado, mesmo que para o povo nicaraguense seu governo fará diferença se comparado com os neoliberais colocados no poder pelos americanos durante duas décadas.

Com todos os limites programáticos atuais, o governo nicaraguense tem sido muito mais proativo em política internacional do que os governos brasileiros. Basta ver a concessão de ailo para Snowden, coisa que o Brasil morreu de medo de fazer.

Porém, em tempos de vigilância universal de nossas vidas, de controle econômico americano sobre nossas economias e de governos nacionais marcados pela subserviência ao Império, as ideias nacionalistas de Sandino me parecem muito apropriadas.

Infelizmente nossos jovens que voltaram às ruas desconheçam nossos heróis latinos e suas ideias, muitos inclusive usarão camisas de Che da mesma forma que usam uma do Iron Maiden.

Só uma certeza permanece inalterada: os sonhos de liberdade não envelhecem, não morrem, e como a fênix, sempre ressurgem, do início meio desorganizados, meio confusos, mais sempre ressurgem... ainda bem!

 

terça-feira, 16 de julho de 2013

Efeito colateral


Desde a I CONAE que está sendo travado caloroso debate sobre quanto de recursos públicos são necessários para viabilizar um Plano Nacional de Educação digno do nome. Ou seja, qual o patamar de recursos públicos investidos na rede pública são necessários para enfrentar o déficit de acesso, os baixos índices de qualidade e a desvalorização crônica dos educadores.

Recentemente, no debate sobre a destinação dos royalties, ficou claro que há uma distância entre o discurso e a prática do governo e do parlamento. De um lado, o discurso afirma que são necessários mais recursos e que destinar 50% dos dividendos dos recursos depositados no Fundo Social são suficientes para cumprir as metas constantes do PNE. De outro, quando a Câmara resolve garantir que o recurso destinado à educação seja 50% do montante (e não dos dividendos) do Fundo Social há intensa mobilização governamental para evitar destinação de mais recursos.

Ontem recebi uma informação que confirma a manutenção da mesma filosofia conservadora sobre recursos educacionais vigente desde a era Paulo Renato. Documento inserido no site do Tesouro Nacional sob o título “É possível atingir as metas para a educação sem aumentar os gastos? Uma análise para os municípios brasileiros” (http://migre.me/fuK7Z), é possível ler um arrazoado que acreditava ter sido arquivado por dez anos de governo petista.

Qual a conclusão dos notáveis econometristas autores do referido documento? Que o dinheiro existente no conjunto dos municípios brasileiros é suficiente para cumprir as metas do IDEB para 2021, pois o que atrapalha é o “desperdício” de recursos.

Afirmam que:

Os resultados indicam que o desperdício de recursos é expressivo para qualquer agrupamento de municípios definido pelo tamanho da população. Para o conjunto dos municípios o desperdício representa 47,3% e 40,1% do total dos gastos efetivamente realizados quando são assumidas as hipótese de retornos constantes e variáveis de escala, respectivamente.

O gasto efetivamente realizado é muito maior do que o gasto mínimo necessário para atingir as metas. Mesmo quando são feitas simulações a partir do estabelecimento de metas mais duras, fica claro que a restrição não é a escassez de recursos.

 

Que maravilha... após a leitura deste documento fiquei pensando no desperdício de tempo e dinheiro que o parlamento brasileiro está fazendo desde dezembro de 2010, tempo em que se discute o novo plano nacional da educação para o próximo decênio.

Fiquei pensando nas escolas do norte e nordeste, lá do interior do Maranhão, sem bibliotecas, sem laboratórios, sem quadras, muitas vezes sem professor.

Fiquei pensando nos milhares de professores que não recebem nem o piso salarial nacional do magistério.

É lógico que há “desperdício”, caso desvio de recursos possam ser contabilizados enquanto tal. E a impunidade ainda campeia em nossas terras.

Porém, a continuidade da política econômica conservadora, primeiro e único pacto anunciado de fato e de direito pela Presidenta Dilma diante dos protestos de junho, tem como efeito colateral a permanência e reedição das ideias que lhe dão sustentação. Não é possível fazer políticas conservadoras e pensar de forma progressista.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O público e o privado no PNE – 2ª parte


Continuaremos refletindo sobre a relação entre público e privado nos textos do PNE em debate no Congresso Nacional. Hoje me deterei na análise da redação oferecida pela relator da matéria na CAE do Senado, inscrita no parágrafo 5º do artigo 5º do substitutivo aprovado por aquela comissão.

O texto é o seguinte:

Artigo 5º ..............................

............................................

§ 5º O investimento público em educação a que se refere o art. 214, inciso VI, da Constituição Federal, engloba o dispêndio total em educação pública, os recursos aplicados na forma do art. 213 da Constituição Federal, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, e os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil para garantir o acesso à educação.
 

E aqui é apresentado um debate jurídico instigante. Na primeira parte do texto há a inclusão nos cálculos dos investimentos educacionais dos “recursos aplicados na forma do artigo 213 da Constituição Federal”. Este artigo tem a seguinte redação:

 Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:

I - comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades.

§ 1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o poder público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.

§ 2º As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do poder público.

Somente entidades “comunitárias, confessionais ou filantrópicas” poderiam ser beneficiadas por esta medida, mas a mesma seria a exceção. Também o constituinte permitiu, também em caráter transitório, a concessão de bolsas de estudos no ensino fundamental e médio, “quando houver falta de vagas”, deixando claro que o poder público deveria reverter tal insuficiência por meio de investimentos em sua própria rede.

Há intensa polêmica de como a legislação subseqüente lidou com o detalhamento do que seriam estas entidades passíveis de recebimento de recursos públicos, ocorrendo um constante alargamento da brecha de financiamento ao setor privado. Tal situação é evidente na caracterização do que vem a ser uma instituição comunitário no ensino superior.

Acontece que o substitutivo da CAE do Senado vai bem mais além. Utilizando a expressão “bem como”, ou seja, incluindo assuntos não cobertos na sentença anterior, inclui “os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, e os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil para garantir o acesso à educação”.

 

No meu entender não podem ser incluídos como recursos educacionais o rol listado pelo relator. Explico o porquê:

1.      O artigo 213 da CF é claro: somente pode receber recursos públicos entidades comunitárias, confessionais e filantrópicas que cumpram as duas exigências constantes dos seus incisos. Não se enquadra nesta definição as entidades particulares, com fins lucrativos que são beneficiadas de isenção fiscal em troca de bolsas do PROUNI.

2.      As bolsas do PRONATEC não são para ensino fundamental e médio e seus beneficiários incluem também entidades privadas não cobertas pela redação do artigo 213 da CF.

Mas o que devemos discutir na essência é a destinação prioritária do fundo público. A brecha constitucional não pode ser transformada em avenida preferencial de oferta do ensino na próxima década, situação que é favorecida pela redação oferecida pelo substitutivo da CAE do Senado. Ao ampliar o indicador o texto está incentivando a migração de recursos das escolas públicas para uma miríade de escolas privadas.

Em sua fundamentação, em um lampejo de sinceridade, o relator apresenta a sua visão sobre esta polêmica. Para o senador Pimentel a atuação do setor privado é indispensável, termo que não encontra guarida no artigo 213, por que coloca em pé de igualdade de essencialidade o público e o privado.

Na verdade, por trás da mudança do conceito de “direto” para “total” se esconde uma concepção de compartilhamento da futura oferta escolar prevista no PNE com o setor privado e, por conseguinte, incremento dos subsídios a este setor, seja na forma de isenção fiscal, bolsas ou conveniamento.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O público e o privado no PNE - 1ª parte


A redação de um plano nacional de educação é uma oportunidade ímpar para retomar o debate sobre a relação entre público e privado, talvez a polêmica mais recorrente nos debates educacionais em nosso país.

Nunca é demasiado recordar que nossa Constituição manteve posição contraditória sobre o tema. No seu artigo 205 garantiu a educação como um direito do povo brasileiro e estabeleceu que tal direito seria um dever do Estado. Com a inscrição desta declaração reforçou o caráter público da prestação da oferta educacional.

Porém, o texto constitucional garantiu a existência de escolas particulares, permitindo no caso das não-lucrativas, o recebimento de recursos públicos.

Podemos dizer que o espírito do constituinte era de preservar o chamado “direito de escolha”, ou seja, o ensino é público e no nível obrigatório será oferecido para todos, mas o cidadão tem o direito de escolher frequentar uma escola particular. Obviamente que este “direito” estaria condicionado a renda correspondente para comprar o produto educacional oferecido pela rede particular.  

A definição de escola pública oferecida por Vieira (2008) é essencial para o debate travado neste momento na tramitação do PNE. Escola pública é aquela financiada com recursos públicos, provenientes da receita de impostos, mantidas e administradas pelas diferentes instâncias do Poder Público. E escola privada é aquela instituída por pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Manter esta fronteira clara é fundamental.

Em vários momentos este debate permeia a redação do plano nacional de educação. Hoje e nos próximos dias tentarei refletir sobre cada um destes aspectos.

O primeiro embate diz respeito sobre a primazia da oferta pública como espinha dorsal do plano. A proposta enviada pelo Executivo (PL nº 8035/2013, o texto aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados (PLC 103/2012) e o substitutivo aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, convivem com dubiedades sobre este assunto.

A dubiedade fica explícita na prioridade do financiamento público para a próxima década.

1.       Durante a primeira fase da tramitação a intenção governamental de promover um crescimento da oferta educacional de maneira compartilhada com setor privado estava presente de forma implícita (na memória de cálculo dos custos do plano e em estratégias que incentivavam o conveniamento com o setor privado na educação infantil e subsídios a oferta privada no ensino profissionalizante e superior);

2.       Houve uma tentativa fracassada do então relator da matéria, deputado Ângelo Vanhoni (PT/PR) de incorporar no cálculos de custo do plano os gastos com a área privada, mas a forma aloprada com que foi feita acabou abortando a explicitação desta intenção.

3.       Foi somente com o relatório do senador Pimentel (PT/CE) que o governo e sua bancada decidiu apresentar de forma explícita a ideia de compartilhamento com o setor privado. A alteração do indicador que mensura o investimento educacional em relação ao PIB é a síntese desta nova postura. Ao invés de contabilizar apenas o investimento público direto na rede pública, o substitutivo contabiliza todos os investimentos repassados para a iniciativa privada.

Considero que o conceito implícito do textos em debate é de que o setor privado tem a mesma estatura que o setor público na prestação dos serviços educacionais, conceito que não corresponde ao espírito do constituinte e pode, caso aprovado, comprometer o princípio de que a educação é um direito de todos.

Amanhã comento os principais aspectos deste debate.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Royalties: a novela ainda não terminou


Como havia relatado em post anterior, na noite de ontem a Câmara dos Deputados promoveu uma importante derrota ao governo e aos interesses do mercado financeiro. O plenário derrubou quase que integralmente o texto aprovado pelo Senado Federal.

A principal derrota do governo foi sobre a destinação dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal. A Câmara manteve a destinação de 50% dos recursos ( e não somente dos dividendos) para a educação.

Acontece que uma manobra regimental impediu que a votação fosse encerrada. A primeira votação em que o governo foi derrotado foi de requerimento que pedia que o projeto fosse votado artigo por artigo. Apesar de ter perdido este encaminhamento, o PT e PMDB apresentaram destaques para votação em separado de cada um dos artigos.

E, para completar a manobra, estes partidos se declararam em obstrução, retirando o quorum da sessão.

A manobra é uma tentativa de reverter a votação contrário aos seus interesses. Mas, o que os partidos governistas querem? Simplesmente por intermédio de destaques de votação recolocar a integralidade do texto do Senado.

O líder do PT, deputado José Guimarães (CE),  anunciou de forma clara como o governo pretende reverter a decisão de ontem. Insatisfeito com a votação de parte da base governista a favor da manutenção do texto da Câmara ele afirmou que “(...)quem é governo tem ônus e bônus. Precisamos rediscutir a nossa relação com o PDT e o PSB até para se estabelecer uma nitidez política na disputa”, disse Guimarães. Neste caso nem foi meia palavra, foi um recado direto aos parlamentares da base do governo: perderão qualquer "bônus" caso persistam na rebeldia.

O ministro Mercadante, que a cada dia aparece mais como ministro chefe da Casa Civil do que titular da pasta educacional, deu uma dica em entrevista à Folha do que o governo precisa fazer pra evitar derrotas nas próximas votações. Perguntado sobre por que o governo não libera emendas dos congressistas? ele afirmou:

 

 Está liberando agora. Já está encaminhando a liberação das emendas. Atrasou o Orçamento este ano e atrasou a liberação das emendas. Mas tem que liberar. Eu sou totalmente favorável à emenda desde que sejam em programas prioritários.

 

Ou seja, para evitar que mais de 100 bilhões do Fundo Social saiam das mãos do mercado financeiro e migrem para educação e saúde, o governo vai liberar alguns milhões em emendas parlamentares. Relação custo-benefício garantida.

O presidente da Câmara, o insuspeito Henrique Alves, afirmou que coloca o tema novamente em votação na próxima terça-feira, último dia de sessão antes do recesso parlamentar.

O jogo é duro e não terminou. Mobilização da sociedade civil continuará sendo o diferencial entre manter ou perder recursos para a educação e saúde.

 

 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O mercado perdeu

Na noite de hoje a Câmara dos Deputados derrubou os principais pontos do substitutivo do Senado. Este texto diminuía os recursos anteriormente aprovados pela Câmara.

A Câmara manteve dois dispositivos essenciais para o futuro do país:

1º. Manteve 50% dos recursos do pré-sal e não apenas dos dividendos que o governo, mercado e maioria do Senado queriam;

2º. Garantia de que o retorno pago pelas empresas na área do pré-sal sejam no mínimo de 60% do arrecadado.

A votação deixou claro que as últimas manifestações de rua deixaram o governo fragilizado. O PT cumpriu um papelão, advogando os interesses do mercado. O PMDB só estava interessado em agradar futuros financiadores privados de campanha. E o PCdoB ficou em cima do muro até o último minuto e no final decidiu ficar com a UNE e contra o governo.

A oposição conservadora aproveitou pra tirar uma lasquinha do governo. Faz parte.

Estão de parabéns:

1.       O PSOL e o PDT que batalharam desde o início por melhorar o Projeto dos royalties;

2.       O senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) que foi o único senador a manter-se coerente na terça-feira passada; e

3.       A sociedade civil que se mobilizou para reverter o retrocesso acontecido no Senado.

Se a votação ocorrida não é a salvação da lavoura educacional todos nós sabemos. Mas, somente em um quadro de forte mobilização social foi possível ver o Congresso Nacional aprovar uma nova fonte permanente de recursos para a educação.

Amanhã é dia de refazer as contas, ver o quanto ficou de recursos para a educação e cerrar fileiras na luta para que os ecos das mobilizações sejam ouvidos no Senado e o texto do Plano Nacional da Educação seja aperfeiçoado, rejeitando as mudanças aprovadas pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e, principalmente, sejam garantidos 10% do PIB para a educação pública.

A votação de hoje mostrou que nem sempre o mercado sai vencedor.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Mais retrocessos


Já comentei neste espaço virtual que no dia 4 de julho foi inserido no sistema do Senado Federal o parecer do Senador Vital do Rego sobre o PLC 103/2012, que dispõe sobre o Plano Nacional de Educação. No dia 5 de julho o referido texto foi retirado da página.

O que o relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça propunha no seu relatório é possível resumir neste espaço. Os motivos reais da retirada do texto do sistema só é possível apresentar especulações.

1º. O relatório se propõe a usar como texto-base o substitutivo aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos e não o projeto aprovado na Câmara, procedimento perigoso e prejudicial aos interesses da educação. Com isso, o relator parte de um patamar mais rebaixado do que o alcançado na Câmara.

2º. A análise estaria restrita aos aspectos de constitucionalidade e juridicidade do texto, mas a linha que separa esta questão de opções de mérito é muito tênue.

3º. A maior parte das mudanças propostas pelo relator possuem o mesmo fundamento jurídico: quer retirar do texto tudo que a seu juízo mitiga o pacto federativo. Na verdade o relator trabalha com uma visão estreita do papel de um plano nacional de educação em um regime federativo, pois retira do texto tudo que estabelece prazo ou obrigações para estados, distrito federal e municípios.

a)Retira o prazo para confecção de planos estaduais e municipais de educação;

b)Retira a obrigação de realização de conferencias estaduais e municipais de educação antes da conferência nacional de educação;

c)Retira prazo para o estabelecimento da gestão democrática nos sistemas estaduais e municipais.

4º. Retira do texto até obrigação essencial inscrita para garantir que o Executivo envie no nono ano de vigência do plano a proposta de lei do próximo plano, evitando situação idêntica a atual, que desde janeiro de 2011 estamos sem plano em vigor devido a atraso no envio de novo texto.

5º. Advoga no caso da destinação dos recursos dos royalties uma posição no mínimo dúbia. Alegando que a mudança proposta pelo substitutivo do Senado não havia sido feita diretamente na lei especifica sobre o assunto, o relator não propõe sanear esta deficiência, o que poderia ser feito oferecendo emenda corrigindo a lacuna. Simplesmente propõe suprimir do texto qualquer debate sobre o problema. E usa como argumento uma “ingerência” sobre autonomia dos estados e municípios acerca da utilização dos recursos do petróleo, argumento idêntico utilizado semana passada para diminuir recursos a serem alocados para educação e saúde na mesma matéria.

6º. Retira o dispositivo que impedia que estados e municípios continuem utilizando recursos das receitas correntes vinculadas à educação para pagar aposentados, os quais legalmente deveriam estar sendo pagos pelos fundos de previdência.

7º. E o que mais chama a atenção é o argumento utilizado pelo senador relator para suprimir do texto toda parte que trata do custo aluno-qualidade. Afirma que tais dispositivos ferem norma constitucional vigente, ou seja, garantir a existência de um padrão mínimo de qualidade seria contraditório com a existência do FUNDEB. Um absurdo jurídico.  Ã regulamentação do padrão mínimo de qualidade é uma exigência constitucional e em nada colide com a existência do referido fundo, pelo contrário, qualifica o dispositivo permanente sobre a função supletiva da União.

 

Na verdade, por trás de argumentos jurídicos, está o dedo do ministério da educação em cada uma das mudanças. É um processo se lipoaspiração do texto do PNE. Em cada comissão do senado vão sendo retirados todos os dispositivos que impliquem em aumento de despesa da União no financiamento da educação. E em cada uma das comissões são utilizados os argumentos disponíveis.

 

 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Pernas curtas


No noite de terça-feira (02 de julho), o plenário do Senado Federal foi cenário de uma das manobras mais bem azeitadas dos últimos tempos. Aparentemente o Senado estava, por iniciativa da bancada do governo e contando com a supreendentemente omissão dos partidos da oposição conservadora, aperfeiçoando o Projeto de Lei aprovado pela Câmara sobre os royalties.

Cheguei a ouvir de uma senadora que “o senador Eduardo Braga nunca mentiria” pra ela e que os protestos das entidades e do senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) eram desconfianças infundadas em relação ao governo federal.

A Nota Técnica da consultoria legislativa da Câmara e as matérias da imprensa desmontaram o discurso do governo de que tudo não passava de uma incompreensão de alguns poucos. O que o Senado aprovou representará, caso confirmado pela Câmara, uma perda de 128 bilhões de reais em dez anos e diminui a destinação dos royalties em 2022 de 1,1% do PIB para apenas 0,46% do PIB, ou seja, se o antes aprovado representava um avanço limitado, o substitutivo do Senado é incapaz de viabilizar o PNE em discussão.

Porém, faltava vir à tona as verdadeiras razões para tão eficiente operação, a qual contou com a participação direta do todo poderoso Ministro da Educação Aloizio Mercadante, do segundo na hierarquia do Ministério das Minas e energias e de todo um staff ministerial que acampou no plenário do Senado, deixando claro o quanto é fantasiosa a autonomia entre os poderes da república brasileira.

A assessoria de imprensa da liderança do governo no Senado conseguiu contribuir para elucidar os reais motivos da redução dos recursos de royalties para a educação. Em nota, divulgada para explicar o inexplicável, afirma que:

Sobre o Fundo Social: “utilizar no País as receitas do Fundo Social contraria todos os princípios para os quais ele foi criado, especialmente a estabilidade econômica e a capacidade de competição do país – evita-se, dessa forma o risco de termos no Brasil a “doença holandesa”, cujo nome é uma referência ao acontecido naquele País quando da produção e exportação de grandes jazidas de gás natural”.

Traduzindo a afirmação: há um compromissos do governo de usar a riqueza do pré-sal para constituir um “colchão de recursos” para utilização em momentos de crise econômica, nos moldes do que presenciamos todos os dias na Europa. Dito de outra forma, a riqueza do pré-sal não pode ser utilizada para pagar a enorme dívida social com educação e saúde, mas estará disponível paras salvar bancos ameaçados de falência e para ajudar a salvar as economias dos países desenvolvidos.

 

Sobre a aplicação dos royalties pelos Estados e Municípios: “Voluntariamente, o Governo aceitou que a parcela dos royalties que lhe cabe, oriunda de parte dos contratos já firmados, fosse destinada para a educação – como não se pode assegurar que todos os Estados e Municípios também aceitarão fazê-lo, o Senado entendeu como prudente deixar que cada ente federado tratasse dessa matéria, disciplinando apenas os recursos oriundos de contratos ainda não celebrados”.

Traduzindo a afirmação: os Estados e Municípios ficarão livres para utilizar os recursos do jeito que bem quiserem, pedido feito especialmente pelo aliado de sempre chamado Sérgio Cabral do Rio de Janeiro. Ou seja, dinheiro para a educação continuará não sendo prioridade justamente onde está a maioria de nossas crianças e jovens.

Mentira sempre tem pernas curtas, mesmo quando ela consegue convencer uma maioria de senadores propensos a votar tudo que os governos querem e, especialmente, sempre receosos de contrariar a voz do mercado financeiro. Afinal de contas, o plebiscito ainda não ocorreu e o financiamento privado de campanha (legal ou clandestino) continua sendo a regra na política brasileira.

Ah... quanto ao clamor das ruas, parece que os jovens vão precisar gritar bem mais alto pra que suas reivindicações sejam ouvidas.

 

 

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O tamanho da perda


Durante a votação do Projeto de Lei da Câmara nº. 41/2013, que estabelece a destinação de royalties e de recursos do pré-sal para a educação e saúde, o discurso feito pelo líder do governo, senador Eduardo Braga (PMDB/AM) chegou a chamar o senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) de mentiroso por que este afirmava que o seu substitutivo representava perdas para a educação.

Ouvi de alguns senadores que o Substitutivo mantinha os mesmos valores destinados pela Câmara e, inclusive, melhorava e agilizava a chegada dos recursos para a educação. Ouvi de uma senadora que quem discordava deste discurso era por que não acreditava no governo.

Vejam só como são as coisas. Informações preliminares que consegui colher junto a consultores da Câmara são assustadoras. Tento explicar de forma simples:

1. A Proposta original do governo era super-tímida, especialmente por que não mexia nos royalties pagos atualmente e só repassava os dividendos dos recursos aplicados pelo Fundo Social do Pré-Sal;

2. O PLC 41/2013 não resolveu todos os problemas, mas aumentou o volume dos recursos destinados à educação, especialmente aqueles oriundos do Fundo Social do Pré-Sal, os quais passaram a representar 50% do total e não dos dividendos; e

3. Efetivamente o Substitutivo aprovado pelo Senado diminui, e muito, os recursos destinados a educação. Montei uma tabela comparativa para melhor explicar as diferenças e as perdas:

 

Em 2013 havíamos garantido 5,9 bilhões pelo aprovado na Câmara. Pelo Substitutivo esse valor cai para 850 milhões, uma perda de 5,1 bilhões.

Em 2017 havíamos garantido 14,45 bilhões pelo aprovado na Câmara. Pelo Substitutivo esse valor cai para 7,53 bilhões, uma perda de 6,9 bilhões.

Em 2022 havíamos garantido 47,83 bilhões pelo aprovado na Câmara. Pelo Substitutivo esse valor cai para 17,82 bilhões, uma perda de 30 bilhões.

 

O Projeto da Câmara não resolvia todas as necessidades da educação para alcançar 10% do PIB para a educação pública, pois acrescia em 2022 o equivalente a 1,1% do PIB. Porém, a redução feita pelo Senado tornou muito menos eficiente, pois representará em 2022 apenas 0,4% do PIB.

 

Semana passada a Câmara dos Deputados teve um lampejo de lucidez. Espero que a pressão das ruas consiga sensibilizar novamente os deputados e a educação consiga um pouco mais de recursos, mesmo que não todos os que precisamos para responder aos clamores das ruas por uma educação de padrão Fifa.

 

Qual clamor está sendo ouvido?


Ontem à noite foi um dia para se compreender os limites da democracia representativa brasileira. Explico melhor esta afirmação:

1. Na semana passada a Câmara dos Deputados cometeu uma heresia ao destinar 50% dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal para a educação. A proposta original do governo destinava apenas os dividendos.

2. O recurso do Fundo Social está acordado com o mercado financeiro para ser uma espécie de colchão protetor de prováveis crises financeiras. Funcionaria como uma poupança para socorrer empresas e bancos nestes momentos angustiantes, no mesmo formato que temos presenciado nos EUA, Grécia, Portugal, etc.

3. A aprovação do texto na Câmara foi no contexto de medo que os parlamentares começaram a ter da crescente onda de protestos. O instinto de sobrevivência levou ao plenário optar por rapidamente aprovar medidas que respondessem aos clamores das ruas.

4. O governo se rearticulou e conseguiu reverter a heresia, mesmo que parcialmente, na noite de ontem no Senado. E a votação foi quase unânime, apenas o senador Randolfe Rodrigues (líder do PSOL) manteve posição crítica sobre a manobra e pediu preferência para o texto aprovado na Câmara. Além da bancada governista (sempre disposta a enxergar virtudes aonde não existe), a oposição conservadora foi da concordância a omissão.

Era impressionante a falta de compreensão dos senadores sobre o que estava sendo votado na noite de ontem.

Hoje, até o final do dia, terei acesso aos números do estrago. O substitutivo é melhor do que o projeto original da Dilma, mas bem inferior ao que havia sido aprovado pela Câmara.

A votação guarda coerência com o primeiro pacto proposto pela presidenta foi manter a mesma política econômica conservadora vigente desde o plano real.

 

Moral da história: entre o clamor das ruas e o clamor dos mercados, o governo e o parlamento sempre optaram pelo segundo. Parece que a votação da semana passada não passou de um ato falho, algo feito de forma impensada.

 

 

terça-feira, 2 de julho de 2013

A perigosa demagogia de Renan


Que Renan Calheiros, o número dois da lista das reivindicações dos protestos que varreram o país, está desesperadamente tentando parecer como alguém antenado com o clamor das ruas todo mundo já sabe. É um esforço para sair da lista e manter-se no poder.

Agora, o que não tem sido corretamente debatido é a perigosa proposta de passe livre que ele apresentou como resposta aos protestos.

1º. Um dos eixos dos protestos é, sem sombra de dúvida, a condição precária dos transportes coletivos no Brasil. O estopim foi a elevação dos preços, mas ganharam força pelo menos duas propostas de solução: o passe livre estudantil e a tarifa zero. As duas propostas reforçam a visão de que transporte público deveria ser visto pela sociedade como um direito fundamental e não como uma mercadoria.

2º. A consequência dos protestos foi colocar a questão na pauta política. O governo desonerou os empresários de tributos, os estados e prefeituras foram no mesmo caminho. Ou seja, aumentou a abrangência de subsídios públicos para a prestação dos serviços, os quais são concessões públicas. Infelizmente nos dias de hoje, anos após o tsunami neoliberal, encontrar empresas públicas funcionando é uma raridade.

3º. Renan apresentou uma proposta de criação do passe livre estudantil nacionalmente. Até aí tudo bem, seria uma resposta concreta ao clamor das ruas, mas a forma de financiar este novo direito (ele não é tão novo e existe parcialmente em quase todas asa cidades) seria os royalties do petróleo, abrangendo não só as áreas do pós-sal como também do pré-sal. A redação do artigo é genérica, não indicando percentual destes recursos que seriam alocados, ou seja, indica apenas que os governos podem usar tais recursos para financiar o gasto com o passe livre.

4º. Porém, o mais grave é que ele inclui tal despesa como sendo integrante dos gastos educacionais. E este formato possui várias implicações:

a)      O transporte estritamente escolar, ou seja, levar o aluno da zona rural para a escola na zona urbana, é contabilizado como despesa educacional. Mas o subsidio para a concessão do passe estudantil, que hoje não é integral, nunca foi contabilizado como gasto educacional, entrando na contabilidade dos custos da tarifa, nos orçamentos das companhias gerenciadoras do sistema de transporte de cada município;

b)     Será votado hoje no Senado a lei que destina parte dos royalties para a educação. Como já declarei neste espaço, o formato aprovado na Câmara é melhor do que a proposta do governo, mas é insuficiente para dotar a educação do quantitativo de recursos necessários para cumprir o plano nacional de educação, representando em 2022 algo em torno de 1% do PIB a mais;

c)      Caso seja aprovado o projeto de Renan, os governos municipais não só usarão todos os recursos dos royalties para financiar o passe livre, como repassarão em termos contábeis todos os recursos que já aplicavam no subsídio do passe estudantil para a conta da educação. Ou seja, ao invés de elevar os gastos educacionais, a consequência será uma diminuição dos mesmos.

É necessário um posicionamento urgente de todas as entidades no sentido de alertar senadores e opinião pública sobre esta manobra, deixando claro nosso apoio ao passe livre, mas registrando a contradição entre os dois projetos e a necessidade de evitar queda da arrecadação de recursos educacionais, o que iria na contramão do que nossos jovens reivindicam nas ruas.