quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Governo engoliu mosca ou fez corpo mole?


Em uma sessão que durou no máximo três minutos, a Comissão de Educação do Senado aprovou o Substitutivo do Senador Álvaro Dias (PSDB/PR) ao Plano Nacional de Educação - PNE. Agora, com urgência também aprovada, o texto segue para o plenário para votação, a qual deve ocorrer na semana que vem.

Depois de encerrada a sessão, o líder do governo senador Eduardo Braga e o relator na CCJ, senador Vital do Rego chegaram atrasados. Os  senadores da bancada do governo não estavam presentes.

O que realmente aconteceu é difícil de saber, mas aventuro enumerar algumas hipóteses:

1. Ontem o governo pediu tempo pra analisar o relatório com o parecer das mais de 90 emendas apresentadas, sendo esperado que sua bancada estivesse em peso na hora da votação, de preferência desde cedo. A ausência não pode ser explicada somente pela rapidez da votação, posto que era o único ponto de pauta e quem questionava o texto deveria estar presente na hora marcada.

2. A suspeita maior é que o governo tenha feito um jogo de cena, o qual funcionou mais ou menos assim: peço tempo pra pensar, penso e não concordo com o texto ,mas me abstenho de disputar o seu conteúdo na Comissão de educação, guardando minhas fichas pro plenário do Senado.

Entre um casual "comeu mosca" fico com um certo "fez corpo mole". Agindo assim o governo não se desgastou numa votação de resultado incerto e voltará à carga semana que vem no plenário.

E o que o governo quer fazer no plenário?

1. A regra do jogo é que o Substitutivo da Comissão de Educação tenha preferência para a votação no plenário, por ser a comissão de mérito (artigo 300, X, alínea b combinado com o 300, XIV).

2. Porém, pode ser aprovado requerimento de preferência (artigo 311, II do Regimento Interno). O governo vai solicitar que tenha preferência o relatório da Comissão de Constituição e Justiça, o qual contempla os seus interesses.

Resumo da ópera: a batalha do PNE no Senado foi transferida, provavelmente para a semana que vem, mas será no plenário da Casa.

como já afirmei, o governo que fez corpo mole hoje, vai atacar o Substitutivo da Comissão de Educação pelas suas virtudes e não pelos seus defeitos. Cabe a sociedade civil defender as virtudes do referido texto e tentar consertar os seus defeitos, pelo menos os mais gritantes.

Certamente aprovar um texto mais próximo do que saiu da Câmara, depois do que ocorreu no Senado, minimiza os prejuízos.

 

É hoje.


Hoje a tarde deve se encerrar mais uma etapa da via crucis do Plano Nacional de Educação em sua tramitação no Congresso Nacional. A partir de 14:30, na Comissão de Educação do Senado, será votado o Relatório do Senador Álvaro Dias (PSDB/PR).

O que realmente estará em jogo neste votação?

1. Após a aprovação do texto do PNE na Comissão Especial da Câmara dos Deputados ficou claro que tinha ocorrido uma melhoria do texto originalmente enviado pelo governo federal, especialmente no quesito financiamento da educação. No principal embate o governo perdeu, pois foi aprovada redação na Meta 20 que garantia 10% do PIB para a educação pública até o final da vigência do PNE.

2. Além da Meta 20, outros três aspectos deixaram o governo insatisfeito com o resultado na Câmara. Nas Metas 11 e 12 o Substitutivo da Câmara estabelecia percentuais de participação pública nas novas vagas a serem criadas (50% para o ensino profissional e 40% para o ensino superior) e foram introduzidas estratégias colocando o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) como referência para a política de financiamento da educação e delegando à União a tarefa de complementar financeiramente estados e municípios que não alcançasse4m este patamar de qualidade.

3. A sociedade civil não viu inseridas no texto várias emendas direcionadas a tornar mais clara a divisão de responsabilidades entre os entes federados, situação que poderá no futuro aumentar a sobrecarga sobre os municípios e dificultar o cumprimento das metas. E haviam insatisfações em algumas metas, especialmente a Meta 4 (debate sobre inclusão dos estudantes com deficiência na rede regular de ensino).

4. A estratégia do governo no Senado foi desfigurar o projeto vindo da Câmara, retirando os avanços econômicos ali registrados. Na Comissão de Assuntos Econômicos, com a relatoria do petista José Pimentel, foram retiradas as referências ao percentual de crescimento público e mudado o critério de cálculo dos 10% do PIB, passando a ser contabilizados não só os gastos públicos na rede pública, mas também tudo que é repassado para a iniciativa privada, seja em forma de subvenção, seja por intermédio de isenções fiscais, bolsas ou subsídios. Com isso, mesmo mantendo a redação com os 10% do PIB, na prática este percentual caiu para algo em torno de 8,5%, na melhor das hipóteses.

5. Na Comissão de Constituição e Justiça, sob a relatoria do Vital do Rego (PMDB) os retrocessos foram consolidados e foram retiradas todas as referências a prazos que constavam do Projeto. Também houve piora na redação da Meta 5 (idade limite pra alfabetizar nossas crianças) e na Meta 4. A redação que permite contabilizar gastos com o setor privado foi "aperfeiçoada".

6. Na Comissão de Educação, pela primeira vez, a relatoria foi ocupada por um membro da oposição conservadora (PSDB), no caso o senador Álvaro Dias. Seu relatório possui virtudes e defeitos. Dentre as virtudes está uma clara retomada dos principais aspectos do texto da Câmara que haviam sido retirados. Destaco o retorno dos percentuais de participação pública nas metas 11 e 12 e do CAQ. Também recolocou a palavra pública no texto da Meta 20.

7. Seu relatório tentou, mas não conseguiu resolver o problema da relação entre o público e privado. Apesar de ter colocado o termo "pública" de volta, a sua nova redação do parágrafo sexto do artigo 5º manteve, mesmo que em caráter excepcional, a possibilidade de contabilizar recursos direcionados para o setor privado durante a vigência do plano. A sinalização é para priorizar o público, mas na prática autoriza repassar e contabilizar tudo que é direcionado para o setor privado.

8. Existem outros problemas, especialmente na Meta 4 e 5, mas seu relatório será atacado pelas sua virtudes e não pelos seus defeitos.

Existe uma enorme dúvida sobre os motivos do adiamento de ontem para hoje da votação. Pode ser que o governo queira negociar e o relatório saia um pouco melhor do que os textos aprovados nas comissões anteriores. pode ser que use o tempo apenas para arregimentar votos para derrotar as virtudes do texto.

Pro bem e pro mal a dúvida acaba no início da tarde.

domingo, 24 de novembro de 2013

Desafios da Conae 2014 - 1ª parte


Após quatro anos da realização da I Conferência Nacional de Educação – CONAE e finalizado o processo de escolha das delegações dos estados, cabe refletir sobre os principais desafios da próxima Conae, que se realizar no início do ano que vem.

Com este post início uma série destinada a estimular esta reflexão, tendo como foco o eixo de financiamento da educação.

E começo comentando uma das propostas que consta do Documento Referência. Abaixo reproduzo o seu teor:

Redefinir o modelo de financiamento da educação, considerando a participação adequada dos diferentes níveis de governo (federal, estaduais, distrital e municipais) conforme sua capacidade arrecadatória.

 

Desde a promulgação da Constituição de 1891 que somos formalmente uma República Federativa e desde 1988 que nossa Carta Magna reconhece três entes federados: a União, os Estados e os Municípios. Como parte das características atípicas da formação de nossa federação, o que muitos autores denominam de natureza particular de nosso federalismo, convivemos com enormes assimetrias entre regiões, dentro de cada região e entre estados e municípios.

Quanto mais assimétrica é a federação, mais relevante é o papel equalizador que deve ser desenvolvido pela União, ente federado que possui a capacidade de alocar recursos para mitigar as desigualdades provocadas por desenvolvimentos econômicos distintos.

A participação da União no fundo público nacional, ou seja, o quantitativo de recursos que são arrecadados dos cidadãos e que ficam nas mãos deste ente federado é significativo, garantindo alta capacidade de incidência na efetivação de políticas públicas, sejam elas para criar infra estrutura para o desenvolvimento econômico de dada região, seja para impulsionar programas sociais.

Por outro lado, nossa federação manteve características contraditórias no que diz respeito a distribuição de responsabilidades. De um lado, houve uma descentralização de responsabilidades, processo que levou ao reconhecimento do município como ente federado, por exemplo. De outro, a União manteve sua capacidade de regular as políticas públicas, ficando dotada de competências para legislar nacionalmente sobre regras tributárias e sobre formato das principais políticas sociais.

A educação é exemplar deste processo. É uma política pública muito descentralizada em termos de responsabilidades, mas ao mesmo tempo, a União tem poder regulador muito significativo. O exemplo mais lapidar desta característica foi a aprovação das Emendas Constitucionais nº 14 (Fundef) e nº 53 (Fundeb), textos que interferem na forma como os recursos pertencentes aos estados e municípios devem ser utilizados e que dispositivo proposto pela União regulou.

O texto da Conae expressa uma constatação: há um desequilíbrio na distribuição das responsabilidades e recursos para o provimento dos serviços educacionais. E a atual distribuição não levou em consideração a capacidade arrecadatória de cada ente, provocando uma sobrecarga de atribuições para os municípios e provocando precarização e/ou ausência da prestação dos serviços.

O último dado disponível sobre o assunto (2009) mostrava que a União contribuía com apenas 20% dos recursos alocados na educação pública, mesmo que abocanhasse 57% do fundo público. E este quadro não teve melhoras muito significativas nos últimos quatro anos.

O desafio pode ser resumido da seguinte forma: é necessário reconstruir o modelo de financiamento da educação, de maneira que as responsabilidades educacionais estejam mais consonantes com a capacidade de cada ente federado. E isto só é possível se for rediscutido o papel constitucional atribuído à União e revisto o processo de municipalização excessiva vivenciado nas décadas de 90.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Parecer retoma conquistas do PNE


Sinal dos tempos (confusos em termos ideológicos).

Amanhã será lido o parecer do senador Álvaro Dias (PSDB/PR) ao Projeto de Lei que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE). Será às 11 horas na Comissão de Educação do Senado. Deve ser dado vistas de uma semana e é quase certo que seja votado na terça-feira 26.11 e seguir para o plenário do Senado.

Depois da aprovação de dois relatórios que suprimiram partes importantes das conquistas arrancadas pela sociedade civil na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o Substitutivo apresentado pelo atual relator é uma grata surpresa.

De maneira resumida, o que o Substitutivo apresenta?

1.            estabelece que os estudos de monitoramento do PNE apresentem dados desagregados por ente federado.

2.            Retoma a palavra “pública” no parágrafo 3º do artigo 5º (muito importante)

3.            Duas novas fontes de financiamento para a educação são inseridas: parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, e cinquenta por cento dos bônus de assinatura definidos nos contratos de partilha de produção de petróleo e gás natural.

4.            A Evolução dos gastos constará de relatório dos Tribunais de Contas e de mensagem anual da Presidência da República.

5.            Retoma a previsão de conferências municipais e estaduais anteriores a Conae, da forma como havia sido aprovado na Câmara

6.            Cria instância de pactuação federativa (parágrafo 6º do artigo 7º).

7.            Volta com o prazo de um ano para planos estaduais e municipais.

8.            Estabelece que a elaboração dos planos será condição para recebimento de ajuda voluntária do governo federal.

9.            Retoma prazo para envio do novo PNE pela União, quesito que havia sido suprimido pela CCJ do Senado.

10.         Retoma prazo de dois anos para lei do Sistema Nacional de Educação.

11.         Melhora na redação da meta 6, garantindo que tempo integral signifique também ampliação de conteúdos de aprendizagem.

12.         Estabelece obrigação de formulação de diretrizes pedagógicas nacionais, construídas por pactuação interfederativa.

13.         Incorporou reivindicação do pessoal do campo, permitindo desenvolvimento de modelos alternativos de atendimento escolar para a população do campo, que considerem as especificidades locais e as boas práticas nacionais e internacionais relacionadas à multisseriação e à pedagogia da alternância.

14.         Retorna com a obrigação de 50% de matriculas públicas na expansão do ensino profissionalizante.

15.         Retorna com a obrigação de 40% de matrículas públicas na expansão do ensino superior.

16.         Retoma redação mais afirmativa da formação inicial superior para o magistério.

17.         estabelece que cumprir o piso salarial do magistério passa a condicionar repasses federais aos estados e municípios.

18.         Retoma a palavra pública na meta 20, mesmo com a ressalva confusa da nova redação do parágrafo quinto e sexto.

19.         Redação interessante dando prazo de um ano da publicação deste PNE, lei que defina a participação percentual mínima da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no incremento de verbas destinadas à educação para o alcance da meta de ampliação progressiva do investimento público em educação pública.

20.         Retoma o termo implantar para o CAQI (que havia se transformado em estabelecer).

 21.        Retoma complementação da união para o CAQI.

22.         Redação que define critérios para distribuição dos recursos adicionais dirigidos à educação ao longo do decênio, que considerem a equalização das oportunidades educacionais, a vulnerabilidade socioeconômica e o compromisso técnico e de gestão do sistema de ensino, a serem pactuados na instância prevista no § 5º do art. 7º desta Lei.

 

Nem tudo é perfeito e tenho algumas discordâncias pontuais com o texto, especialmente com a nova redação da meta sobre alfabetização e sobre a transitoriedade do financiamento do setor privado, mas a linha mestra do Substitutivo é a retomada das conquistas obtidas na Câmara. Isto é bem claro.

Iniciei este post falando de sinal dos tempos. Tendo sido um dos fundadores do PT (mesmo que de lá tenha saído em 2005), é paradoxal ter visto as conquistas da sociedade civil terem sido suprimidas no Senado pelo relator petista e retornarem no Substitutivo do PSDB. O mundo anda mesmo muito confuso nos últimos tempos...

Claramente o relator tucano quer fazer um contraponto com o governo. Porém, independentemente de suas intenções o seu parecer é um passo à frente na luta por um plano nacional de educação que incida positivamente na alteração do caos educacional.

Caso sua estratégia dê certo (o governo vai tentar derrubar seu substitutivo), o senador Álvaro Dias terá aproveitado a chance de ser lembrado na história da educação, coisa que os senadores Vital do Rego e José Pimentel e o deputado Ângelo Vanhoni desperdiçaram.