sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Resposta da CNTE aos meus comentários

Hoje pela manhã publiquei post refletindo sobre posicionamento da CNTE. E hoje à tarde recebi a resposta abaixo, a qual democraticamente publico neste espaço.
 
 
Fronteiras são diluídas desde o Fundeb, com posição contrária da CNTE

 

Em resposta aos comentários do companheiro de luta Luiz Araújo, veiculados em seu blog pessoal, condenando a negociação da CNTE e de entidades da sociedade com o MEC em torno das exceções à meta 20 do PNE, destacamos o seguinte para o debate público:

1.      As resoluções congressuais da CNTE tornam pública sua posição sobre a defesa do financiamento público para a escola pública, embora os mesmos documentos excetuem posições favoráveis da Entidade a programas que promovam o acesso de estudantes a níveis e modalidades de ensino com baixa capacidade de atendimento público, a exemplo do Prouni.

2.      É importante registrar, no contexto de invocações a Florestan Fernandes, que não foi a CNTE e o movimento sindical que inauguraram a flexibilização do princípio da destinação das verbas públicas para a educação pública. Não obstante a Constituição Federal prever essa condição em seu art. 213, por ocasião da aprovação do Fundeb, em 2007, a CNTE foi derrotada – inclusive com votos de parlamentares de partidos ditos mais à esquerda – em sua tentativa de não permitir que os recursos do Fundo se destinassem às creches e às escolas de educação especial conveniadas (privadas).

3.      Desde o advento do Fundeb, no entanto, a CNTE passou a atuar na perspectiva de conter ao máximo a diluição de um princípio tão caro para quem defende e trabalha na escola pública. Cientes dos limites (justos e injustos) de prefeitos e governadores que não ampliam matrículas na rede pública (creches e ensino médio, em especial técnico-profissional) mesmo com o reforço do Fundeb, bem como do largo tempo que se fará necessário para que as universidades públicas absorvam a enorme demanda de estudantes egressos do ensino médio, passamos a combinar as estratégias de expansão da rede pública com o atendimento conveniado, que deve ser temporal e estritamente demarcado.

4.      Portanto, a CNTE não abre mão de recuperar o teor das metas 11 e 12 do substitutivo de PNE aprovado na Câmara dos Deputados, embora, infelizmente, a Entidade não tenha conseguido evoluir nas negociações com o MEC sobre esses e outros pontos que retrocederam nos pareceres aprovados pelas duas comissões temáticas do Senado. Nosso foco, como dito, é não deixar que a expansão das matrículas se dê somente pelo setor privado, como quer a maioria dos Executivos, pois isso representaria tudo de pior que poderia acontecer para a nossa luta em defesa da educação pública.

5.      Neste sentido, longe de ser uma ação de ator social desavisado, a estratégia da CNTE tem como norte a consecução das metas da Emenda Constitucional 59, via ampliação das matrículas públicas ano a ano; assim como o cumprimento efetivo do piso do magistério numa estrutura de carreira próspera e não apenas economicista, como alguns municípios e estados tentam implantar e que em nada contribuirá para a valorização dos educadores e a melhoria da qualidade da educação.

6.      Todos reconhecem que a disputa do PNE no Senado está desfavorável para os movimentos sociais, e a emenda ao art. 5º, § 5º do PLC 103/12 representou uma ação para evitar a manutenção do texto aprovado na CAE-Senado, que escancarava o repasse público para a iniciativa privada de todas as matrículas dos níveis básico e superior, inclusive na forma de vouchers. A CNTE tem lado, lê a conjuntura e por isso mesmo não vende a ilusão de paraísos próximos e facilmente alcançados.

7.      A posição da CNTE em relação aos substitutivos até agora aprovados no Congresso, caso a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado não corrija os retrocessos impostos ao texto da Câmara dos Deputados, será pela manutenção da maior parte deste, com exceção dos poucos avanços promovidos pelos senadores, a exemplo da meta 16 que inseriu os funcionários da educação nas políticas de formação inicial e continuada.

8.      Ao longo de sua trajetória, independente das forças políticas que estiveram à frente da Direção Executiva, a CNTE pautou-se por deliberações democráticas da maioria de seus sindicatos filiados, e o diálogo com os parceiros sociais e com os Poderes constituídos sempre foi franco e transparente. Não autorizamos ninguém a falar por nós – e esse foi o espírito da nota pública divulgada no dia 25/9 – como também não nos sentimos no direito de falar pelos outros. Por isso, fica a critério das entidades que participaram do processo de negociação do art. 5º, § 5º do PLC 103/12, junto com o MEC, de se manifestarem ou não.

 
Saudações sindicais,

 Roberto Franklin de Leão

Público versus privado e a escolha de lado


Não tem como ler o relatório aprovado na CCJ do Senado sem ter na lembrança o saudoso sociólogo Florestan Fernandes. Ele dizia que "escola pública, de alta qualidade é um requisito fundamental para a existência da democracia" e dedicou sua vida militante na defesa de verbas públicas para a escola pública. Naquela época muitos dos atuais próceres de nossa República comungavam desta bandeira.

 

Neste eterno embate entre público e privado temos presenciado, como nos ensina a professora Sofia Vieira, a diluição das fronteiras. Mas, tais fronteiras só se vão diluindo na legislação e na prática política, por que os atores sociais vão progressivamente assimilando a visão de mundo que preside esta diluição.

 

O relatório do senador Vital do Rego aperfeiçoou na CCJ as maldades feitas pelo senador Pimentel na CAE no que diz respeito ao tema. A criação de um parágrafo específico para listar tudo que é financiamento público para o setor privado que irá ser contabilizado nos 10% do PIB é demonstração cabal disso.

 

Quem sou eu para aconselhar entidade A ou B de como se posicionar sobre as principais polêmicas do plano. A representatividade das lideranças força que elas entabulem negociações com o governo e o parlamento. Contudo, há um ditado que diz que além de navegar é preciso saber o porto de destino.

 

Li minutos atrás uma nota oficial da minha gloriosa Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE, entidade que tive a honra de ajudar a criar e compor sua primeira diretoria. O texto foi ensejado por acusações de que a referida entidade teria negociado o conteúdo do relatório do senador Vital do Rego. É muito interessante a demarcação da entidade em vários elementos discordantes com o texto aprovado, inclusive a supressão da Estratégia que garantia complementação da União para a implantação do Custo Aluno-Qualidade Inicial.

 

Porém, causou-me estranheza o relato feito pela entidade sobre suas tratativas com o MEC (afinal, se é necessário negociar um relatório é melhor conversar com quem manda e não com quem obedece!) sobre o teor do parágrafo 5º do artigo 5º. Transcrevo o texto da nota abaixo:

 

 

Sobre o art. 5º, § 5º do projeto de PNE, que trata das exceções da meta 20 ao investimento público na educação pública, a CNTE apresentou emenda para corrigir a redação aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que excedia, indiscriminadamente, o acordo firmado entre o MEC e entidades da sociedade prevendo o cômputo dos investimentos públicos em ações do Governo que já se encontram em andamento e que, se cessadas, poderiam causar inúmeros prejuízos aos que estão sendo atendidos por elas. Posteriormente, o MEC inseriu no rol das exceções a creche e a educação especial – esta última na perspectiva de aproximar o texto do Senado ao da Câmara – e, sem qualquer comunicado às entidades, inseriu também a pré-escola, com que a CNTE não concorda. Ademais, o MEC deixou de indicar no texto da meta 20 a preferência do investimento público para a educação pública, ressalvadas as exceções devidamente listadas no artigo da Lei.

 

Registro a minha humilde discordância com o caminho trilhado na negociação entre a CNTE (e outras entidades da sociedade civil não nominadas no texto) e o MEC, onde foi aceito por elas inserir como parte dos recursos necessários a efetivação do PNE os investimentos públicos em ações do Governo que já se encontram em andamento e que são direcionadas ao setor privado. Esta aceitação levou em consideração o risco de que tais ações fossem cessadas.

 

Vejamos o que se esconde por trás desta preocupação singela:

 

1. O cálculo de 10% do PIB, apresentado pelos pesquisadores e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, embutia um conceito de que oferta de vagas a serem criadas nos próximos dez anos teria como primazia o setor público. Exemplo disso era que na planilha do MEC a participação pública no ensino superior seria de 26% e a sociedade civil defendia na sua planilha uma participação de 60% do poder público. É lógico que sendo apenas 26% e ainda este percentual ser operado 50% à distância, como é a intenção do MEC, o custo será mais barato. Na Câmara se conseguiu inserir 40% de vagas públicas de novas matrículas, mas só relatórios de Pimentel e Vital do Rego derrubaram esta referência.

 

2. Afirmar que os programas e ações serão encerrados significa acreditar que não é possível ampliar a rede pública em áreas com forte presença privada na próxima década, discurso falso e usado para enganar desavisados e constranger aliados encurralados entre a pressão de suas bases por mais recursos e a pressão do governo que quer manter seus compromissos com o mercado financeiro, que consome metade do orçamento federal todos os anos. Quer dizer que as entidades foram convencidas pelo ministro de que 10% para a educação público é inviável financeiramente? Esta é a consequência da leitura.

 

Prefiro ficar com a coerência de Florestan, manter a bandeira histórica de verbas públicas somente para a escola pública. A diluição das fronteiras tem levado a parcerias como a registrada no dia de hoje em Belo Horizonte, a substituição da criação de novos IFETs por bolsas para o sistema S, troca de novas universidades em ritmo necessário por mais crédito subvencionado para alunos frequentarem instituições particulares, com a consequente compra da possível inadimplência pelo poder público.

 

Estes dias li um release de uma palestra do ex-deputado federal Carlos Abicalil, assim como eu também ex-dirigente nacional da CNTE. Ele disse que “precisamos continuar lutando para que a educação seja um direito universal, digno e igual para todos e todas. Não podemos perder o direito fundamental da educação estatal". Exatamente isso que estou reivindicando, não perder o rumo de que para ser um direito de todos a primazia da oferta educacional deve ser estatal.

 

É papel das entidades forçar negociações com os governos. Porém, fazer emendas no parágrafo 5º do artigo 5º ou se queixar que o governo piorou o texto "sem qualquer comunicado às entidades" é aceitar a derrota nesta guerra pela garantia do direito à educação. É o caminho do reforço da diluição ainda maior das fronteiras entre o público e privado.

 

 

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Parceria suspeita


Alertado pelo meu amigo Salomão Ximenes, li preocupante matéria publicada pelo Portal UOL no dia 23/09/2013. A referida matéria relata inusitada ação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.


Em síntese o texto fala que a PMBH firmou uma Parceria-Público-Privada com a gestora de três novos estádios de futebol (Maracanã (RJ), da Arena Fonte Nova (BA) e da Arena Pernambuco (PE) chamada Odebrecht Properties, por meio de uma empresa do grupo chamada Inova BH, mas tal parceria não é para construir e administrar estádios ou quem sabe quadras poliesportivas. É para construir e administrar... escolas.


Na matéria temos a fala da senhora Christini Kubo, executiva do consórcio, que informou que a companhia vai receber uma remuneração anual de R$ 39 milhões da prefeitura da capital mineira, durante o período de 20 anos do contrato para fazer a manutenção das 37 escolas contratadas. O investimento para a construção das unidades foi de R$ 190 milhões, sendo que a prefeitura da capital mineira arcou com 50% do valor.


Pelo acordo, o município é responsável pelos serviços pedagógicos, que incluem professores e material didático. A Inova BH será responsável pelos serviços de manutenção das instalações elétricas e hidráulicas, segurança e limpeza das escolas. No fim do período, os edifícios serão devolvidos ao município.

e mais, o contrato prevê a construção de 32 escolas infantis (com 440 alunos) e cinco fundamentais (960 alunos), que atenderão 18.880 alunos. A remuneração por aluno para a manutenção do edifício ficará em torno de R$ 2.065: R$ 172 por mês per capita.

O que mais me chamou a atenção foi a singela declaração da assessoria de imprensa da Secretaria de Educação de Belo Horizonte, que disse que não há levantamentos sobre os custos por aluno nas Umeis tradicionais dos serviços que serão prestados pela Inova BH, para efeito de comparação. Ou seja, o governo não soube informar quais parâmetros utilizou para determinar os valores do contrato.

Em 2013, o valor por aluno do Fundeb mineiro para Creche em tempo integral é de R$ 3038,71 e para as séries iniciais do ensino fundamental é de R$ 2337,47. Certamente, pelo porte de arrecadação da capital mineira, o valor por aluno realmente realizado é maior, mas este dado somente a Secretaria Municipal da cidade pode informar.

Todos são sabedores que existe um Programa federal que financia a construção de unidades de educação infantil, sem necessidade de contrapartida municipal (Proinfância). E via o PAR a Prefeitura pode conseguir financiamento para construção de unidades de ensino fundamental também.

É inacreditável que a Prefeitura opte em fazer um parceria onde terá que desembolsar 50% do valor da construção de 32 unidades de educação infantil e irá pagar anualmente para a empresa "parceira" um valor praticamente equivalente ao que recebe via o Fundeb para manter suas escolas.

Isso não é parceria, é doação de recursos públicos para amigos empresários. Seria interessante lembrar que a empresa Odebrecht doou para a Direção Nacional do partido do prefeito de Belo Horizonte, no caso o PSB, a quantia simbólica de R$ 300.000,00 e a campanha do referido alcaide foi financiada de forma substancial pela direção nacional do seu partido (mais de 10 milhões de reais).

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Tá tudo dominado?


No dia de hoje (25 de setembro) a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, com apenas um voto contrário (senador Randolfe Rodrigues - PSOL/AP) aprovou o relatório do senador Vital do Rego ao Projeto do Plano Nacional de Educação - PNE.Agora falta apenas o parecer da Comissão de Educação, colegiado que julga o mérito da matéria. Já é sabido que o relator da matéria na CE será o senador Álvaro Dias - PSDB/PR.

 Quem ganhou com a Emenda Substitutiva aprovada na CCJ do Senado?

1º. O governo federal, por que conseguiu manter a desresponsabilização da União com o financiamento do PNE, especialmente com a retirada da Estratégia 20.8, que estabelecia complementação da União para viabilizar o Custo Aluno-Qualidade Inicial;

2º. O setor privado educacional, por que conseguiu inserir de maneira textual que os subsídios, bolsas e isenções fiscais, inclusive o financiamento estudantil, estarão inclusos nos cálculos de 10% do PIB para a educação, derrotando o enunciado aprovado na Câmara dos Deputados, que destinada o percentual somente para a educação pública;

3º. As APAES, que fizeram violento lobby para inserir redação que coloca o atendimento especializado em igual patamar a inclusão de portadores de deficiência nas turmas regulares das escolas públicas, além de garantir financiamento público para suas atividades;

4º. As entidades de aposentados que fizeram lobby pra retirar do texto o dispositivo que, acertadamente, proibia a continuidade do uso dos recursos educacionais correntes para custear os rombos previdenciários.

5]. Os gestores estaduais e municipais descomprometidos com a efetivação do PNE, que conseguiram retirar do texto o prazo para a aprovação de planos estaduais e municipais, medida essencial para pressionar os demais entes federados com suas metas e estratégias.

 

Ao enumerarmos os vitoriosos, por exclusão ficam claros os que foram derrotados nesta votação:

1º. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que viu retirada a Estratégia que dava efetividade ao Custo Aluno-Qualidade;

2º. Os delegados e delegadas da CONAE 2010, que viram suprimidas as garantias de que os 10% do PIB seriam aplicados na educação pública e viram também enfraquecido o CAQi no texto do PNE;

3º. Os estados e municípios, por que atualmente custeiam 80% da educação brasileira e ficaram mais distantes de terem implementada uma participação maior da União no financiamento.

 Presenciei algumas entidades sindicais comemorando a aprovação do PNE na CCJ do Senado, justificando tal entusiasmo por que a matéria voltou a andar. Se isso é verdadeiro, também é verdadeiro que não queremos qualquer PNE aprovado. O texto aprovado representa um retrocesso se comparado ao enviado pela Câmara dos Deputados, o qual já tinha poucos avanços.
 
A disposição do governo é fazer de conta que o relatório da Comissão de Educação não existe e dar preferência no plenário ao relatório aprovado hoje na CCJ, ou seja, a possibilidade do texto aprovado hoje se tornar o texto oficial do Senado é muito grande.

Vai depender da pressão popular, da disposição das entidades mobilizarem as suas bases e enfrentarem o governo.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A responsabilidade do Estado é menor a cada relatório


Circula na internet o posicionamento público do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, composto pelas entidades: Ação Educativa, ActionAid Brasil, CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire), Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará), CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Uncme (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação) e Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).

 

É uma firme crítica ao teor do Relatório do Senador Vital do Rego, oferecido ao PNe na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.

Reproduzo a íntegra do texto abaixo:

 

 

 

Fiel às diretrizes deliberadas na Conae-2010 (Conferência Nacional de Educação), processo participativo dedicado a referenciar a construção do PNE (Plano Nacional de Educação), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação manifesta democraticamente seu desacordo com o relatório do Senador Vital do Rego (PMDB-PB) ao PLC 103/2012, apresentado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal. Desde já, e como sempre, a rede se dispõe a discutir o mesmo no intuito de aperfeiçoá-lo, em um processo aberto de negociação com o relator e demais parlamentares daquela Casa. Caso se concretize esse esforço de diálogo imprescindível, sugere o envolvimento do FNE (Fórum Nacional de Educação) neste exercício.

 

Após a aprovação do PNE na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), em 28 de maio de 2013, a expectativa da sociedade civil era a de contar com um texto na CCJ que corrigisse retrocessos empreendidos na Comissão anterior. Contudo, não foi o que ocorreu. Permanece a tônica de desresponsabilização do Estado brasileiro, especialmente da União, na garantia do acesso à educação pública de qualidade.

 

No caso da expansão da educação profissional técnica de nível médio (Meta 11) e da educação superior (Meta 12), o texto da Câmara dos Deputados, mais próximo das deliberações da Conae, previa que, no tocante à Meta 11, 50% das novas matrículas exigidas pelo PNE seriam públicas; sendo que na Meta 12, sob o mesmo critério, o patamar seria de 40% das novas vagas ofertadas.

 

Essa desobrigação, somada à nova redação do parágrafo 5º do Art. 5º dada pelo relator, determinará um contexto em que a expansão de matrículas na educação profissional técnica e na educação superior possa se dar, essencialmente, por meio de programas como o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e ProUni (Programa Universidade para Todos). Em que pese o sentido válido de urgência dessas políticas públicas, é incorreto considerar que a ampliação desses programas — ou similares — será capaz de garantir educação de qualidade, colaborando consequentemente com o desenvolvimento socioeconômico do país.

 

Ainda no âmbito da desresponsabilização do Estado, o relatório do Senador Vital do Rego erra ao suprimir a Estratégia 20.8 que demanda a complementação da União aos Estados e Municípios que não alcançarem, respectivamente, os valores do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) e do CAQ (Custo Aluno-Qualidade). Com isso, isenta o Governo Federal de cumprir com o estabelecido pelo parágrafo primeiro do Art. 211 da Constituição Federal, que determina que a União “exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”.

 

Ou seja, além de estar desobrigado de expandir vagas na educação profissional técnica e na educação superior, o Governo Federal, no tocante às matrículas da educação básica regular, permanecerá governando sob programas dedicados à construção de equipamentos públicos, em vez de colaborar decisivamente com a manutenção de matrículas e, consequentemente, com a valorização dos profissionais da educação — questão-chave para a melhoria da qualidade educacional.

 

Segundo dados da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação), com base no mecanismo do CAQi, desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a supressão da Estratégia 20.8 abonará a União de transferir, no mínimo, cerca de R$ 50 bilhões/ano aos entes federados. Só a Paraíba, Estado do relator da matéria, deixará de receber, aproximadamente, R$ 1,39 bilhão/ano. Aliás, todos os Estados receberiam recursos, exatamente por estarem com um custo-aluno/ano abaixo do padrão mínimo de qualidade.

 

Embora já seja vitoriosa na construção do PNE, a sociedade civil não pode se eximir de defender as deliberações da Conae. Mesmo diante do fato de o texto original, encaminhado pelo Ministério da Educação em dezembro de 2010, ser ainda mais tímido do que as preocupantes versões do Senado Federal, a educação brasileira não pode aceitar um PNE frágil, marcado pela desresponsabilização, aquém daquele aprovado na Câmara dos Deputados. O texto precisa avançar, ao invés de permanecer retrocedendo.

 

Assim, a rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, composta por mais de 200 entidades distribuídas por todo país, solicita a retomada da estratégia 20.8, que demanda — na forma da Lei — a complementação da União ao CAQi e ao CAQ. Além disso, defende o retorno do texto das metas 11, 12 e 20 da Câmara dos Deputados.

 

Frente à exigência de serviços públicos de qualidade feita nas manifestações de junho, a sociedade brasileira não pode aceitar a perpetuação de matrículas privadas precárias, pagas pelo dinheiro público. Também não deve permitir a baixa participação do Estado brasileiro, especialmente do Governo Federal, na política de educação básica. A tradição de desresponsabilização do Estado brasileiro, especialmente do Governo Central ou da União, precisa ser superada. E o PNE, definido como mecanismo articulador do Sistema Nacional de Educação, após reforma do artigo 214 da Constituição Federal, necessita ser um instrumento legal capaz de responder a esse desafio.

 

CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Que tipo de pressa nos interessa?


Hoje, durante a sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado se instalou uma polêmica no seio dos parlamentares de das entidades presentes sobre a justeza de votar logo ou não o relatório apresentado.

A liderança do PT lançou uma nota com o seguinte teor:

Um esforço político para acelerar a definição do Plano Nacional de Educação (PNE) - PLC 103/2012 - garantiu a leitura do relatório do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) na reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, nesta quarta-feira (19). A ideia era aprovar o texto para que ele pudesse ser apreciado com urgência pela comissão encarregada de analisar o mérito da matéria: a Comissão de Educação (CE). A CCJ é encarregada de analisar se a matéria é ou não constitucional. Mas a tentativa de agilizar a tramitação acabou barrada pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que pediu prazo (vistas) para analisar o relatório. A votação para semana que vem.

Cabe aprofundar este debate:

1. Em junho, como resposta às manifestações dos jovens brasileiros, o presidente do Senado fez um acordo para agilizar a tramitação do Plano Nacional de Educação, que havia completado um ano de tramitação na Casa. O acordo previa a apresentação do relatório do Senador Vital do Rego na CCJ na semana seguinte, audiência pública na subsequente e votação na Comissão de Educação em seguida. Como todos sabem "não houve recesso" oficial, mas o Senado e a Câmara desaceleraram suas atividades (sempre é possível fazê-lo!!).

2. O governo, que não controla a Comissão de Educação, dirigida pelo PSDB e onde o PNE terá como relator o tucano Álvaro Dias, ensaiou nos bastidores segurar a tramitação até mudar comando da referida Comissão ou então conseguir a adesão dos líderes para levar o projeto direto para o plenário sem análise da comissão de mérito.

3. O senador Vital do Rego chegou a inserir o seu relatório no sistema público de consulta (03 de julho), mas em seguida o retirou, sem dar explicações para este gesto inusitado. Ou seja, havia um relatório pronto há exatos 77 dias.

4. Hoje, por volta de 9:30 min, o relator protocolou o seu relatório. Ou seja, os parlamentares só tiveram conhecimento do teor dele quando já estavam na reunião ordinária da CCJ. E começou uma pressão do governo para votar de qualquer jeito o texto. O referido relatório é composto de 82 páginas.

5. Usando o seu direito de ler e fazer juízo de valor sobre o que é votado no parlamento, o Senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) pediu vistas, procedimento que adia a votação por 5 dias. Como outros parlamentares também o acompanharam, obrigatoriamente a matéria estará na pauta na quarta-feira que vem.

Acho risível a nota da liderança do PT (do governo, não esqueçamos!) afirmar que o pedido de vistas impediu a celeridade da tramitação. A culpa do PNE não andar no Senado é do governo, pois ele tem maioria nas comissões e quando lhe interessa as matérias tramitam com velocidade alucinante.

Mas pergunta que deve ser feita é a seguinte: por que será que o governo foi acometido de tão saudável pressa?

1º. Por que o relatório do senador Vital atende aos desejos mais profundos do governo, mantendo a redução dos recursos obrigatórios para investimento público na rede pública;

2º. Por que o relatório enfraquece o pouco que se tinha avançado na materialização do pacto federativo;

3º. Por que o conhecimento do inteiro teor do texto pode aumentar a resistência a sua aprovação e votá-lo sem leitura prévia seria uma forma de "agilizar" os interesses governamentais.

Eu sou um ardoroso defensor de mais breve aprovação do PNE, mas antes de tudo, luto por um Plano Nacional de Educação que seja pra valer, que destine mais recursos para a educação, que comprometa o poder público com percentuais de crescimento da oferta no ensino profissional e superior, que consagre o custo aluno qualidade como referência do financiamento educacional,  dentre outras providências.

Neste caso, vale o ditado popular: a pressa é inimiga da perfeição e levaria mais rápido o texto do PNE a perdição.

Às favas com a voz das ruas


 

Depois de ler atentamente as oitenta e duas páginas do Relatório do Senador Vital do Rego ao PLC 103 de 2012, que estabelece o novo PNE, me veio a cabeça nominar este post da forma acima.

O PNE vai completar aniversário de três anos em dezembro e já completou um ano de tramitação no Senado Federal. A sua única votação, realizada na Comissão de Assuntos Econômicos, foi feita um pouco antes das manifestações de junho, ou seja, em momento em que o governo "pintava e bordava" e não precisava prestar contas com o povo brasileiro sobre o que fazia.

A expectativa era que, da mesma forma que vários projetos saíram da gaveta e foram pautados pelo parlamento após as manifestações, o vento que soprou das ruas mudasse de rumo o debate do Plano Nacional de Educação. eu também comunguei deste otimismo. Mas, ao ler o relatório da CCJ, tenho que admitir que a capacidade  do governo e dos parlamentares de esquecerem dos desejos das ruas é imenso, quase infinito.

O Senador Vital do Rego conseguiu a proeza de piorar ainda mais o que havia sido aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos. De maneira resumida:

1. Reforça a estratégia governista de inserir nos 10% do PIB tudo que é aplicado de dinheiro público com a iniciativa privada. Ele aperfeiçoou a redação, deixando explícito que além dos recursos gastos na rede pública, entrarão na conta:

a)os programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal,

b) as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior,

c) os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil

d) o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal.

2. Em nome da preservação do pacto federativo o relator retirou a obrigação de que ocorram Conferências Municipais e Estaduais antes da Conferência Nacional de Educação.

3. Retirou  o prazo de um ano para a confecção dos planos estaduais e municipais de educação. Agora, em tese, podem ser feitos até o último dia de vigência do novo plano.

4. Retirou o prazo de dois anos para que estados e municípios estabelecessem a regulamentação da gestão democrática.

5. Retirou a obrigação do Executivo enviar até o primeiro semestre do nono ano o Projeto de Lei do próximo plano.

6. Retirou o prazo de dois anos para que o governo institua o Sistema Nacional de Educação.

7. Ele apresenta uma nova redação a Meta 4, expressando o "acordo" de parte das entidades da sociedade civil com o governo e Apaes, segundo a qual enfraquece4 a prioridade de atendimento inclusivo dos portadores de deficiência.

8. Retira do texto a estratégia que previa complementação da união para estados e municípios que não alcançassem o valor do custo aluno qualidade inicial. E manteve o termo "definir o CAQ" ao invés de "implantar o CAQ" em dois anos.

 

além destas mudanças descritas acima, o relator não mexeu nas principais imperfeições introduzidas pela Emenda Substitutiva aprovada na CAE, especialmente:

1. Manteve a retirada do avanço conquistado na Câmara dos Deputados de que expansão das matrículas do ensino profissional deveriam ser 50% públicas.

2.  Manteve a retirada do avanço conquistado na Câmara dos Deputados de que expansão das matrículas do ensino superior deveriam ser 40% públicas.

3. Manteve a supressão da palavra 'pública" na meta 20, retirada que derrubou a destinação de 10% do PIB para a rede pública e inseriu todos os penduricalhos de desvio de recursos públicos para escolas privadas.

 

Considero que a única forma da voz das ruas não serem jogadas às favas é elas se fazerem ouvir e com força. E urgentemente!