sábado, 25 de agosto de 2012

Por que é tão difícil investigar


De tempos em tempos o Brasil concentra suas atenções em algum fato vinculado aos esquemas de corrupção. Pode ser uma operação da Polícia Federal ou mesmo uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Diante destes acontecimentos dois sentimentos começam a crescer: a) finalmente descobriram o maior esquema de corrupção de nossa história; b) agora vamos presenciar o desmonte deste tipo de prática. Também presenciamos o aumento do ceticismo (isso nunca vai acabar! Corrupção está no sangue da política brasileira! Só fingem que investigam, etc.).

Desde que foi desfechada a Operação Monte Carlo, que prendeu parte da quadrilha comandada por Carlinhos Cachoeira, que voltamos a vivenciar este clima contraditório. Mas a atual CPMI trouxe à luz alguns elementos que merecem nossa reflexão.

O primeiro deles é que na raiz dos escândalos de corrupção descobertos e investigados em nosso país está sempre a apropriação do Estado por segmentos empresariais. Os agentes públicos são corrompidos para facilitar o domínio de empresa A ou B na repartição dos recursos do fundo público. O pagamento de propina nada mais é do que o formato encontrado para viabilizar esta apropriação. Ou dito de outra forma, o pagamento de propina aos agentes públicos é a “regra do negócio”, como confidenciou uma integrante de uma das várias quadrilhas que operam tais ações.

O segundo elemento é que na raiz da aceitação do pagamento da propina aos agentes públicos está a necessidade de financiamento privado das campanhas eleitorais. Está consolidado um círculo vicioso: uma empresa só tem acesso a obras e serviços públicos se pagar propina e, por outro lado, só é possível manter-se no poder se o político captar recursos das empresas interessadas em prestar serviço ao poder público. Numa “parceria” contra os interesses dos que contribuem para a formação do fundo público, agentes públicos e empresários fraudam licitações, superfaturam obras e desviam bilhões de reais de sua destinação correta.

O terceiro elemento que contribui com este quadro é a impunidade. O sentimento (baseado na experiência vivida por agentes públicos e empresários) é de que tais práticas não encontram no aparato estatal instrumentos para serem exterminadas e que, mesmo que algum dos esquemas seja afetado, rapidamente outros empresários e agentes públicos ocuparão o espaço vazio deixado e o “sistema” de destinação de recursos do fundo público manterá a lógica atual. A descoberta e prisão de integrantes de um dos inúmeros esquemas faz parte do cotidiano do “sistema” da mesma forma que traficantes contabilizam em seus balancetes as perdas de produtos devido a operações de fiscalização alfandegária, ou seja, tais episódios (reduzidos a custos) são incorporados na margem de risco dos negócios.

O quarto elemento deste mosaico é que este “sistema” estimula e desenvolve poderosas quadrilhas que se especializam em lavar o dinheiro da corrupção, provocando evasão de divisas, aquisição ilícita de bens, criação de empresas de fachada, fraudes tributárias e uma série de outros crimes.

São estes elementos que tornam a atual prática de corrupção sistêmica.  É neste quadro que devemos inserir as enormes dificuldades que um pequeno grupo de parlamentares tem tido para fazer com que a CPMI do Cachoeira investigue o esquema e rompa com o círculo vicioso. Senão vejamos:

1°. Em um primeiro momento todo o esforço dos grandes partidos (com destaque para PT, PSDB e PMDB) foi de circunscrever a investigação aos limites geográficos da região Centro-oeste e dos agentes públicos e privados ali estabelecidos. A lógica era de perder alguns elos do sistema, mas não provocar turbulências no seu funcionamento, especialmente em ano eleitoral, época em que os agentes públicos precisam captar recursos (legais e ilegais) para permanecerem (ou acessarem) no aparato estatal.

2°. A extensão das investigações provocaria uma elevação do percentual de perdas (empresariais e de interesses partidários) a patamares fora da margem de risco que o sistema opera. Daí a resistência em quebrar o sigilo das contas nacionais da empresa Delta Construções. Tal procedimento exporia a própria empresa e provocaria um colapso na sua participação no financiamento privado de campanha (repito: legal e ilegal), alterando as condições de ocupação dos espaços institucionais pelos agentes públicos participantes (políticos de grandes partidos citados e alguns a eles agregados).

3°. A descoberta do modus operandi da empresa Delta, sua extensão nacional e tamanho da movimentação financeira, levaria a instabilidade também para outras operadoras do sistema. Em um primeiro momento a queda de uma concorrente é vista com bons olhos, mas lançar luzes sobre a forma que as empresas se apropriam do fundo público poderia colocar em risco a permanência do círculo vicioso descrito acima.

Por estes motivos é que é tão difícil investigar em profundidade a corrupção em nosso país. E é por isso que querer investigar é uma importante contribuição para quebrar o círculo vicioso. Propostas de financiamento público das campanhas eleitorais ajudam a desestimular uma das pernas do “sistema”, mas precisam estar acompanhadas de maior transparência dos preços de obras e serviços, controle social efetivo sobre os processos licitatórios, efetivo trabalho de inteligência policial acerca da atuação destas quadrilhas e maior rigor e agilidade na aplicação de punições.

Carlinhos Cachoeira não é o maior nem o último dos bandidos brasileiros. É mais um bandido que fez (ou faz) funcionar o esquema de apropriação privada do fundo público em nosso país. Sua prisão contribui, mas não pode ser entendida como solução dos nossos males.

Os grandes partidos permanecem grandes por que acobertam e se beneficiam deste “sistema”. Romper este círculo vicioso é tarefa essencial para a afirmação de um viés menos formal na democracia brasileira.

Um comentário:

Anônimo disse...

A privatização e as PPPs da vida na verdade nada mais são do que uma estatização ao contrário. O Estado brasileiro deixa seu povo no atraso por causa da ganância de "meia dúzia" de abutres.

Obs: Por favor tire daí esse negócio de "eu não sou robô"