terça-feira, 30 de agosto de 2011

Senadora do PSOl propõe nova fonte para educação

A senadora Marinor Brito (PSOL/ PA) apresentou hoje Projeto de Lei que estabelece a destinação do percentual mínimo de 5% da receita do Tesouro Nacional oriunda de dividendos e participações da União nos lucros das estatais.

Segundo Marinor, em 2010 o governo federal recebeu R$ 32 bilhões de dividendos das empresas controladas pela União, com destaque para a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e a Eletrobrás. "Se uma lei como a que estamos propondo estivesse em vigor naquele ano, a educação teria sido contemplada com mais R$ 1,6 bilhão", afirmou.

Uma das principais polêmicas sobre o novo PNE é sobre o percentual de elevação dos gastos públicos em educação para a próxima década. Em 2009 o Brasil aplicava 4,95% do PIB e o governo federal propõe um crescimento de apenas 2% ao final de dez anos.

Inúmeros parlamentares referendaram emendas da sociedade civil que estabelecem um gasto público de 10% do PIB. Recente Nota Técnica elaborada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação prova por a+b que são necessários mais 5,4% do PIB para que o próximo PNE represente um avanço na inclusão educacional.

O Projeto de Lei da Senadora do PSOL possui outro mérito. Ele revoga o conteúdo da Lei nº 9530 de 1997, que destina todos os recursos dos dividendos para o pagamento dos juros e amortização da dívida pública. Caso aprovado, o Projeto garante que estes recursos possam ser aplicados em outras áreas sociais ou projetos de infra-estrutura.

Certamente esta destinação será infinitamente mais apropriada do que a utilização atual.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Credores e suas famílias em primeiro lugar


Hoje pela manhã o governo federal anunciou que vai aumentar a meta de superávit primário, ou seja, vai guardar mais recursos para pagar juros da dívida pública.

Com isso, a meta subirá dos atuais R$ 117,9 bilhões, equivalentes a cerca de 3% do PIB, para R$ 127,9 bilhões, ou 3,3% do PIB, para todo o setor público (governo, estados, municípios e empresas estatais).

O Ministro da Fazenda explicou que “o aumento se dá para impedir o aumento de gastos correntes e para abrir mais espaço para os investimentos subirem no país”.

E em reunião com sindicalistas, a presidenta Dilma pediu aos sindicalistas que "examinem" a conjuntura econômica antes de "criticar" medidas do governo. E afirmou que não é possível aprovar neste momento projetos que aumentam os gastos públicos, como a PEC 300 (que cria um piso salarial para policiais) e a emenda 29 (que regulamenta o dinheiro a ser investido na saúde). E, ao final, ela pediu compreensão dos movimentos sindicais.

Segundo a Auditoria da Dívida, em 2010 foram drenados 635 bilhões de reais para pagamento de juros, amortização e refinanciamento da dívida pública. E os beneficiários desta política são nossos credores:

55% são bancos nacionais e estrangeiros;

21% são fundos de investimentos;

16% são fundos de pensão; e

08% são não-financeiras.

Por outro lado, no mesmo ano, a educação recebeu do Orçamento da União apenas 2,89%, a saúde recebeu apenas 3,91%, a segurança pública foi aquinhoada com apenas 0,56% dos recursos e assim por diante.

Esta nova medida deixa transparente um fato muito relevante: o país muda de presidente, muda de partido no governo, mas os interesses dos credores nacionais e internacionais não são mexidos. E quando a crise econômica mundial bate novamente as portas do país, o governo prontamente estabelece a ordem de prioridade para o salvamento: banqueiros e suas famílias em primeiro lugar!

Este último anúncio é também ilustrativo da grandeza da batalha pela aprovação de 10% do PIB pra educação com forma de viabilizar um PNE pra Valer. Segundo os dados da Campanha Nacional pelo Direito à Educação são necessários R$ 16,9 bilhões por ano para concretizar um PNE que seja efetivamente inclusivo. Somente para o superávit primário deste ano o governo utilizará R$ 127,9 bilhões.

É fácil ver pra onde está indo o dinheiro da educação.

A luta vai ser dura!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Novo capitulo da luta pelo piso

Esta semana foi marcada por mais um capítulo na luta para que o magistério tenha efetivamente um piso salarial nacional. Finalmente o STF publicou o Acórdão da Decisão tomada em 27 de abril deste ano, quando julgou improcedente a ADIN 4167 que tentava derrubar a lei do piso.

Os professores de vários estados fizeram greves (como no Rio de Janeiro), outros continuam em greve (Ceará e Minas Gerais são bons exemplos) e em alguns estados existem greves agendadas para inicio de outubro (Pará é um desses estados). Essa mobilização congrega professores estaduais e municipais.

A pauta de reivindicação é bastante semelhante: os professores querem o cumprimento o pagamento do valor do piso sobre o vencimento inicial de suas respectivas carreiras e a garantia de que os professores com habilitações acima do nível médio continuem recebendo salários diferenciados, ou seja, que as carreiras não sejam destruídas para poder pagar o piso.

Os salários dos professores são, em media, apenas 65% dos salários de outros profissionais de igual formação universitária, situação que desestimula as novas gerações a abraçarem o magistério como profissão.

Caso as metas do novo PNE sejam cumpridas no decorrer da próxima década, o Brasil precisará contratar pelo menos 250 mil novos professores.

Caso as metas que dizem respeito aos professores também sejam cumpridas, ao final de dez anos todos os professores terão um curso superior e metade deles pelo menos uma especialização. Tudo isso significa mais necessidade de oferecer carreiras profissionais atrativas e estimulantes.

O primeiro desafio é fazer cumprir a lei do piso. Os governantes que estavam descumprindo a norma utilizando como argumento a falta de publicação do Acórdão perderam o argumento esta semana.

O segundo desafio é impedir que as carreiras do magistério sejam jogadas na lata do lixo.

E o terceiro e maior desafio é obrigar o governo federal, ente federado que fica com 57% de tudo que pagamos de impostos e contribuições, tenha maior participação no financiamento deste processo de valorização do magistério. Nesta batalha o movimento dos educadores, os gestores estaduais e municipais enfrentarão adversários poderosos. Especialmente se posicionarão contra um aumento de gastos federais na educação os credores de nossa divida pública, principais beneficiários da política de superávit primário. E estes senhores possuem muito espaço ma mídia do pais e contam também com muito espaço no governo.

Bem, mas nada que o povo brasileiro conquistou veio de mão beijada. Por isso ainda veremos muita greve, muita passeata, muita pressão sobre o Congresso e sobre o governo.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A voz dos credores

O editorial da Folha de São Paulo do dia de hoje merece ser levado em consideração. Com o título “Programa remendado”, a FSP saiu em defesa da proposta de novo PNE apresentada pelo governo federal.

Suas baterias foram direcionadas para dois “riscos” que o projeto corre em sua tramitação na Câmara dos Deputados: aumento de metas e elevação do percentual de gastos públicos em educação para 10% do PIB.

Os argumentos apresentados são conhecidos:

1. O editorial alerta para a necessidade de “que o desejo de cada parlamentar de deixar a sua marca em um projeto de inegável relevância ou a tentativa de conciliar a defesa de uma miríade de interesses particulares não ponham a perder o que havia de positivo no texto”.

2. Afirma que não “se pode permitir que uma enxurrada de emendas torne o PNE menos exeqüível”.

3. Acusa a emenda que estabelece um gasto público de 10% do PIB com educação até 2020 de ser “não só fantasiosa como deletéria”.

4. “Dados o pífio investimento histórico e o ambiente de restrição orçamentária, a meta parece inatingível”.

5. Considera o “objetivo de 7% já é ousado o bastante” e que a elevação proposta pela sociedade civil “é o caminho mais curto para tornar o PNE um rol de metas inatingíveis e, daí, irrelevantes”.

Após estes arrazoados aconselha o Congresso Nacional a “restringir ao máximo as alterações no PNE encaminhado originalmente pelo governo e votá-lo o mais rápido possível”.

Ao ler o texto tive dois tipos de reação.

A primeira foi de que na falta de textos para o dia de hoje o editorialista da FSP havia “cortado e colado” um pronunciamento do Ministério da Fazenda do governo Dilma (poderia ser escrito também no governo Lula ou FHC sem que o texto fosse muito diferente).

A segunda reação, mais racional, foi procurar os motivos e os interesses para este editorial. Acho que há uma clara preocupação de que a movimentação da sociedade civil ganhe força e aprove metas mais audaciosas e um percentual maior de gasto público com educação. E isto vai contra a cartilha em vigência, ou seja, diante do “ambiente de restrição orçamentária” (leia-se crise econômica) é algo inaceitável para as elites que uma parcela maior do fundo público seja “descaminhado” para atender aos mais pobres, aos sem-escola espalhados pelo país.

O Editorial fala em nome dos “nossos” credores, preocupados em manter o governo Dilma no “bom rumo” da priorização dos pagamentos da dívida pública, mesmo que para isso tenhamos que sacrificar nossas futuras gerações e o próprio futuro do nosso desenvolvimento.Afinal de contas este governo continua gastando 45% do Orçmamento Federal com o pagamento da dívida pública e esterilizando todo o lucro das estatais para a mesma finalidade.

De qualquer forma existe um aspecto importante na publicação deste editorial: a mobilização da sociedade civil está surtindo efeito, pois começou a incomodar os que realmente mandam em nosso país.

Os esquecidos pelo MEC

Dois “esquecimentos” identificados nos cálculos do MEC merecem nossa reflexão.

Foram esquecidos 14 milhões de analfabetos

O PL nº 8035 de 2010, em sua Meta 09, apresenta o desafio de alfabetizar todos os jovens e adultos maiores que 15 anos até 2020. E mais, a Meta se propõe a reduzir em 50% o analfabetismo funcional.

Os dados mais recentes da PNAD (IBGE – 2009) mostram que o Brasil possui mais de 14 milhões de jovens e adultos analfabetos maiores de 15 anos.

A planilha de cálculos enviada pelo MEC não estima custo para a realização desta tarefa. Na verdade, o que está implícito é que os recursos aplicados no Programa Brasil Alfabetizado serão suficientes para cumprir tal tarefa. Mas, de uma forma inexplicável, o Ministério afirma na planilha que os custos desta grandiosa tarefa estavam embutidos no volume de recursos previstos para o cumprimento da Meta 10, que trata de converter 25% das matrículas de Educação de Jovens e Adultos em ensino profissionalizante.

Simplesmente os analfabetos foram esquecidos pelos cálculos do MEC.

A Nota Técnica da Campanha refez os cálculos, e concluiu que para a universalização da alfabetização de jovens e adultos deveria ser considerado que a alfabetização pode ser feita em seis meses, por isso foi estabelecido como valor a metade do custo aluno/ano calculado pelo CAQi para EJA em seguida, foi diminuído deste valor o custo per capita do Programa Brasil Alfabetizado aplicado em 2010 (R$ 410,12).

a) 14.104.984 matrículas X (R$ 2.396,44/2 – R$ 410,12)

14.104.984 matrículas X R$ 788,10 = R$ 11.116.137.890,40

Além disso, foi calculado o custo de incorporação de 30% dos estudantes de EJA na rede regular de ensino, usando como parâmetro o valor do CAQi da EFSI, ou seja, R$ 2.396,44.

b) 4.231.495 matrículas X R$ 2396,44 = R$ 10.140.523.877,80

c) Total Meta 9: R$ 21.256.661.768,20

Foram esquecidos 16 milhões de alunos do Norte e Nordeste

Os indicadores educacionais brasileiros evoluem muito lentamente e um dos componentes que puxa estes resultados para baixo é certamente a situação das escolas nas regiões Norte e Nordeste.

O novo Plano Nacional de Educação deveria propiciar a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” e a garantia de um padrão mínimo de qualidade, mas esse assunto não é tratado no texto do Projeto de Lei do governo.

Com isso, parece que o governo trabalha com uma visão de que apenas as atuais ações são suficientes para diminuir a diferença entre as regiões mais ricas e mais pobres.

A Nota Técnica da Campanha calculou o valor necessário para que as escolas nas regiões Norte e Nordeste alcancem o CAQi. Para este cálculo foi utilizado o valor por aluno identificado pela pesquisa “Gasto Municipal Real” (Undime, 2011). Esta pesquisa identificou a continuidade de enormes distâncias regionais no custo-aluno realmente executado. Por exemplo, um aluno que freqüenta uma creche na região Sudeste tem a sua disposição, em média, R$ 8272,00, mas para um aluno na região Nordeste o poder público oferece apenas R$ 1876,00.

Para se garantir a equidade é necessário que as novas matrículas tenham por base um padrão mínimo de qualidade, mas também é essencial que as escolas atuais tenham condições de alcançar este mesmo padrão. E isto significa injetar recursos públicos nas regiões mais pobres, especialmente nos municípios mais pobres.

No conjunto, para elevar as regiões Norte e Nordeste a um padrão mínimo de qualidade nos próximos 10 anos, é preciso um investimento de, aproximadamente, R$ 16,3 bilhões.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O que diferencia os dois cálculos (MEC versus Campanha)?

Esta certamente é uma pergunta muito relevante e quem sabe a mais importante para quem quiser compreender o que está em jogo no debate do novo PNE.

O que separa as duas propostas não são polêmicas novas no debate educacional. Pelo contrário, vivenciar o atual momento me faz lembrar o grande papel desempenhado por Florestan Fernandes em batalhas anteriores. Espero que o exemplo de coerência deste grande defensor da escola pública e gratuita inspire cada vez mais a ação dos movimentos sociais e dos parlamentares de esquerda na atual batalha.

A primeira diferença é na forma de calcular o custo aluno de cada etapa e modalidade. É uma diferença importante, mesmo que não seja a principal. O MEC utiliza dados extraídos do SIOPE. Este Sistema recolhe informações sobre educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos dos estados e municípios. Porém, recente pesquisa desenvolvida pela Undime, que tive a oportunidade de coordenar, mostrou o quanto distorcido são esses números, especialmente os relativos à educação infantil e EJA.

A segunda diferença, essa sim a fundamental, diz respeito ao eixo de crescimento da oferta de vagas na próxima década. A planilha do MEC trouxe explicitamente uma concepção de que a expansão do ensino superior deve continuar sendo majoritariamente privada (de preferência subvencionada pelo poder público), estabelece uma opção por estimular igual modelo no ensino profissionalizante e abre brechas pra continuidade de uma rede precária na educação infantil (escolas comunitárias).

A Campanha, coerente com as resoluções principais da CONAE e com a tradição do movimento educacional brasileiro, caminha em direção oposta. A expansão das matrículas deve ser prioritariamente pública, pois trabalha com o conceito de educação como direito de todos e dever do Estado (já li algo muito semelhante em alguma Carta Magna de algum país latino americano!). Apresentou emendas para que 80% da expansão do ensino profissionalizante seja público e 60% da expansão no ensino superior.

A tentativa teórica de quebrar fronteiras que sempre foram nítidas entre estes dois conceitos teve grande expressão no governo FHC, esteve presente no governo Lula e parece que não foi abandonada pelo governo Dilma.

A planilha do MEC é coerente com a “cláusula pétrea” dos governos brasileiros de que a verdadeira prioridade de gastos é o pagamento dos juros e amortização da dívida pública, mantendo contentes nossos credores especuladores do mercado financeiro. Por isso é necessário realizar malabarismos na planilha apresentada, contanto que ao final os números apresentem resultado que não mexa com a prioridade estabelecida. A defesa explícita feita na Nota técnica do MEC é de que basta manter o crescimento registrado de gasto público dos últimos quatro anos para resolvermos os principais problemas educacionais. Na verdade, não acho que existam pessoas que acreditem neste discurso, mas ele ajuda a justificar as escolhas.

A Campanha aponta para uma dinâmica diferenciada. Ao elaborar a proposta de Custo Aluno-Qualidade esta rede de entidades propôs que o país verificasse primeiro qual o padrão mínimo de qualidade compatível com o direito a educação para todos e aceitável para o nível de desenvolvimento nacional e que os recursos necessários para se atingir este objetivo fossem priorizados, seja pela justiça social embutida nesta decisão, seja pelo efeito benéfico da elevação da escolaridade da população para o próprio desenvolvimento nacional.

São muitas diferenças e é preciso que cada cidadão pressione os parlamentares de seu estado para que reforcem o lado correto deste debate.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Por que 7% do PIB para a educação é pouco?

Esta pergunta é feita de maneira periódica por parlamentares membros da Comissão Especial que analisa na Câmara dos Deputados o PL n° 8035/2010. Para respondê-la foi necessário destrinchar o conteúdo do documento encaminhado pelo MEC ao Congresso Nacional intitulado de “Previsão de investimento necessário para cumprir o PNE, além do investimento atual de 5% do PIB”. Na verdade este documento é uma planilha com a memória de cálculo dos custos das metas presentes no Projeto de Lei do PNE.

A Nota Técnica da Campanha enumera as principais deficiências e inconsistências da referida planilha. Resumo aqui os argumentos apresentados.

1. Os valores de custo-aluno utilizados pelo MEC, especialmente para a educação básica, não correspondem à realidade vivenciada pelas redes públicas. Eles se baseiam nos dados do SIOPE, que não são desagregados para todas as etapas e modalidades e apresentam distorções no que diz respeito aos custos da educação infantil.

2. Mesmo que esses valores fossem compatíveis com o valor realmente aplicado, é equivocado projetar para os próximos 10 anos gastos de custo aluno/ano que não enfrente o problema da qualidade da educação brasileira, especialmente no que se refere à garantia de oferta de um padrão mínimo de qualidade para todos os brasileiros e todas as brasileiras.

3. É muito grave o fato da planilha de custos do MEC trabalhar com parâmetros que não foram explicitados no Projeto de Lei, postura incompatível com a necessária transparência que uma lei deve ter. Por exemplo, ela calcula os custos do ensino superior mantendo a proporção atual de participação do setor público (26,4% das matrículas), mas esse dado não é apresentado no texto legal que tramita na Câmara dos Deputados, mesmo que tal definição seja significativa para a definição das projeções de custos.

4. O MEC assume que não há custo para o cumprimento de metas efetivamente custosas. O caso mais gritante é a não estimativa de custos da alfabetização de 14 milhões de jovens e adultos.

5. Os cálculos apresentados não levam em consideração os custos para a elevação do padrão de qualidade, tal como exige a CF/88, no atendimento ofertado a 16 milhões de crianças, adolescentes, jovens e adultos em escolas de educação básica das regiões Norte e Nordeste do país. Um enfoque que leve em conta a equidade possui custos financeiros e estes estão ausentes da planilha governamental.

Com estas deficiências e alguns erros de cálculo, o MEC conseguiu construir uma planilha que consegue enquadrar os custos do novo PNE nos estreitos marcos financeiros defendidos pela área econômica do governo.

Nova fase do debate do PNE

Na manhã de ontem (17 de agosto), em uma sala da Casa de Retiros Assunção, localizada em Brasília, o movimento social organizado escreveu um capítulo importante do debate educacional brasileiro.

Neste local aconteceu o 7° Encontro Nacional da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que é uma rede que articula mais de 200 grupos e entidades distribuídas por todo o país, incluindo movimentos sociais, sindicatos, organizações não-governamentais nacionais e internacionais, fundações, grupos universitários, estudantis, juvenis e comunitários, além de centenas de cidadãos que acreditam na construção de um país justo e sustentável por meio da oferta de uma educação pública de qualidade.

É uma rede que busca ter incidência na formulação de políticas públicas educacionais e prioriza no momento interferir no conteúdo do novo Plano Nacional de Educação que tramita na Câmara dos Deputados.

E por que considero um dia histórico? Por que no dia de hoje a Campanha apresentou o documento intitulado “Por que 7% do PIB para a educação é pouco? Cálculos dos investimentos adicionais necessários para o novo PNE garantir um padrão mínimo de qualidade”.

É um documento que enfrenta dois problemas. Enfrenta, em primeiro lugar, um problema histórico dos movimentos socais no Brasil, que é o de quantificar de forma convincente os custos de suas reivindicações. São apresentados dados sólidos de quanto custará ao país a decisão de aprovar um plano educacional que seja capaz de soerguer os nossos indicadores e elevar a educação para patamares compatíveis com o nível de desenvolvimento nacional.

E, em segundo lugar, enfrenta um problema conjuntural. Ao enviar ao Congresso Nacional uma planilha de custos defendendo a ampliação de apenas 2% do PIB nos gastos educacionais para a próxima década, o MEC buscou carimbar as reivindicações da sociedade civil como irreais e sem base científica, restringindo o debate do financiamento educacional ao discurso do possível. O documento apresentado hoje é uma firme e consistente resposta ao MEC.

A defesa de um investimento de pelo menos 10% do PIB estava presente na proposta alternativa aprovada pelas Conferências Educacionais da década de 90 e formalizada como Projeto de Lei no final dos anos 90 pelo deputado federal Ivan Valente. O leque de entidades, pesquisadores e gestores que apóiam a elevação dos gastos públicos em educação para este patamar é bastante grande nos dias de hoje. O documento fornece os elementos técnicos para qualificar a defesa desta bandeira.

Sinto-me honrado de ter colaborado com a construção deste momento. Foi um processo construído por muitos companheiros da luta atual e é o desdobramento da luta dos que nos precederam em décadas anteriores. Colaborar na produção desta importante ferramenta de luta pelo ensino público é gratificante.

Nos próximos dias irei debater de forma pormenorizada os principais aspectos deste documento.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Nota Técnica defende 10% do PIB para educação

Está acontecendo em Brasília o 7º Encontro Nacional da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O Encontro tem como objetivo reunir os membros da rede para discutir sua atuação nos âmbitos regionais e nacional e também planejar estratégias e ações para os próximos anos.

Amanhã (17.08) o Movimento “PNE pra Valer!”, criado e coordenado pela Campanha Nacional, irá divulgar Nota Técnica que justifica a aplicação do equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) em educação no país.

Este valor é defendido pela Campanha desde que o PL 8035/2010 (PNE – Plano Nacional de Educação) começou a tramitar no Congresso Nacional, em 15 de dezembro de 2010. A Campanha vem incidindo na criação do novo PNE desde as etapas municipais da Conae (Conferência Nacional de Educação). Em fevereiro de 2011, a rede apresentou 101 emendas ao projeto de lei.

Orgulho-me muito de ter ajudado na sua produção e colaborar com esta importante rede da sociedade civil. Certamente o debate sobre o financiamento da educação é o ponto mais delicado do novo Plano Nacional de Educação.

Após o lançamento da Nota técnica farei questão de discutir os seus principais aspectos neste espaço virtual.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Para entender os acontecimentos chilenos - II

Mesmo não concordando com a conclusão dele sobre o caso brasileiro, reproduzo entrevista concedida a Carta Capital pelo educador Juan Eduardo García-Huidobro, hoje decano da Faculdade de Educação da Universidade Alberto Hurtado, e que coordenou uma Comissão que tentou chegar a um acordo durante a primeira revolta estudantil (2006).
Sua entrevista agrega mais elementos aos comentários que postei no dia de hoje.

CartaCapital: Há relação entre os protestos deste ano e os que ocorreram em 2006?

Juan García-Huidobro: Eu acredito que, a fundo, trata-se exatamente da mesma coisa. Em boa parte, a situação atual se deve ao fato de o governo Bachelet não ter chegado a uma “solução” que conseguisse confrontar os problemas reais. O que os estudantes pediram em 2006, continuam pedindo hoje: fortalecer a educação pública e não o lucro. O que causa tudo isso é um sistema em que 50% da educação básica, mesmo recebendo subsídios do estado, têm autorização para cobrar mensalidades das famílias. A distribuição da educação para a população ocorre não em função de um conceito democrático, mas sim em função da capacidade de pagamento da família. Isso gera diferentes redes sociais, em que as crianças provenientes de famílias mais pobres, que na maioria das vezes têm menos hábito de leitura, por exemplo, ficam confinadas em uma determinada escola. Já os filhos de famílias mais abastadas vão estudar todos juntos. Isso gera uma desigualdade de preparo muito grande quando se chaga à universidade.

CC: E as provas de seleção de alunos do ensino básico, também não estimulam a desigualdade?

JGH: Isso foi uma das conquistas do movimento de 2006. Na teoria, nunca foi permitido fazer provas de seleção para separar os “melhores” e os “piores” alunos, mas era tolerado. O que acontecia é que as escolas privadas, mesmo recebendo fundos públicos, selecionavam os alunos que não tinham dificuldade e deixavam os demais para o sistema totalmente público. Desde 2009 essa prática está proibida até o ensino secundário (fundamental brasileiro), mas ainda é permitida para o ensino médio. Pelo menos avançamos na metade do ciclo, mas a seleção mais brutal ocorre por meio do dinheiro, e isso não está proibido.

CC: Como funciona exatamente o sistema de financiamento pelo estado das escolas públicas e privadas?

JGH: No Chile o sistema educacional funciona pelo chamado financiamento compartido. Ou seja, tanto a escola pública quanto a privada tem o mesmo direito de receber do estado para educar. O problema é que a escola pública não pode cobrar nada dos pais, enquanto que a escola privada cobra um adicional que pode chegar ao dobro. Assim, hipoteticamente, 50% da população é educada por um valor de 100 pesos por aluno, enquanto que a outra metade é educada com o mesmo valor pago pelo estado, mais 100 pesos da família. Assim temos escolas subsidiadas pelo estado para cada nível socioeconômico distinto.

CC: Os protestos de 2011 são comandados pelos estudantes universitários. Isso é um elemento novo que garante mais força ao movimento?

JGH: Isso é algo novo, as manifestações de 2006 foram de estudantes secundários, não de universitários. Hoje, os alunos do ensino superior são os mais ativos e lutam para chegarmos a um sistema com muito mais gratuidades. Eles querem que 70% dos universitários tenham educação gratuita, enquanto que os outros 30% com mais condições financeiras paguem.

CC: Como funciona esse sistema?

JGH: São dois créditos. O primeiro, bem pouco abrangente, começa a cobrar do estudante dois anos depois da formatura. É um crédito do estado e a mensalidade nunca pode superar 5% do salário. Os desempregados não pagam e a dívida é perdoada se a pessoa não conseguir quitá-la em 20 anos. O problema é que há uma enorme quantidade de inadimplentes, até porque as universidades são pouco eficientes em realizar as cobranças. Com isso, os inadimplentes aparecem em listas de devedores e não conseguem crédito para financiar uma casa, por exemplo.

O restante do sistema, cerca de 70% dos matriculados, recebe um crédito chamado “com aval do estado”. É muito mais cruel que o anterior. Quem cobra é o banco privado, por isso os boletos costumam ser entregues com bastante eficiência. A taxa de juros anual é de 5,7%, comparado a 2% do crédito estatal. Não há perdão da dívida, se o ex-estudante está desempregado tem de pagar, se o valor ultrapassa 5% do seu salário paga da mesma forma. É verdade que isso possibilitou um aumento expressivo no acesso ao ensino superior. Mas os estudantes que começaram um curso em 2007 percebem que pagar essa dívida é algo complicado. O governo chegou a propor baixar os juros desse crédito para 4%, assumindo os custos da diferença, e formar uma comissão de estudos para elaborar um projeto de apenas um crédito, que deixe pelo menos os 40% dos estudantes mais pobres numa situação de bolsa de estudo e não de crédito.

CC: O senhor acredita que um dia o Chile caminhará para a total gratuidade da universidade pública, como, por exemplo, no Brasil?

JGH: É preciso ter cuidado. É verdade que no Brasil a universidade pública é gratuita. Mas também é verdade que o investimento educacional é tremendamente regressivo do ponto-de-vista social. O dinheiro vai para os mais ricos. Diante disso, eu defendo um modelo que seja um meio termo. O que se cobra hoje no Chile é excessivo, mas eu acho justo que haja algum tipo de devolução ao estado pelo menos para os 50% mais ricos da população. O que temos que fazer é considerar todos os meios possíveis para fazer da educação superior um canal de mobilidade social. Não cobrar nada, mas permitir que somente os ricos cheguem à faculdade é igualmente perverso. Temos que assegurar o ingresso a todos fazendo com que os mais ricos devolvam um pouco de dinheiro e os mais pobres não devolvam nada.

CC: De que forma o atual modelo educacional chileno é consequência do regime de Pinochet?

JGH: Na América Latina existe uma penetração muito forte do neoliberalismo nas políticas sociais. A diferença é que no Chile isso ocorreu da noite para o dia em uma ditadura. Mesmo se não tivéssemos vivido a desgraça de Pinochet, ainda assim teríamos que lidar com a desgraça das políticas neoliberais na educação. Hoje mesmo ainda existem países centro-americanos que se aventuram nesse conto da municipalização, mesmo após ver no Peru e no Chile que claramente isso não funciona. Existe uma espécie de senso comum na América Latina de que o mercado distribui melhor do que o estado, o que nos levou a essa situação.

CC: Quais são as críticas a um sistema municipalizado?

JGH: A municipalização foi algo decretado de um dia para o outro, em 1980, durante a ditadura. Queriam acabar com o centralismo, até então todas as políticas educacionais dependiam do Ministério da Educação em Santiago. O problema é que junto a isso quiseram criar um mercado da educação, e, portanto, deram às escolas privadas os mesmos benefícios das escolas públicas, com a falsa ideia de que a competição entre o público e o privado geraria uma melhora educacional.

Há outras críticas. Em um país com realidades tão díspares como o Chile, uma educação sob a tutela do município faz com que o estado perca sua capacidade de assegurar a todos os cidadãos uma educação de qualidade, independentemente de onde vivam. A educação começa a mimetizar-se à pobreza e à incultura do local onde está localizada. Nos municípios ricos, há o aporte do estado e o próprio município tem condições de colocar mais dinheiro. Nos locais mais pobres, os prefeitos têm de fazer cortes em outras áreas se querem equipar suas escolas com vídeos e projetores, por exemplo. Então, gera-se uma desigualdade, que vai crescendo. A desmunicipalização era uma luta em 2006 e continua muito forte agora.

CC: O governo é reticente a desmunicipalizar pelo custo financeiro que isso teria? O Chile teria de gastar mais do seu Produto Interno Bruto (PIB) em educação?

JGH: Não é um problema de dinheiro, é um problema ideológico. É um conceito da direita que crê necessário ter um estado pequeno, que faça o menos possível. Tudo o que esteja relacionado a entregar o controle ao estado é mal visto. Mas, se pegarmos uma calculadora, não ter a educação administrada por 350 órgãos distintos e sim tê-la administrada por 50, que é o número aproximado de províncias, já geraria uma economia brutal. Ressalto que assim continuaria a ser um sistema descentralizado. É preciso lembrar, é claro, que não estamos falando do Brasil, e sim de um país com 16 milhões de habitantes.

CC: Qual a sua análise do pacto educacional de 2006, quando o senhor foi presidente do Conselho Assessor Presidencial?

JGH: O papel do conselho era deixar bem claro quais eram as propostas tanto da direita, quanto da esquerda e do centro. Em alguns aspectos, como a gratuidade, o fim dos exames de seleção e a desmunicipalização, havia um consenso maior por parte da esquerda. Como a lei precisava de uma aprovação de quatro sétimos para ser validada, o governo negociou um pacto que ao final não fez as alterações que as pessoas pediam. A situação não mudou muito do que já existia na ditadura. Os protestos mostram que claramente a sociedade chilena está mais avançada do que a lei. O atual sistema permite que muitos negociantes entrem na área da educação unicamente porque vêm boas oportunidades de lucro. Alguns argumentam que não existiria a expansão educacional que o Chile viveu nos últimos 20 anos sem esse componente do privado e do lucro. Mas eu, assim como boa parte da população, encaro essa análise com desconfiança.

CC: O senhor acha que o governo Piñera promoverá mudanças mais estruturais?

JGH: Hoje o movimento social é bem mais forte do que em 2006. Mas eu não sou otimista ao ponto de acreditar que a curto prazo haverá mudanças radicais, porque a ideologia deste governo caminha na direção contrária. Algumas propostas deste governo são razoáveis. Mas não há nenhuma proposta para que deixemos uma situação regulada pelo mercado para uma regulada pela democracia. Há bastante incerteza, os protestos crescem a cada dia e em algum momento Piñera terá que entrar de verdade nas negociações.

CC: Por que esses protestos estudantis mobilizaram tanto a sociedade chilena? Havia já um descontentamento coletivo?

JGH: Existe um descontentamento diante de um momento de melhora econômica. As pessoas não protestam porque a situação está pior do que há uma década, e sim porque a economia está melhor, mas a desigualdade permanece igual. Se analisarmos o crescimento econômico do Chile desde os anos 90, houve um aumento de riqueza brutal, mas o índice Gini, que mede a desigualdade, não sofreu alterações. Há mais emprego, mas os salários dos mais pobres não aumentaram. E isso gerou uma sensação de descontentamento geral.

Para entender os acontecimentos chilenos


Nas últimas semanas os brasileiros acompanham seguidas manifestações de estudantes no Chile. Da mesma forma assistem uma feroz repressão do governo daquele país. Porém, a cobertura da mídia não esclarece os reais motivos dos protestos.

Tentarei ajudar neste esclarecimento neste espaço virtual. Não só por que a mídia não é neutra e propositalmente não elucida as motivações, mas principalmente por que o modelo educacional chileno é utilizado pelos neoliberais brasileiros como símbolo de sucesso educacional, o qual deveria ser seguido.

Em que se baseia o “sucesso” chileno que entrou em crise com as manifestações dos estudantes? A educação chilena, pelo menos da ditadura Pinochet em diante, baseia-se em três características fundamentais: a) descentralização da gestão; b) subvenção pública à demanda e c) “financiamento compartido” (Zibas, 2008).

Traduzindo cada um desses aspectos:

1. O governo federal subsidia escolas particulares e municipais de acordo com a matrícula escolar;

2. A rede privada subvencionada pelo Estado chileno representava 43% das matrículas em 2005 do ensino fundamental e médio;

3. No governo de Michelle Bachelet foi permitido que os estabelecimentos particulares co9brassem mensalidades de alunos do ensino fundamental e médio. As municipais podem cobrar dos alunos do ensino médio;

4. Como as escolas municipais atendem os mais pobres, esta cobrança, que viabilizaria a escola, não acontece e deixa estas escolas em situação precária;

5. Há um sistema de crédito (tipo FIES) para os alunos, que é administrada pelo setor bancário e gerou algo parecido com a bolha imobiliária, ou seja, muitos tomadores de dinheiro, mas sem condições de honrar as dívidas. É por isso que nas manifestações há testemunhos de universitários que cursaram cinco anos e vão passar vinte anos para pagar o empréstimo;

6. Escolas particulares subvencionadas fazem seleção de alunos, utilizando critérios que as torne rentáveis, ou seja, aprofundando a desigualdade de oferta educacional entre ricos e pobres;

7. Os recursos públicos vão para escolas particulares e municipais independente da renda dos seus alunos, mas as escolas particulares conseguem complementar seus recursos com a cobrança de mensalidade;
8. Relatório da OCDE de 2004 (organismo não alinhado a nenhuma organização de esquerda!) resumiu bem o funcionamento da educação chilena:

“(...) a educação chilena parece estar conscientemente estruturada por classes sociais (...) está influenciada por uma ideologia que dá importância indevida aos mecanismos de mercado para melhorar o ensino e a aprendizagem” (OCDE, 2004, p. 290, tradução de Zibas, 2008).

O modelo educacional chileno foi um laboratório para várias práticas neoliberais, muitas das quais se implantaram no Brasil. Destaco a avaliação educacional por meio de testes em larga escala e o empréstimo estudantil. Algumas não se firmaram no Brasil, mas continuam sendo defendidas, especialmente a essencial do modelo que é voucher educacional e a idéia de repassar a contratação dos professores para cada escola.

Em 2006 os estudantes chilenos deram o primeiro sinal de que o sistema estava falindo. A resposta do governo de Bachelet (Bloco Concertácion) foi um acordo com os conservadores da Alianza, que representou a continuidade da política educacional de Pinochet, ou seja, não alterou a essência do modelo. Aquela primeira marcha ganhou o nome de Revolta dos Pinguins, numa alusão aos uniformes tradicionais dos estudantes.

Hoje os estudantes voltam às ruas com muito mais força e com reivindicações mais claras. Eles querem resgatar a tradição de escola pública que Pinochet extinguiu e os governos social-democratas não tiveram coragem de mexer. A volta da direita ao governo, os efeitos da crise econômica mundial e o esgotamento da capacidade de pagamento das famílias foram o ambiente dos novos protestos.

Atualmente, mais de 100 mil estudantes encontram-se em situação de inadimplência, com uma dívida média de 2.700.000 milhões de pesos chilenos (mais de US$ 5.000). Em um país em que mais de um milhão de pessoas recebe por mês salários mínimos de US$ 377, é perfeitamente possível entender como os mais pobres ficam fora da universidade, enquanto que as classes médias ficam empobrecidas por décadas.

Concordo com Christian Palma, que em matéria traduzida pela Carta Maior resumiu a situação da seguinte forma:

“O eixo das reivindicações do movimento estudantil é justamente uma demanda estrutural que foi bloqueada por décadas, desde o governo militar, passando pelos governos da Concertação. Por isso, nos desfiles de cada marcha, encontram-se grandes bonecos que são réplicas dos últimos quatro presidentes desde que, em 1990, o Chile retornou à democracia, representando as reformas cosméticas feitas na educação, aprofundando a participação do setor privado em um bem social”.

O modelo chileno se esgotou, pelo menos está esgotada a paciência da população chilena com ele. Espero que uso do seu exemplo também se esgote no Brasil.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Tariq Ali: ''Distúrbios em Londres: por que aqui e por que agora?''

Opera Mundi - [Tariq Ali] Por que será que sempre as mesmas áreas explodem antes, independente do motivo? Puro acidente? Talvez tenha algo a ver com raça, classe social, pobreza institucionalizada ou o simples e cruel dia-a-dia? A coalizão de políticos (incluindo os novos Trabalhistas, que são capazes de formar um governo de unidade nacional caso a recessão continue), com suas ideologias petrificadas, não podem dizer isso, porque os três partidos são responsáveis pela crise. Eles criaram a bagunça.

Eles privilegiam os mais ricos. Eles deixaram claro que juízes e magistrados devem dar o exemplo aplicando sentenças punitivas contra manifestantes encontrados com armas de brinquedo. Eles não questionam seriamente porque nenhum policial foi julgado pelas mais de mil mortes sob custódia desde os anos 1990. Não importa o partido, ou a cor da pele do primeiro-ministro, eles dizem os mesmos clichês. Sim, sabemos que a violência nas ruas de Londres é ruim. Sim, sabemos que saquear lojas é errado. Mas porque isso está acontecendo agora? Por que isso não aconteceu ano passado? Porque descontentamentos crescem com o tempo, porque quando o sistema deseja a morte de um jovem negro oriundo de uma comunidade carente, ele deseja, simultaneamente, se não inconscientemente, uma resposta.

E pode piorar se os políticos e a elite econômica, com o apoio da televisão estatal e das emissores de Murdoch, falharem em lidar com a economia e punirem os pobres e menos favorecidos pelas políticas de governo que eles vêm promovendo pelas últimas três décadas. Desumanizar o "inimigo", em casa e no exterior, criando medo e prisões sem julgamentos, não funciona para sempre.

Se existisse uma oposição séria no país, ela estaria argumentando a favor do desmonte do andai e instável do sistema neo-liberal antes que ele se desintegre e prejudique ainda mais pessoas. Ao redor da Europa, as características exclusivas que distinguiam centro-esquerda de centro direita, conservadores de social-democratas, desapareceram. A mesmice da política oficial priva os segmentos menos privilegiados do eleitorado, ou seja, a maioria.

A juventude negra desempregada ou semi-empregada em Tottenham e Hackney, Enfield e Brixton, sabe bem que o sistema está contra ela. O blá blá blá dos políticos não tem qualquer impacto nessas pessoas, ainda menos nas que estão provocando incêndios nas ruas. O fogo será extinguido. Haverá algum inquérito patético ou outros para avaliar porque Mark Duggan foi morto a tiros, desculpas serão ditas, flores da polícia serão depositadas no funeral. Os manifestantes presos serão punidos e todos darão um suspiro de alívio e seguirão em frente. Até que aconteça de novo.

* Tariq Ali é um escritor e ativista paquistanês e escreve periodicamente para o jornal britânico The Guardian e para a revista New Left Review. Artigo originalmente publicado no LRB blog.

Colocar uma placa resolve?


As escolas municipais da capital do Rio de Janeiro ganharam uma “ajuda” importante para “melhorar a qualidade do ensino”: todas receberam uma placa com as notas e as metas que o colégio obteve no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), do governo federal, e no IDE-Rio, avaliação do município.

Segundo levantamento feito pelo Jornal O Estado de S. Paulo, nos últimos meses, várias leis, decretos e portarias também tratam do assunto em outras cidades e Estados. E na Câmara dos Deputados um projeto de lei determina que todas as escolas públicas brasileiras fixem uma placa de no mínimo 1 metro quadrado com a nota do Ideb.

Alguns gestores ouvidos pela reportagem do Estadão justificam a colocação de placas com o discurso de que isso permite que os pais saibam do desempenho da escola dos seus filhos e força os docentes e diretores a trabalhar mais.

A idéia de colocar uma placa na frente da escola com a nota num teste de aprendizagem de seus alunos é errada por vários motivos:

1º. O IDEB Nacional, o IDE do RJ ou o SARESP de SP são indicadores parciais da realidade escolar. Várias pesquisas mostram que fatores escolares e sociais incidem no desempenho dos alunos e estes não são captados por estas provas.

2º. A exposição da escola (e de seus alunos) não possui nenhum efeito positivo, principalmente por que estimula a visão de que a superação dos problemas de desempenho está sob a responsabilidade exclusiva da escola, ou seja, bastariam mais vontade e compromisso dos professores para que tudo melhore.

3º. Como as escolas refletem as desigualdades sociais existentes na sociedade, esta medida culpa as escolas localizadas em regiões mais pobres por desempenhos piores dos seus alunos, reforçando o estigma existente.

A posição do MEC foi decepcionante, pelo menos no que foi publicado (não li nenhum desmentido). O MEC teria dito que “vê com entusiasmo a discussão, mas pondera que Prova Brasil (que compõe o índice) é um exame voluntário e que, diante da obrigatoriedade da divulgação de resultados ruins, as redes possam preferir não participar da avaliação”. Ou seja, a preocupação do MEC é só com uma retração da participação nos exames, não tendo apresentado nenhuma avaliação mais crítica sobre a proposta, pelo contrário, teria ficado entusiasmado.

Continuamos reforçando mitos, dentre eles o que afirma que basta testar a aprendizagem dos alunos em uma prova nacional para que tenhamos um diagnóstico da qualidade do ensino de uma escola ou de uma rede.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Nova classe média - II

A Folha de São Paulo divulgou dados fornecidos pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras das escolas privadas de ensino superior segundo os quais a evasão no ensino superior privado na Grande São Paulo chega a 27%.

Segundo o sindicato patronal esta desistência atinge principalmente os alunos das classes C e D. Ou seja, a “nova classe média” não está conseguindo se manter nas instituições privadas de ensino superior.

O diretor executivo do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), Rodrigo Capelato, disse ao repórter Fábio Takahashi a desistência está ligada aos alunos das classes C e D. "Os estudantes vêm com dificuldades acadêmicas, não acompanham o primeiro semestre e desistem", afirmou.

Que enrolação! Gostaria de saber quais são os instrumentos científicos que fundamentam esta pérola de cinismo deste dirigente patronal. O que faz estudante abandonar um curso privado é, na grande maioria das vezes, a impossibilidade de pagar as mensalidades e arcar com os demais custos de manutenção.

Concordo com a opinião emitida pelo ex-diretor do Instituto de Física da USP-São Carlos, Oscar Hipólito, que na reportagem afirmou que "o estudante desiste ao perceber que o custo com as mensalidades e a manutenção não valem o que a universidade oferece".

Segundo ele, os dados do MEC mostram que houve 878 mil inscritos para 656 mil vagas. Mas 380 mil postos não foram preenchidos e 187 mil que estavam matriculados abandonaram o curso. "Há gente que quer estudar, mas está insatisfeita com as escolas", afirma Hipólito.

O que mais me preocupa é que na planilha de custos enviada para tentar convencer os deputados federais de que basta passar de 5% para 7% de gasto público em educação, o MEC trabalha com a necessidade de incluir 5,3 milhões de jovens no ensino superior, mas propõe que 74% destes sejam absorvidos pela iniciativa privada.

Faltou combinar o jogo com os russos, ou seja, com os filhos das classes “C” e “D”.

Nova classe média?


A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República promove um Seminário sobre a nova classe média. É um dos assuntos mais badalados na mídia no dia de hoje.

No Brasil, uma das classificações mais usadas para definir quem é classe média é a do pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), em que faz parte da classe média uma família que possui renda mensal de R$ 1.126 a R$ 4.428.

A pesquisa sistematizou dados da PNAD / IBGE. Segundo estes dados a “nova classe média” brasileira, formada por 95 milhões de pessoas, tem a maioria feminina (51%) e branca (52%) e é predominantemente adulta, com mais de 25 anos (63%).

O release da SAE destaca as informações educacionais. Os dados educacionais revelam que 99% das crianças e adolescentes (7 a 14 anos) da classe média freqüentam a escola. A proporção é a mesma que a da classe alta. A freqüência escolar nas faixas etárias mais velhas é, no entanto, comparativamente menor. Na classe alta, 95% dos jovens de 15 a 17 anos e 54% dos adultos de 18 a 24 anos freqüentam escola; enquanto, na classe emergente, os percentuais caem para 87% e 28%, respectivamente.

Em relação aos gastos as famílias da “nova classe média” gastam mais de sua renda com alimentação, habitação, vestuário, higiene e cuidados especiais, assistência à saúde, fumo e serviços pessoais do que as famílias da classe alta (classes A e B).

De um lado mais parece um esforço para criar um discurso de que a desigualdade está
diminuindo devido ao esforço do governo. De outro lado, o seminário obriga o governo a pensar políticas específicas para este segmento, que segundo os dados se tornou decisivo para qualquer pleito eleitoral.

É contraditório o recente interesse governamental pela classe média. Em recente votação no Congresso Nacional o governo manteve a lógica regressiva da tabela do imposto de renda, que penaliza a classe média (velha ou nova, tanto faz!). A correção da tabela também ficou aquém do necessário, sendo corrigida em 4,5% e as perdas inflacionárias acumuladas era de 54%. Um cidadão que ganha 4 mil reais paga 27,5% de IR, mesmo percentual pago pelo Eiki Batista.

As políticas macro-econômicas do governo beneficiam os que vivem de especular no mercado financeiro, prejudicando todos os segmentos que vivem do trabalho, dentre eles, a maior parte desta “nova classe média”.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Caminho errado

Um dos problemas mais graves na educação nacional é a baixa cobertura no atendimento em creche. Apenas 18,4% das crianças conseguem inclusão em alguma unidade educacional, mesmo que muitas delas sejam precárias e mantidas por entidades comunitárias ou religiosas e subsidiadas pelo Poder Público.

Esta realidade é mais grave nas pequenas cidades, mas existe também nas cidades grandes. E como nestas cidades a sociedade civil e a imprensa são mais ativas, o problema ganha visibilidade e torna-se um problema político da agenda governamental.
A cidade mais rica do país não foge desta regra. Em 2010 tínhamos 170.239 crianças matriculadas em creche na capital de São Paulo, mas apenas 25,1% eram municipais.

Hoje a imprensa noticia algumas informações sobre esta ausência de política pública:

1ª. Que a Câmara Municipal de São Paulo aprovou projeto de lei de autoria do vereador Arselino Tatto (PT), que estabelece uma bolsa de R$ 272,50 para cada criança que esteja fila de espera por uma vaga em creche;

2ª. Que existem 147 mil crianças esperando uma chance de estudar numa creche pública;

3ª. Que o Prefeito Kassab (PSD) diz que o problema não é falta de recursos para a construção das creches, mas a dificuldade em encontrar terrenos, desapropriar e construir as unidades. O que justificaria sua idéia de trocar terrenos por creches. O primeiro edital deve sair em cerca de dois meses.

O Plano Nacional de Educação que vigorou até dezembro propunha que hoje tivéssemos 50% das crianças de zero a três anos estudando. Esta meta não foi cumprida e a proposta enviada pelo governo para o novo plano repete a mesma meta.Será necessário incluir mais de 3 milhões de crianças no atendimento escolar somente para cumprir esta meta.

Este esforço precisa ser público e conjugado, ou seja, a obrigação é da prefeitura, mas cabe ao Estado e a União participar financeiramente deste esforço.

Construir uma unidade de educação infantil não é barato, mas o mais caro é manter o atendimento. Então, a justificativa do prefeito Kassab está incompleta e tergiversa com o fato notório de que seguidas administrações paulistas renegaram o atendimento em creche ao mundo privado.

Contudo, não me parece um bom caminho o projeto do vereador Arselino Tatto, pois caso sancionado provocará a destinação de recursos públicos para a iniciativa privada, pois repassará recursos públicos para os pais comprarem o serviço aonde ele existe, ou seja, nas escolas comunitárias, filantrópicas e privadas espalhadas pela cidade.

Sou favorável ao veto, mesmo que considere que a motivação do prefeito ao vetá-lo (certamente o fará!) não será tão nobre, pois a sua estratégia de troca de terrenos´vai no mesmo caminho errado.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Pará e os conselhos municipais

O Portal IG publicou no dia 31 de julho uma matéria sobre a quantidade de escolas paraenses que não possuem documentos legalizando seu funcionamento junto ao Conselho Estadual de Educação.

Levantamento feito pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) do Pará afirma que metade das escolas existentes no Estado não tem autorização do órgão para funcionamento. Isso significa que pelo menos sete mil colégios, de uma rede de 14 mil, estão irregulares. Os dados incluem escolas da rede municipal, estadual e privada.

Hoje, pelos dados do CEE, existem no Pará 12 mil escolas da rede municipal, 1,2 mil da rede estadual e 800 da rede privada. O maior problema está nas escolas municipais. Pelo menos seis mil estão irregulares, segundo o Conselho Estadual de Educação. “Existem cidades que não têm uma única escola legalizada”, disse a presidente do Conselho Estadual de Educação Paraense, Suely Menezes.

Até 2010, não havia fiscalização do Conselho de Educação. Porém, a resolução 288/2011 do CEE determina que seja realizada uma ação de combate a essas escolas. Todas as instituições de ensino do Pará devem se regularizar até o dia 31 de dezembro desse ano. A idéia do CEE é intensificar as fiscalizações e fechar as escolas irregulares a partir do início do ano letivo de 2012.

Realmente é uma calamidade, mas queria apresentar alguns elementos ausentes nas declarações da atual presidente do CEE do Pará e que me parecem relevantes:

1. As distâncias no Pará são proibitivas para que a legalização das escolas seja feita de maneira centralizada por um conselho Estadual de Educação. Com isso, é razoável esperar que quanto mais distante de Belém mais escolas sem legalização sejam encontradas pelo levantamento do CEE.

2. Durante muito tempo o próprio CEE desestimulou os municípios a utilizarem a prerrogativa legal de possuir sistemas municipais de educação, procedimento que garantiria que seus próprios Conselhos Municipais realizassem a legalização das escolas municipais e das escolas privadas de educação infantil.

3. O país carece de uma legislação que obrigue a existência de um padrão mínimo de qualidade, impedindo com isso o funcionamento de escolas com estruturas precárias e, portanto, inadequadas para a garantia do direito constitucional à educação. Está dormindo na mesa do Ministro da Educação há mais de um ano uma Resolução do Conselho Nacional de Educação que tenta resolver este problema.

4. A falta de fiscalização permite também o funcionamento de verdadeiras arapucas privadas pelo Brasil. Sem fiscalização adequada estas “instituições” contratam profissionais sem habilitação exigida, não integralizam o currículo e ofertam educação de péssima qualidade.

O levantamento do CEE do Pará é importante. É necessário que sejam tomadas providências saneadoras dos problemas de legalização das escolas. Porém, tal procedimento só melhorará a vida concreta dos estudantes se for acompanhada do estabelecimento de padrões mínimos de qualidade e da descentralização da fiscalização.

De volta

Depois de 24 dias sem que atualizasse o blog, período de merecido descanso, retorno no dia de hoje ao funcionamento normal deste espaço de debate educacional.