sexta-feira, 30 de abril de 2010

Casa de ferreiro, espeto de pau.

O INEP é responsável por produzir os instrumentos que permitem o monitoramento da qualidade do ensino em nosso país. Bem, pelo menos esta deveria ser uma de suas principais tarefas, pois a proliferação de exames de larga escala desvirtuam em muito o seu papel de órgão pesquisador.

Dentre os aspectos que todas as pesquisas mostram como fundamental para a melhoria da qualidade do serviço público, sempre aparece a valorização dos trabalhadores em educação.

Pois bem, desde segunda-feira passada os servidores do INEP decidiram cruzar os braços, reivindicando mais valorização e alteração do plano de carreira.
Reproduzo a carta dos servidores abaixo.

Carta Aberta sobre a Greve do INEP

Nós, servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), estamos em greve desde segunda-feira, 26 de abril de 2010. Esta medida foi tomada por chegarmos ao limite do aceitável na mesa de negociações com a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SRH-MPOG). Desde maio de 2009, estamos em processo de negociação por um plano de carreira condizente com o papel do Inep como órgão de excelência na pesquisa para a formulação de políticas educacionais no Brasil. Ressaltamos que nossa mobilização não tem como foco um aumento de salário, nossa luta é por um plano de carreira digno. Para tanto, nossas reivindicações iniciais apresentadas à SRH foram:

• Equiparação dos valores da tabela remuneratória do PEC/INEP ao das novas carreiras;
• Redução do número de padrões de progressão por mérito (de 24 para 13);
• Redução do número de classes de capacitação (de 5 para 4);
• Redução dos interstícios relativos à progressão por mérito (de 18 para 12 meses) e à promoção por capacitação (de 60 para 24 meses);
• Revisão dos vencimentos básicos e do valor dos pontos da GDIAE e da GDINEP (de 0,4 para 0,8);
• Cálculo da Retribuição por Titulação (RT) em bases percentuais (27% para especialização, 52,5% para mestrado e 105% para doutorado);
• Novos parâmetros para a Gratificação de Qualificação (GQ) de nível intermediário (capacitação, graduação e especialização) e em bases percentuais idênticas às utilizadas nos cálculos das RT;
• Abertura de prazo para a adesão ao PEC/INEP.

Apesar de todas as tentativas de um acordo, flexibilizando nossas reivindicações iniciais, a SRH infelizmente não demonstrou coerência e responsabilidade para caminharmos a um consenso. Por exemplo, a manutenção da proposta de 18 padrões com 18 meses de interstícios, rompe com o princípio posto no início das negociações pela própria SRH de que os servidores poderão chegar ao topo da carreira em até 2/3 da sua vida funcional. Com esta proposta, grande parte dos servidores (se continuarem no Inep) iriam se aposentar sem chegar ao último padrão da carreira.

Ser um instituto de excelência na produção de estudos, pesquisas, estatísticas e avaliações educacionais implica torná-las cada vez mais relevantes e acessíveis à sociedade, bem como garantir a confiabilidade e a transparência esperadas. Para isso, é necessário possuir quadros de profissionais altamente qualificados em todos os níveis e uma política de recursos humanos empenhada em assegurar rendimentos e possibilidades de progressão na carreira à altura da missão histórica do órgão.
No passado recente, a criação das carreiras de pesquisa e desenvolvimento serviu para atrair um novo quadro de pessoal ao órgão. Contudo, a permanência destes servidores qualificados vê-se ameaçada com a manutenção do plano de carreira atual. É preocupante a quantidade de profissionais que deixaram o órgão por carreiras mais interessantes. Comparado com qualquer outro órgão de pesquisa federal, o plano de carreira do Inep é o mais longo, tem as mais baixas gratificações e retribuições por titulação e é o que pior remunera.

Pedimos o apoio da sociedade brasileira para que avancemos em uma proposta junto à SRH-MPOG que valorize o trabalho deste Instituto por meio de um plano de carreira justo para seus servidores e condizente com a importância do Inep no cenário da educação atual.



Servidores do Inep em Greve desde o dia 26 de abril de 2010

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Questões pertinentes

Ontem à noite participei de um debate sobre educação no Canal Futura. Foi marcante pra mim a reportagem produzida sobre a situação da oferta de vaga em creche apresentada no programa. A matéria mostrava uma favela paulista que possui 100 mil habitantes e possui três creches instaladas no local, sendo duas conveniadas e uma municipal. Milhares de paulistas esperam na fila por uma vaga para os seus filhos. A realidade destas pessoas não é um fato isolado, na verdade é uma regra em nosso país: a maioria das crianças de zero a três anos está fora da escola.

A CONAE aprovou uma série de propostas sobre este assunto. Destaco a ampliação da cobertura escolar visando universalizar toda a demanda manifesta até 2016 e a extinção dos convênios com entidades filantrópicas no mesmo período, transferindo as crianças atendidas para escolas municipais.

Foi apresentado o resultado de uma enquete sobre educação. A maioria dos respondentes considerou que valorizar o professor é o elemento mais importante para viabilizar a qualidade na educação em nosso país. Em segundo lugar foi votado melhorar a gestão e em terceiro aumentar os recursos da União para a educação.

Durante o debate expressei minha opinião de que as três alternativas não são excludentes e estão intimamente vinculadas. Não é possível garantir o acesso de milhões de brasileiros a escolarização sem elevar os gastos públicos em educação. Por isso é importante a proposta de elevar o gasto público direto para 10% do PIB até 2014 (em 2008 era de apenas 4,7%). E, sem sombra de dúvida, o ente federado que pode contribuir para que o país alcance este patamar é a União. Este ente federado fica com 58% de todo o dinheiro arrecadado via cobrança tributos.

A valorização do professor é fundamental para tornar a carreira do magistério atrativa para as novas gerações. Hoje, mesmo com a aprovação da lei do piso, é muito pouco atrativo cursar uma licenciatura. É necessário cumprir a lei do piso, resolver as indefinições sobre a forma de correção do seu valor, pressionar o STF para julgar a ADI dos governadores, investir em formação continuada, melhorar a formação inicial, estabelecer planos de carreira que estimulem o progresso dos profissionais, e assim por diante.

O debate mostrou também que um dos desafios pós-realização da CONAE é manter um processo de mobilização social, transformando suas propostas em demandas que sejam assumidas por trabalhadores em educação, gestores, pais e estudantes. Sem isso, será muito difícil tornar realidade suas decisões. É preciso traduzir as decisões da Conferência para o cotidiano escolar.

terça-feira, 27 de abril de 2010

A confusão continua

Em 2006 foi aprovada a Lei 11.274/06 que estabeleceu o ensino fundamental de nove anos. Esta lei alterou o artigo 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que passou a ter a seguinte teor:

"Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:”.

E alterou também o inciso I, do parágrafo 3º do artigo 87 da LDB.

“§ 3º. .........................................................................
I – matricular todos os educandos a partir dos 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental;”


Acontece que o artigo 208 da Constituição estabelece no seu inciso IV que:

“Artigo 208: ................................................................................
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;”.


Estas duas redações ajudaram a criar uma grande confusão. Cada sistema de ensino resolveu interpretar a norma de sua maneira. E no meio da confusão está a definição da data limite para que uma criança ingresse no ensino fundamental. As crianças que não completaram seis anos, mas já completaram cinco anos estão no limbo, sendo sua situação resolvida de diferentes formas.

Conclusão: temos hoje crianças com menos de seis anos estudando no ensino fundamental em vários estados brasileiros, de redes estaduais e municipais.

No inicio do ano a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação aprovou a Resolução nº 01/10, que estabeleceu que para a matricula no ensino fundamental a criança deveria ter seis anos completos até o dia31 de março. As que completam seis anos posteriormente a esta data deveriam permanecer na pré-escola. Esta Resolução não foi homologada pelo Ministro da Educação.

Tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei do Senador Flávio Arns (já aprovado no Senado), que altera o artigo 6º da LDB para a redação abaixo:

“Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos 5 (cinco) anos de idade, no ensino fundamental.”

Este Projeto não resolve o problema. Aliás, é um absurdo que o mesmo tenha sido aprovado por ampla maioria na Comissão de Educação do Senado. A sua aprovação definitiva significará legalizar a absurda matrícula de crianças de cinco anos no ensino fundamental, com todas as conseqüências pedagógicas que isto representa.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Desabafo de um professor

Nem todas as pessoas que postam mensagens no meu blog se identificam, seja por que não querem ou por alguma dificuldade na hora da postagem.

Recebi a mensagem de um professor anônimo que reproduzo abaixo. É um desabafo que merece ser discutido.O teor do comentário foi o seguinte:

Em minha opinião tudo isso de CONAE é balela, "conversa pra boi dormir".

Sou professor do Estado e no Município onde resido. Comecei a lecionar para turmas de EJA esse ano de 2010, calendário super atrasado por culpa do Prefeito despreparado e desqualificado para governar um município. Sujeito egoísta e centralizador de tudo inclusive. Esse ano se quer foi fornecido livro para os alunos (número insuficiente), e, segundo informações as verbas são repassadas via Fundeb normalmente. A situação nas escolas é deplorável, começando pelo estado de abandono de muitos prédios e que, às vezes, são mal reformados ou construídos fora dos padrões para uma escola, a começar pela péssima iluminação, ventilação, limpeza, etc. Crianças na 5ª série e 3ª e 4ª etapas, que mal sabem escrever seus nomes. Um descaso total.

Acho que a única saída para melhorar o sistema educacional brasileiro é reverter imediatamente a municipalização do ensino, que somente trouxe o caos que aí está pelo Brasil afora. Em seguida o Governo Federal deveria assumir a educação, principalmente, no interior do país.


Gostaria de comentar a mensagem do professor. Em primeiro lugar, infelizmente a realidade relatada por ele é a de milhares de outros profissionais, que trabalham sem que o poder público ofereça um padrão mínimo de qualidade nas escolas. São problemas de superlotação das turmas, inadequação das salas de aula, falta de recursos pedagógicos e desorganização administrativa. Exemplo disso é a denúncia que faz de que faltam livros didáticos para parte das crianças de seu município.

Em segundo lugar, seu relato questiona a validade da municipalização que ocorreu em nosso país. Não é um estudo sobre o processo, é mais um sentimento de quem vive as conseqüências de um processo que podemos denominar de “prefeiturização” e não de municipalização. Em muitos estados as escolas foram repassadas sem a garantia das condições para o seu bom funcionamento.

Em terceiro lugar, é normal que a convivência com o descaso e as enormes dificuldades relatadas pelo nosso anônimo professor o torne descrente de que acontecerá alguma mudança. Mas este talvez seja o efeito mais perverso das péssimas condições de exercício da profissão. A esperança é uma das mais poderosas armas nas mãos do professor. A nossa tarefa cotidiana é afirmar aos nossos alunos que é possível melhorar, superar obstáculos, desde aqueles do aprendizado até os mais profundos.

Em quarto lugar, a sua proposta de federalização das escolas públicas não deve ser desprezada, mesmo que sua efetivação seja difícil. Mas o mérito está correto: a educação deveria ter por parte da União uma participação mais efetiva, especialmente a educação básica. Esse foi um dos principais eixos do debate ocorrido na CONAE.

Por fim, não considero que as decisões da CONAE sejam “conversa pra boi dormir”, mas também não se constituem em fórmulas mágicas. O mundo continua tão complicado após o término da Conferência quanto estava antes. E todos nós estamos nos perguntando sobre o que fazer para que as propostas aprovadas se tornem realidade.

Bem, a história nos mostra que conquistar uma educação de qualidade dependerá da mobilização da sociedade, especialmente daqueles que são os responsáveis pela formação de nossas crianças.

Não perder as esperanças e lutas por elas é fundamental!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Plano de Ações Articuladas – 4ª. parte

Um dos debates mais acalorados ocorridos na CONAE foi sobre o controle social das políticas educacionais. Este debate está intimamente relacionado à configuração do Sistema Nacional de Educação, do papel atribuído nele aos conselhos de educação e a também a constituição do Fórum Nacional de Educação.

O que este debate tem a ver com o PAR? Bem, quando o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação foi lançado pelo governo federal, foram apresentadas vinte e oito diretrizes que os estados e municípios deveriam aceitar. A 28ª. pode ser lida abaixo:

XXVIII - organizar um comitê local do Compromisso, com representantes das associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público, Conselho Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, encarregado da mobilização da sociedade e do acompanhamento das metas de evolução do IDEB.

Esta prática é recorrente nos programas lançados pelo MEC, ou seja, para cada um deles é proposta alguma ferramenta de controle social. Se esta lembrança constante é positiva, pois mostra uma preocupação com a constituição de espaços de participação social, por outro lado isso tem ajudado a pulverizar as instâncias na área educacional e enfraquecer o papel dos conselhos de educação.

Relembro que durante o debate sobre a regulamentação do FUNDEB houve intensa discussão sobre a permanência dos conselhos de acompanhamento aos moldes dos existentes naquela época no FUNDEF ou se iríamos fazer um movimento para a fusão dos diversos conselhos em torno do Conselho de Educação. A redação do artigo 37 foi um avanço, mesmo que limitado e redigido como possibilidade e não exigência.

Art. 37. Os Municípios poderão integrar, nos termos da legislação local específica e desta Lei, o Conselho do Fundo ao Conselho Municipal de Educação, instituindo câmara específica para o acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundo, observado o disposto no inciso IV do § 1o e nos §§ 2o, 3o, 4o e 5o do art. 24 desta Lei.

§ 1o A câmara específica de acompanhamento e controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundeb terá competência deliberativa e terminativa.

§ 2o Aplicar-se-ão para a constituição dos Conselhos Municipais de Educação as regras previstas no § 5o do art. 24 desta Lei.


O Decreto nº 6094/07 representou um passo atrás nessa trajetória. Ao invés de fortalecer os conselhos municipais de educação, o MEC estimulou a criação de mais uma instância de monitoramento das políticas públicas educacionais.

As informações preliminares apontam para a não efetivação destes Comitês Locais. Se esse balanço pode mostrar a fragilidade do controle social realmente existente, mas pode também auxiliar para uma correção de rumos.

A CONAE apontou para o fortalecimento dos conselhos de educação, tornando-os órgãos deliberativos, normativos e fiscalizadores. Estes conselhos devem ser paritários e possuir autonomia em relação ao poder público. Para que esta idéia vingue nada mais justo do que no mesmo espaço que são editadas as normas de funcionamento das escolas seja também discutido com que recursos essas políticas serão efetivadas, fiscalizando os orçamentos estaduais e municipais, e verificando se o planejamento presente no PAR está de acordo com o Plano Municipal ou estadual de educação.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Debate no Canal Futura

Neste ano de 2010, o Congresso deverá votar o projeto de lei que define as metas para a educação para a próxima década, o chamado Plano Nacional de Educação. As propostas foram discutidas recentemente na Conferência Nacional de Educação, em Brasília, entre elas a universalização do ensino médio, a ampliação do número de vagas na educação infantil e o financiamento da educação.

O tema será discutido no Sala de Notícias em Debate do Canal Futura e será mediado pela jornalista Amanda Pinheiro.

Será no dia 27 de abril (terça-feira) às 21:30 horas. O programa é ao vivo.

Os convidados serão:

Arlindo Cavalcanti de Queiroz - diretor de programas da Secretaria Executiva Adjunta do MEC
Luiz Araújo – Assessor Educacional da UNDIME e consultor da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Luis Felipe Ramos - Professor de Ensino Médio
Flavia Cale – Presidente da União Estadual de Estudantes do RJ (UEE/RJ)

Na TV por assinatura, basta sintonizar o canal 32 da Net ou no canal 08 da Sky. Se você tem antena parabólica, sintonize na polarização vertical 20.

Undime avalia a CONAE

A Undime, entidade representativa dos dirigentes municipais de educação realizou um balanço sobre a Conferência Nacional de Educação e publicou no seu portal. Esta avaliação é interessante de ser lida por que sintetiza a posição dos responsáveis pela maioria das matrículas da educação básica em nosso país. O texto está em formato de carta enviada pelo presidente da entidade a todos os seus filiados.

Prezado(a) colega,

A Undime sempre acreditou e defendeu a realização da Conferência Nacional de Educação. E que sua efetivação fortaleceria a nossa luta por uma educação pública de qualidade em nosso país. Por isso, participamos da sua Comissão Organizadora Nacional, por meio do trabalho dedicado e incansável da professora Leocádia Maria da Hora Neta, Dirigente Municipal de Educação de Olinda/ PE e presidenta da Undime região nordeste. Da mesma forma, nossas seccionais se engajaram na mobilização para que as conferências municipais, intermunicipais e estaduais fossem bem sucedidas.

A Undime discutiu suas propostas de alteração no documento-base e trabalhou pela aprovação destas propostas nas conferências estaduais. Neste processo, somamos forças com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação - cujo comitê diretivo nós integramos – apresentando nossas deliberações e acordando novas proposições em conjunto.

Como era esperado, o processo de preparação foi marcado por alguns percalços, visto que a Conae foi a primeira Conferência. Em alguns estados, o percentual de delegados dirigentes municipais foi menor que o dos diretores de escola e demais representantes do segmento gestores municipais. Mesmo assim, contamos com uma delegação de 59 dirigentes na fase final da Conae que teve uma atuação bastante representativa e significativa nos colóquios, nas plenárias dos eixos temáticos e na plenária final deliberativa. Conseguimos contribuir com a experiência de gerenciamento de uma rede pública responsável por quase 25 milhões de alunos, apresentando nossas preocupações e defendendo propostas de melhoria do acesso e da qualidade da educação. Foram cinco dias de muitas conversas, articulações e trabalho.
O balanço das deliberações da etapa nacional da Conae é profundamente positivo. Destacamos alguns aspectos que comprovam esta afirmação.

1. O conjunto das proposições aprovadas aponta para a ampliação do acesso do povo brasileiro, especialmente o mais pobre, à educação pública. A Conae reafirmou a educação como direito e estabeleceu diretrizes de acesso e permanência que vão orientar a elaboração do Plano Nacional de Educação para a próxima década.

2. A Conferência estabeleceu um grande consenso sobre a constituição de um Sistema Nacional de Educação, que pressupõe a regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados, a distribuição clara de responsabilidades e uma redefinição do papel dos conselhos de educação. A regulamentação do regime de colaboração é uma reivindicação histórica dos dirigentes municipais de educação.

3. Foram aprovadas inúmeras propostas que visam a fortalecer o papel dos conselhos de educação em todos os níveis. A Undime fica feliz com esta decisão, por considerar que o fortalecimento da educação pressupõe um melhor formato do controle social. Quanto mais forte for a participação social, mais forte será a pressão por recursos para a educação.

4. Concordamos com a avaliação feita pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação de que esta Conferência representou a consolidação do conceito do custo aluno-qualidade CAQ. Foram aprovadas propostas que colocam o CAQ como um ponto essencial na formatação de um novo modelo de financiamento educacional. O CAQ conseguiu se firmar como a materialização do padrão mínimo de qualidade, conceito que vagava por nossa legislação sem que se tornasse algo concreto.

5. O debate de financiamento se tornou um eixo estruturante da conferência. Foi aprovado o aumento dos percentuais de vinculação obrigatória para a educação, sendo que a União passará de 18% para 25% e os estados, Distrito Federal e municípios de 25% para 30%, não somente de impostos e transferências, mais também dos demais tributos.

6. Ficou estabelecido que até 2011 o Brasil deve aplicar o equivalente a 7% do Produto Interno Bruto em educação e atingir 10% em 2014.

7. Para viabilizar a implantação do CAQ e o aumento do percentual de aplicação em relação ao PIB, foi aprovado que neste processo o valor da complementação da União destinada ao Fundeb deve passar de 0,16% do PIB (2009) para 1% do PIB.

8. Em inúmeras decisões ficou explícito que a viabilização das transformações aprovadas na Conae pressupõe uma redefinição do papel da União, pois é o ente federado com condições de elevar os percentuais de aplicação direta em educação, promovendo uma diminuição da desigualdade regional, social e racial.

9. Foi aprovada a institucionalização das conferências de educação, que ocorrerão de quatro em quatro anos, precedidas de espaços equivalentes nos estados e municípios. Será constituído também o Fórum Nacional de Educação, instância não-governamental que organizará o processo democrático e terá uma composição espelhada na que foi construída para organizar a Conae. Caberá ao Fórum influenciar decisivamente a elaboração do futuro Plano Nacional de Educação, que precisa ser aprovado até o final deste ano. Os dirigentes municipais de educação estarão presentes na sua composição.

A Undime sabe que a realização de uma Conferência mesmo que tão representativa, não resolve, por si só, os principais desafios educacionais. Mas o conjunto de suas deliberações, se somado ao contínuo processo de mobilização social, fortalecerá a busca das soluções que almejamos.

Suas deliberações provocarão mudanças constitucionais, reformulação da Lei de Diretrizes e Bases e servirão de base para o novo PNE. Estas mudanças necessitarão de grande mobilização da sociedade civil, seja dos setores estudantis, dos trabalhadores em educação, das organizações não-governamentais, dos gestores educacionais estaduais e municipais. A Undime somará esforços com todos os segmentos e cidadãos dispostos a tornar realidade as deliberações da Conferência.

Contamos com o seu apoio e sua contribuição em mais essa etapa em prol da educação pública de qualidade para todas e todos.

Atenciosamente,

CARLOS EDUARDO SANCHES
Dirigente Municipal de Educação de Castro/ PR
Presidente da Undime

terça-feira, 20 de abril de 2010

Plano de Ações Articuladas – 3ª. parte

Um dos elementos mais discutidos no momento é acerca da capacidade do PAR auxiliar a internalizar uma cultura de planejamento nas secretarias municipais de educação. A maioria dos técnicos que fazem o acompanhamento do PAR nos estados consegue enxergar algum progresso nesta área.

A elevação da capacidade técnica das secretarias municipais de educação é um assunto muito importante. A maioria das secretarias dispõe de estruturas muito pequenas, com poucos servidores qualificados e, o que é pior, um número menor de servidores preparados concursados. Essa realidade é pior nos municípios menores e nas regiões mais pobres do país. Ou seja, quem mais precisa de capacidade técnica para correr atrás de programas e projetos estaduais e federais, é justamente quem menos possui tal característica.

A instituição do PAR, que consiste na elaboração de um diagnóstico e escolha de metas a médio prazo é uma excelente oportunidade para estimular a reflexão sobre como planejar a ação educacional em cada município. A regra estabelecida foi de que o MEC auxiliaria os municípios prioritários (mais de 1800 em 5565) com o envio de dois técnicos para ajudarem na elaboração do PAR. Pelos relatos feitos no Seminário Técnico isso foi realizado e, em alguns estados, as equipes visitaram também municípios não prioritários.

Ao mesmo tempo em que ouvimos relatos animadores, foram dados testemunhos de que muitos gestores terceirizaram a elaboração do instrumento, contratando consultorias para tal tarefa. Essa prática, que já havia se manifestado na elaboração dos planos municipais de educação, ajuda a eternizar a dependência da gestão municipal a temerárias ajudas, desperdiçando oportunidade de aumentar a capacidade técnica local.
Não podemos esquecer que a alta adesão ao Plano de Metas e a elaboração do PAR está intimamente vinculado a exigência destes procedimentos para que o município se candidate a receber recursos do FNDE, regra suficiente para justificar tão alta taxa de aceitação do Termo de Compromisso.

A internalização do PAR como ferramenta de planejamento educacional é algo que levará mais tempo, pois algumas pré-condições precisam ser desenvolvidas, dentre elas a conquista de maior autonomia gerencial das secretarias municipais, contratação de equipes técnicas próprias e investimento na capacitação destes funcionários.

Relembro que o financiamento oferecido pelo governo federal é direcionado para atividades relacionadas ao custeio (cursos de capacitação de professores, por exemplo) e para investimentos (construção de uma unidade de educação infantil, por exemplo) e o principal gargalo de sustentação dos municípios está no custeio permanente das escolas e no pagamento de pessoal.

Todo investimento na capacitação das equipes locais é muito bem vindo, deve ser estimulado e até reivindicado pelos gestores.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Plano de Ações Articuladas – 2ª. parte

Não é possível refletir sobre o papel do PAR sem que se discutam alguns conceitos essenciais, dentre eles o de pacto federativo e regime de colaboração.

Durante o Seminário de Avaliação do Acompanhamento do PAR foram apresentadas várias pesquisas que estão sendo desenvolvidas a respeito do Plano de Metas e/ou sobre o PAR. Utilizo aqui alguns conceitos que foram apresentados pela professora Patrícia Marchand, doutoranda na UFRGS, que expôs seu Projeto de Pesquisa no evento. Federalismo poderia ser definido como um “modelo de organização do Estado, caracterizado pela coexistência de duas soberanias, a União e os “estados”. Em um estado federativo, diferentes níveis de governo atuam, tem autoridade, sobre uma mesma população”.

A pesquisadora trabalha com a concepção de descentralização referente às relações intergovernamentais, pois estas relações evidenciam um maior ou menor grau de centralização do sistema federativo. E afirma que “para que as relações intergovernamentais levem à democratização do Estado, deve haver uma clara definição dos mecanismos de articulação entre os entes federados, tanto no que se refere à redistribuição dos recursos financeiros, quanto no que se refere à definição de competências governamentais”.
É um conjunto de definições que ajudam a refletir o papel do PDE e de seus programas na redefinição (ou não) do regime de colaboração entre os entes federados na área de educação.

Concordo com Luce e Farenzena (2007) quando afirmam que o “regime de colaboração é um princípio relacional constituinte do complexo federativo, que deve garantir o direito dos cidadãos à educação e os interesses da sociedade nessa matéria, a saber, o projeto nacional de educação”. Acontece que este dispositivo constitucional nunca foi regulamentado e a sua operacionalização tem sido uma reivindicação constante dos entes federados com menor influência e maior responsabilidade na oferta educacional, ou seja, é uma demanda reprimida da municipalidade brasileira.

A Constituição Federal estabelece que uma das mais importantes obrigações da União no pacto federativo é de proporcionar assistência técnica e financeira aos estados e municípios, postura que se insere na sua função redistributiva e supletiva para a garantia de eqüidade e de padrão mínimo de qualidade na oferta educacional.

O estabelecimento de que os repasses voluntários da União na área educacional estariam condicionados a adesão dos demais entes federados ao Plano de Metas e a subseqüente elaboração do PAR auxiliou decisivamente para extinguir a relação de balcão de negócios na liberação de recursos do FNDE, assim como tende a ter democratizado os critérios de concessão, privilegiando os municípios com pior desempenho no IDEB.

Se isto tudo é verdade, tal atitude não pode ser caracterizada plenamente como o estabelecimento de um novo regime de colaboração. É uso aqui a preciosa definição das duas pesquisadoras, sobre o caráter pactuado do regime de colaboração.

Assim pensando, a ação de “transferência” de algo, sempre presumida na descentralização, assume um caráter de negociação ou de concertação, que pode ser operada em várias instâncias da esfera pública, sejam as da democracia representativa, sejam outras criadas em múltiplos espaços de interlocução”.

Nem o Plano de Metas, nem os programas do MEC, nem o instrumento denominado PAR são fruto de uma pactuação entre os entes federados. Foram decisões políticas unilaterais, mesmo que sua execução tenha efeitos positivos na distribuição mais equitativa dos recursos voluntários da União.

sábado, 17 de abril de 2010

Um CAQ diferenciado para a Amazônia

Publico neste espaço um artigo de dois pesquisadores amazônidas. Ele foi escrito por Alberto Damasceno (professor da UFPA e assessor da UNDIME Pará) e por Emina Santos (Professora da UFPA e consultora do UNICEF Pará). O artigo oferece interessante reflexão sobre a necessidade de se olhar o que tem de específico na Amazônia.

POR UM CAQ (CUSTO-ALUNO-QUALIDADE) DIFERENCIADO PARA A AMAZÔNIA

A Amazônia é a segunda marca mais conhecida do mundo, possui uma extraordinária biodiversidade com recursos minerais, hídricos, hidrelétricos, hidroviários superlativos, tem grande importância para o clima mundial e é cenário de desmesurado processo de degradação ambiental, tornando-se o principal alvo de preocupações de estrangeiros e brasileiros de outras regiões. No emaranhado de discursos em defesa deste pretenso “santuário ecológico”, ainda se percebe uma espécie de imaginário “pré-moderno” que concebe sua floresta como um paraíso selvagem a ser resguardado, a todo custo, da ganância de exploradores sem escrúpulos. Persiste, todavia, um certo grau de dificuldade em compreender que além de sua grande extensão territorial, a Amazônia é habitada por uma população composta, dentre outros segmentos, por ribeirinhos, seringueiros, índios, quilombolas e assentados, distribuídos majoritariamente por municípios pequenos, distantes entre si, e com acessos que dependem de transporte fluvial o que a torna única no imenso espectro de realidades geopolíticas brasileiras.

Existe, portanto, um “custo Amazônia” que não é barato e que tem valor quantitativa e qualitativamente mais alto do que o de qualquer outra região brasileira, agravado pela precariedade de sua infra-estrutura e fragilidade logística. Este é um dado presente e persistente, que está relacionado não só às distâncias continentais que precisam ser percorridas, mas ao modo físico e cultural como isso acontece. Não temos estradas, temos rios. Não temos caminhões ou ônibus, temos barcos. São imensas as dificuldades que as matérias primas têm para sair e os bens industrializados têm para entrar na região, de modo que isso onera os preços de serviços e produtos, pois sua durabilidade está sujeita ao clima quente e úmido e ao tempo chuvoso próprios da floresta equatorial. Traduzido para o cotidiano da gestão da educação isso significa que uniformes, mobiliário, equipamentos, merenda, material didático, estão sujeitos a uma dinâmica determinada não pelo fluxo planejado do mercado, mas pelo fluxo das águas, na forma de chuvas e marés.

Quanto ao deslocamento da comunidade escolar, se em outras regiões cujas distâncias são pequenas ou cobertas por extensa malha rodoviária o repasse do governo federal para o transporte escolar pode ser suficiente, em alguns estados da Amazônia não tem nenhum efeito sem o complemento da secretaria estadual de educação e do próprio governo municipal.

A verdade é que não percebemos, ainda, a existência de um projeto nacional específico para a Amazônia e o reconhecimento de sua importância estratégica. Um exemplo interessante do quanto somos importantes para abastecer, mas insignificantes para receber, é a construção das eclusas de Tucuruí (cidade onde fica a hidrelétrica construída em 1975 que abastece de energia metade do país). Sua conclusão está prevista para este ano, trinta e cinco anos depois da obstrução da hidrovia Tocantins-Araguaia que prejudicou indubitavelmente o desenvolvimento social e econômico de uma importante área da Amazônia.

Quanto ao nosso capital social, em especial no que tange à formação em nível superior, enfrentamos dificuldades históricas como a ausência de recursos suficientes para o investimento em ciência e tecnologia e a oferta de vagas na graduação. Um fator preponderante para a instalação de massa crítica para a produção científica, por exemplo, é a pós-graduação strictu sensu (mestrados e doutorados), que experimenta uma concentração brutal no eixo Sudeste/Sul, diante da profunda carência de vagas na Amazônia. Em 2006, dentre os 1.981 cursos de pós-graduação da região Sudeste, o estado de São Paulo sozinho ofertava 1.109. Somente a USP concentrava 276 cursos, contra apenas 123 existentes em toda a região Norte. No caso dos cursos de graduação a situação não é muito diferente. Em 2010, enquanto na região Norte possuímos 1.802 cursos de graduação, os sudestinos têm a sua disposição 11.709, dos quais 6.307 estão sediados somente em São Paulo. Como se vê, é uma concorrência desigual e iníqua.

Se há um consenso nacional e internacional quanto à necessidade de introduzir um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia, não se tem conhecimento de iniciativas tão comprometidas quando se trata de proporcionar à nossa população, pelo menos no âmbito das políticas sociais, linhas diferenciadas de financiamento para que o tão esperado adjetivo “sustentável” se realize. Em outros termos, não é possível realizar a premissa de “proteger a Amazônia” concentrando a maior parte dos recursos no eixo sudeste/sul e tratando igualmente regiões tão diversas como se não existissem diferenças entre elas, justamente porque, como afirma César Callegari, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) “os insumos têm custos diferentes em cada região; então, não basta criar um padrão de custos que sirva como referência e até como denúncia. O que queremos produzir é uma lista de insumos mínimos relacionados à produção do serviço educacional de qualidade, para que se crie, com o tempo, uma espécie de “lei de responsabilidade educacional”, comprometendo os gestores públicos, prefeitos e secretários de educação a cumprirem essas metas”. (Revista Carta Fundamental, 20.01.10).

Por isso defendemos a proposta de um CAQ (Custo Aluno Qualidade) com um valor maior para os alunos habitantes na Amazônia pois somente desta forma seremos coerentes com o princípio da equidade de condições de acesso, permanência e sucesso escolar e inauguraremos uma nova era em que essa grandiosa região deixe de ser depósito de matéria prima e assuma seu papel estratégico no desenvolvimento do Brasil e do mundo.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Plano de Ações Articuladas – 1ª. parte

Na última semana tive a oportunidade de participar de um evento denominado Reunião Técnica – Processo de Acompanhamento do PAR Municipal. Estiveram presentes técnicos de todas as unidades da federação que realizam a tarefa de auxciliar os municípios na elaboração e no monitoramento das ações do Plano de Ações Articuladas – PAR.

No dia 24 de abril próximo o Decreto nº 6094 completará três anos. Na ementa deste instrumento legal é possivel ler que o mesmo “dispõe sobre sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica”.

Traduzindo esta história. Em 2007 o governo federal lançou o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, composto de 28 diretrizes que foram apresentadas como balizadores para a relação de apoio técnico e financeiro da União para estados e municípios.

O Plano de Ações Articuladas, conforme o referido Decreto, é “o conjunto articulado de ações, apoiado técnica ou financeiramente pelo Ministério da Educação, que visa o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes”. O PAR é materializado num relatório preenchido pelos estados e municípios que faz um diagnóstico da situação educacional e propõe ações e metas a serem alcançadas. Estas ações estão organizadas em quatro dimensões:

I - gestão educacional;
II - formação de professores e profissionais de serviços e apoio escolar;
III - recursos pedagógicos;
IV - infra-estrutura física.

Algumas importantes novidades foram introduzidas por este instrumento. A primeira foi o apoio técnico oferecido pelo governo federal para sua elaboração. Esse apoio foi dado por técnicos de universidades e também em alguns estados de técnicos das secretarias estaduais. A segunda novidade é que o artigo 10 do Decreto nº 6094/07 estabelece que o PAR será base para termo de convênio ou de cooperação, firmado entre o Ministério da Educação e os demais entes, ou seja, as transferências voluntárias (os famosos convênios) passaram a ser condicionados às demandas apresentadas no PAR, pondo fim ao balcão de negócios junto ao FNDE.

Durante os próximos dias vou comentar os resultados deste seminário e, principalmente, apresentar comentários sobre o processo resultante da assinatura dos termos de compromisso do plano de metas e da elaboração do PAR.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Leitura obrigatória II

Ainda contribuindo com as reflexões sobre o sistema nacional de educação, tomo a liberdade de apresentar mais uma sugestão de leitura para o próximo período da conjuntura educacional.

Em 2009 a professora Rosana Evangelista da Cruz conclui o seu doutorado. Defendeu a sua tese na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Seu trabalho carrega o título “Pacto federativo e financiamento da educação: a função supletiva e distributiva da União – o FNDE em destaque”.

Em 434 páginas a autora, que é professora da Universidade Federal do Piauí, apresenta os principais aspectos envolvidos na relação federalismo e financiamento da educação, tendo como foco o papel desempenhado pela União.

Uma leitura desavisada pode considerar seu trabalho apenas como uma análise pormenorizada da sistemática de repasse de recursos via FNDE. Acontece que, com exceção dos recursos alocados para complementar financeiramente os fundos estaduais via FUNDEB, a intervenção financeira do MEC passa quase que exclusivamente pelo que o FNDE faz. Assim, seu estudo é muito representativo da forma como a União executa a sua visão de “regime de colaboração”.

Neste momento em que a CONAE aprovou uma série de propostas que pretendem alterar a atual sistemática de relacionamento da União com os demais entes federados, nada mais justo do que a realização de uma leitura atenta e criteriosa deste importante esforço intelectual.

O texto integral está disponível no seguinte endereço:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-11122009-101928.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A batalha do pré-sal

Como já comentei algumas vezes neste blog, considero que o debate de financiamento da educação tornou-se o eixo mais impactante das deliberações da CONAE. Houve um grande consenso de que uma educação de qualidade precisa que o nosso país invista mais recursos no setor. Essa certeza garantiu a aprovação de aumento dos percentuais de vinculação constitucional da união, estados, distrito federal e municípios, assim como ajudou a aprovar que a complementação do governo federal ao Fundeb passe de 0,16% para 1% do PIB.

Porém, outra frente de batalha foi aberta pelo evento. Foram aprovadas propostas que destinam parte significativa dos recursos obtidos da extração de petróleo para a educação.

O alvo principal das emendas é o futuro recurso advindo da exploração do petróleo localizado na chamada camada do pré-sal. O governo federal enviou projeto de lei ao congresso nacional criando um fundo social, que teria a tarefa de gerenciar a parte mais significativa dos lucros pertencentes à União, sendo que parte destes recursos pode ser aplicada em várias áreas sociais.

A proposta da CONAE é audaciosa: quer que 50% destes recursos sejam aplicados na educação de nosso país. E mais, que 30% desta aplicação seja no ensino superior e 70% na educação básica.

Não se sabe ao certo de quanto dinheiro está se falando. Não consegui achar tal valor na mensagem governamental que encaminhou o projeto de lei do fundo social, nem tampouco nos pareceres feitos por parlamentares nas comissões.

Sei que não será uma batalha fácil. Por trás das boas intenções governamentais se esconde uma clara vontade de utilizar tais recursos como colchão contra futuras crises econômicas mundiais e só eventualmente, utilizando os dividendos da aplicação destes recursos no mercado financeiro, distribuir algumas migalhas para as áreas sociais e de desenvolvimento tecnológico.

Como o projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e se encontra em debate no Senado Federal, esta será o primeiro teste para verificar se a representatividade alcançada pela participação social na CONAE se traduzirá em mobilização concreta pela efetivação de suas decisões.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Responsabilidade com quem?

No dia 4 de maio de 2000 era aprovada a Lei Complementar nº 101, que ficou mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal.

No portal do Ministério da Fazenda pode ser lida a avaliação que o governo federal tem sobre esta legislação, quando afirma que a LRF “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, mediante ações em que se previnam riscos e corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, destacando-se o planejamento, o controle, a transparência e a responsabilização como premissas básicas”.

Infelizmente o tema não é tão consensual quanto parece e a história e a motivação da aprovação da LRF esteve ligada muito mais a necessidade de tornar mais eficaz o ajuste fiscal dos anos neoliberais do que preocupações com a boa gestão dos recursos públicos.

Dentre os seus dispositivos, certamente os mais famosos são aqueles que limitam o gasto com pessoal a determinados percentuais da receita corrente líquida. No caso dos executivos municípios este percentual não pode ultrapassar 54%. Caso isso aconteça, o município será penalizado e forçado a se enquadrar nas regras da lei complementar.

Antes da aprovação da referida lei, a Constituição Federal havia sido alterada pela Emenda Constitucional n° 14, promulgada em 1996 e que criou o Fundef. Em 2006 foi a vez da aprovação da Emenda n° 53, que criou o Fundeb. Tanto uma quanto a outra emenda estabelecem a obrigatoriedade de que pelo menos 60% dos recursos recebidos por intermédio do respectivo fundo estadual sejam aplicados no pagamento dos profissionais do magistério. E, recentemente, foi aprovada a Lei n° 11738/08, que criou o piso salarial nacional do magistério.

É cada vez mais freqüente a contradição vivida nos municípios gerada pela necessidade de cumprir leis que colidem entre si. Quanto mais o município é beneficiado pelos recursos do Fundeb, maior é o volume mínimo obrigatório que deve aplicar com o pagamento dos profissionais do magistério e maior a probabilidade de ultrapassar o limite de 54% com gasto de pessoal. Quanto melhor a política salarial municipal, inclusive com o estabelecimento de planos de carreira que valorizem o magistério, maior a chance de descumprir a lei de responsabilidade fiscal.

Com isso, aumentou a pressão pela alteração das normas desta lei. A CONAE aprovou a seguinte redação:

“Deve, também, alterar as disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, excluindo do somatório de seu gasto total com pessoas as despesas com pessoal pagas com recursos do FUNDEB, deixando de comprometer o limite máximo de 54% de receita corrente líquida, garantindo, inclusive, que as perdas de recursos educacionais advindos das renúncias ou isenções fiscais sejam recuperadas e garantidos em outra rubrica orçamentária”.

Certamente esta será uma dura batalha a ser travada no Congresso Nacional, onde uma maioria conservadora elevou a LRF a condição de cláusula pétrea constitucional.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Leitura obrigatória I

Durante a Conferência Nacional de Educação foi lançado livro “Educação e Federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade”. O livro foi editado pela UNESCO e foi organizado pelos professores Romualdo Portela Oliveira e Wagner Santana.

O livro é composto de três partes. A primeira apresenta as referências globais sobre o regime federativo no Brasil e trás artigos assinados por Fernando Abrucio, Fernando Rezende e Jurandi Frutuoso. A segunda parte discute a relação entre educação e federalismo e essa tarefa é realizada por Alejandro Morduchowicz, Aída Arango, Jamil Cury, Jorge Abrahão de Castro e Elie Granem. A última parte apresenta relatos de experiências concretas de regime de colaboração entre entes federados, trazendo artigos de Carlos Abicalil e Odorico Neto sobre Mato grosso, Maria Beatriz Luce e Marisa Timm sobre o Rio Grande do Sul e versando sobre a experiência cearense o artigo de Sofia Vieira.

A introdução e a conclusão foram escritas pelos professores Romualdo Portela e Sandra Zákia.

O livro foi lançado durante a CONAE como forma de contribuir com o debate ali realizado, mas certamente buscando influenciar as reflexões do dia seguinte, ou seja, do momento em que suas propostas precisarão formatar mudanças legais em nosso país.

Na introdução encontramos a afirmação de que a idéia de um Sistema Nacional de Educação enfrenta dificuldades políticas, “pois sua adoção implicaria a imediata adesão dos entes federados a diretrizes comuns, mas a Federação é uma cláusula pétrea da Constituição” (pag. 21). Nada mais correto de afirmar. Esta foi uma das questões que mais prendeu a atenção dos expositores e dos delegados da Conferência: como criar um sistema nacional e quebrar as resistências existentes. No texto são apresentados três caminhos possíveis de serem trilhados. O primeiro seria propor e realizar uma reforma tributária em conjunto com a constituição de um sistema nacional de educação; a segunda seria implantar mecanismos de financiamento que busquem alinhar oferta de serviços com recebimento de recursos; e a terceira seria utilizar o poder normativo a fim de interferir na gestão dos sistemas, quer seja por meio de diretrizes centralizadas, seja por meio de repasses de recursos mediante transferências voluntárias, atingindo as escolas e redes, “por fora” da esfera estadual.

Certamente estas alternativas, matizadas pela correlação de forças, são praticadas ou estão presentes total ou parcialmente no conjunto das propostas aprovadas na CONAE.

É uma leitura obrigatória para o próximo período.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O que falar?

Na manhã do dia de hoje terei a tarefa de falar sobre financiamento para mais de 1000 diretores de escolas e gestores educacionais paulistas. Isso me levou a refletir sobre o que seria interessante e útil falar.

É uma responsabilidade ainda maior quando este evento, promovido pela UNDIME, se realiza dias após a Conferência Nacional da Educação, aumentando a expectativa de que mudanças profundas aconteçam na educação de nosso país.

Em primeiro lugar, é muito importante falar sobre os limites do formato atual de financiamento, composto por uma política de fundos estaduais. Esta política não conseguiu incidir de maneira decisiva na diminuição das desigualdades regionais, ou seja, o dinheiro que circula em São Paulo é fruto de décadas de desenvolvimento desigual em relação ao nordeste, por exemplo.

Em segundo lugar, será momento privilegiado para mostrar que a CONAE apontou alguns novos caminhos para política de financiamento, especialmente ao propor a elevação do percentual de vinculação obrigatória para a educação de todos os entes federados e, principalmente, ao propor um ritmo mais acelerado de gasto direto com a educação.

Em terceiro lugar, não menos importante do que os dois itens anteriores, será destacar que todos os avanços conseguidos na CONAE precisarão de muita mobilização social para que se tornem políticas públicas efetivas. Mesmo tendo sido um evento muito representativo, o desafio da CONAE é converter a mobilização pré-conferência em pressão social pela aprovação das mudanças que ali foram aprovadas. As suas propostas precisarão converter-se em mudanças constitucionais, reformulação das diretrizes e bases da educação e num novo plano nacional de educação.

Por último, é muito interessante a iniciativa da UNDIME de reunir diretores de escola e gestores num evento formativo. A capacitação deste segmento propiciará porosidade às propostas da CONAE. É na escola que o debate de financiamento precisa chegar.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Educação: tema em destaque?

Recebi esta notícia da minha amiga Rosana Cunha, doutoranda pela Unicamp.

Em carta publicada na Folha de S. Paulo, o professor emérito da UNICAMP Demerval Saviani critica o silêncio da mídia em relação à Conferência Nacional de Educação (Conae), considerada por ele como um dos principais acontecimentos da educação brasileira, alegando, com isso, a contradição existente no discurso da mídia, que afirma que a educação, sendo de suma importância, deve ocupar sempre lugar de destaque na sociedade.

“A mídia, de modo geral, incluída a Folha [de S. Paulo], comunga com empresários e políticos o discurso, mais ou menos unânime, de que a educação, na dita “sociedade do conhecimento”, em que nos encontramos atualmente, é a coisa mais importante, devendo ser, portanto, a prioridade número 1 dos governos e da sociedade como um todo.

No entanto, assim como os governos relutam em traduzir a referida prioridade em mais investimentos, a mídia também se nega a traduzi-la no noticiário referente às iniciativas educacionais. A semana que passou foi palco de um dos principais acontecimentos da educação brasileira: a Conferência Nacional de Educação (Conae), aberta em Brasília na noite de 28 de março, e encerrada no dia 1º de abril.

Essa conferência tratou de dois temas fundamentais: a organização do Sistema Nacional de Educação e a elaboração do Plano Nacional de Educação, que deverá substituir o atual. Dos resultados da Conae deverão sair projetos de lei a serem encaminhados ao Congresso Nacional para discussão e aprovação.

Apesar da grande importância desse acontecimento, a mídia falada e escrita nada publicou a respeito. Acompanhei como assinante a Folha para ver o que seria publicado sobre o assunto. A Conae se encerrou e nada encontrei. Como explicar essa omissão da mídia diante de algo que ela mesma proclama como de transcendental importância? Seria tal proclamação apenas uma máscara a disfarçar o desinteresse de nossas elites dominantes e dirigentes no que se refere a uma educação que efetivamente venha a propiciar a toda a população brasileira uma visão clara e consistente da situação em que vive?”

O texto do professor Demerval Saviani foi publicado na Folha de S. Paulo, no dia 5 de abril de 2010.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desigualdade

Desigualdade entre negros e brancos cai na educação, mas com pouco impacto na renda

(reproduzido do portal do PNUD)

As disparidades entre negros e brancos têm diminuído na educação, mas isso ainda não se refletiu em queda da desigualdade de renda na mesma proporção, indica o quarto Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), lançado pelo governo federal no fim de março, em Brasília.

Entre a população que trabalha, o rendimento de pretos ou pardos melhorou um pouco mais que o dos brancos, e a inequidade caiu. Na população como um todo a pobreza encolheu, mas a redução foi semelhante entre os dois grupos — a desigualdade, portanto, se manteve. Na avaliação do estudo, “os dados indicam a persistência de práticas de discriminação”.

A diminuição do abismo entre brancos e negros (pretos ou pardos) não é um Objetivo do Milênio específico — aliás, a ausência de um enfoque sobre as desigualdades em geral nos ODM é alvo de críticas de estudiosos. No entanto, representantes da ONU no Brasil têm destacado a importância de que as metas sejam atingidas para todos os grupos. "O gênero, a raça, a etnia e o local de nascimento de uma criança brasileira ainda determinam, em grande parte, suas oportunidades futuras. Essas desigualdades têm repercussões diretas também na saúde da mulher e na razão da mortalidade materna", afirma a coordenadora-residente interina do Sistema das Nações Unidas no Brasil, Marie Pierre Poirier, na apresentação do relatório.

O estudo mostra que a tendência de universalização do ensino fundamental — uma política mais geral, não voltada a determinadas etnias especificamente — beneficiou negros e brancos. Em 1992, o percentual de pessoas de 7 a 14 anos que frequentavam o ensino fundamental era de 75,3% para pretos ou pardos e 87,5% para brancos. Já em 2008, as porcentagens eram praticamente iguais: 94,7% no primeiro caso e 95,4% no segundo.

Um dos efeitos disso foi a queda da desigualdade no analfabetismo. Na faixa etária de 15 a 24 anos, a taxa era de 95,6% para os brancos e 86,8% para os negros, em 1992. Já em 2008 os números eram parecidos: 98,7% para os brancos, 97,3% para pretos ou pardos.

No ensino médio a desigualdade ainda persiste, embora em nível menor. Em 1992, a proporção de brancos de 15 a 17 anos matriculados no antigo colegial (27,1%) era quase o triplo da dos negros (9,2%). Em 2008, a diferença havia caído para 44% (61% entre os brancos, 42,2% entre pretos ou pardos). Quanto se adiciona o componente gênero, porém, a questão se agrava. "As negras frequentam menos as escolas, apresentam menores médias de anos de estudo e maior defasagem escolar", afirma o estudo.

Rendimentos

Se o perfil educacional de negros e brancos ficou mais parecido, poderia se esperar que o mesmo acontecesse com o rendimento. Não é o que tem ocorrido. A distância entre trabalhadores brancos e os de cor preta ou parda diminuiu, mas ainda é grande. Em 2008, estes últimos recebiam somente 56,7% da remuneração dos primeiros, enquanto dez anos antes o percentual era de 48,4%. "Tal diferencial se deve, em grande medida, à menor escolaridade média da população preta e parda, que, no entanto, não é suficiente para explicar as diferenças de rendimentos", afirma o relatório.

O confronto dos dados de 1998 com os de 2008 mostra que, nos dez anos e para todas as faixas de escolaridade, os pretos ou pardos sempre estiveram em situação pior na população ocupada. Ao longo desse período, a desigualdade caiu entre quem tem até 4 anos de estudos ( no máximo o antigo primário, portanto) e quem tem de 9 a 11 anos de estudos (ensino médio completo ou incompleto). Mas não mudou entre trabalhadores com 5 a 8 anos de estudos (antigo ginásio completo ou incompleto) e aumentou entre os que têm superior completo e incompleto.

Quando se leva em conta não apenas os trabalhadores, mas toda a população, a desigualdade se mostra estável. O relatório aponta que, em 1990, 37,1% dos pretos ou pardos viviam abaixo da linha de extrema pobreza do Banco Mundial (US$ 1,25 ao dia, em dólar calculado pela paridade do poder de compra, que desconta as diferenças de custo de vida entre os países). Em 2008, a proporção havia caído para 6,6% — um recuo de 82% no período. Entre os brancos, a queda foi semelhante (83%): de 16,5%, em 1990, para 2,8%, no ano retrasado.

Os números mostram, portanto, que a proporção de pessoas muito pobres entre os negros é mais que o dobro que entre os brancos. Sob esse ponto de vista, a desigualdade racial abre um fosso de cinco anos entre os dois grupos: a extrema pobreza de pretos e partos de 2008 era a mesma que a de brancos de 2003. Como afirma o estudo, apesar dos avanços "o objetivo da igualdade racial requereria uma queda mais acelerada da pobreza extrema entre pretos ou pardos".

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Conae fortaleceu conselhos

Um dos saldos positivos da Conae foi o conjunto de decisões que visam fortalecer os conselhos de educação. A redação do parágrafo 34, letra g resume bem este esforço:

Apoiar e garantir a criação e consolidação de conselhos estaduais, distrital e municipais, com função fiscalizadora, plurais e autônomos, com funções deliberativa e normativa, compostos por representantes dos/das trabalhadores/as da educação, mães, pais, gestores/as, estudantes, tanto do setor público quanto do privado, de forma paritária, bem como conselhos e órgãos de deliberação coletivos, nas instituições educativas, com diretrizes comuns e articuladas quanto à natureza de suas atribuições, em consonância com a política nacional, respeitando as diversidades regionais. Fortalecer e consolidar os conselhos estaduais e municipais de educação, apoiando sua criação e funcionamento, com dotação orçamentária e autonomia financeira e de gestão garantidos por lei, com diretrizes comuns articuladas em consonância com a política nacional, explicitando a natureza e o objeto de suas competências.

O que o texto acima pretende mudar?

1. Transformar os atuais conselhos de educação, que hoje são apenas órgãos normativos e consultivos, em verdadeiros órgãos fiscalizadores e de caráter deliberativo.

2. Garantir que a composição dos conselhos seja a expressão da diversidade do segmento educacional, com participação de trabalhadores, de pais e estudantes e de gestores. E esta composição deve ser paritária.

3. Garantir em lei a autonomia dos conselhos também no que diz respeito a dotação orçamentária e autonomia financeira.

Como toda deliberação importante da Conae, esta também precisará incidir em mudanças legais, alterando a Lei de Diretrizes e Bases, a legislação especifica que cria o conselho nacional de educação, dentre outras. E após estas mudanças, as necessárias adequações nas legislações estaduais e municipais.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Resultados da Conae

Três horas nos separam do encerramento da Conferência Nacional de Educação. Durante o evento postei meus comentários e espero ter fornecido, mesmo que parcialmente, um pouco do que aconteceu neste espaço democrático de discussão.

De maneira preliminar posso dizer que considero o saldo do evento como positivo para todos aqueles comprometidos com a educação pública de qualidade.

Em primeiro lugar, por que o conjunto das proposições aprovadas aponta para a ampliação do acesso do povo brasileiro, especialmente o mais pobre, a educação pública. Em tempos neoliberais (há quem diga que estes tempos já se foram, mas a dura realidade insiste em dizer o contrário) a reafirmação da educação como direito público é mito importante.

Em segundo lugar, a Conferência conseguiu aumentar o patamar de consenso sobre a necessidade da constituição de um Sistema Nacional de Educação, que pressupõe a regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados, a distribuição clara de responsabilidades e uma redefinição do papel dos conselhos de educação. Aliás, a aprovação da proposta que estabelece que os conselhos sejam normativos, deliberativos e autônomos foi uma grande vitória democrática.

Em terceiro lugar, esta Conferência foi permeada pela consolidação do conceito do “custo aluno-qualidade”. Foram aprovadas propostas que colocam o CAQ como um ponto essencial na formatação de um novo modelo de financiamento educacional. O CAQ conseguiu se firmar como a materialização do padrão mínimo de qualidade, conceito que vagava por nossa legislação sem que se tornasse algo concreto. Saímos de uma dinâmica de ver quanto temos para aplicar em educação e iniciamos um novo estágio, onde o importante é pensar o quanto precisamos aplicar para termos uma educação de qualidade.

Em alguns momentos me veio à memória o saudoso Florestan Fernandes e sua gloriosa batalha de décadas atrás para que as verbas públicas fossem utilizadas exclusivamente para financiar instituições públicas. Na Conae esta consigna foi aprovada em vários formatos. Com isso foi possível aprovar prazo para congelamento e posterior extinção dos repasses de recursos para instituições conveniadas na educação básica. Infelizmente ainda não foi possível igual procedimento em relação à destinação de recursos a iniciativa privada via isenção fiscal, mas pelo menos ficou caracterizado que este tipo de atitude deve ser transitória.

Em quarto lugar, o debate de financiamento se tornou um eixo estruturante da conferência. Foi aprovado o aumento dos percentuais de vinculação obrigatória para a educação, passando a união de 18% para 25% e os estados, distrito federal e municípios de 25% para 30%, não somente de impostos e transferências, mais também dos demais tributos. Ficou estabelecido que até 2011 deve-se aplicar o equivalente a 7% do Produto Interno Bruto em educação e este percentual chegará a 10% em 2014.

Além disso, foi aprovado que neste processo o valor da complementação da união destinada ao Fundeb deve passar de 0,16% do PIB (2009) para 1% do PIB, como forma de viabilizar a implantação do custo aluno-qualidade.

Em todo o debate de financiamento ficou estampada a necessidade da redefinição do papel da União, pois é o ente federado que pode promover a elevação dos percentuais de aplicação direta em educação, promovendo uma diminuição da desigualdade regional, social e racial.

Em quinto lugar, foi apontado um formato de institucionalização das conferências de educação, que ocorrerão de quatro em quatro anos, precedidas de espaços equivalentes nos estados e municípios. Será criado um Fórum Nacional de educação, instância não-governamental que organizará o processo democrático e terá uma composição espelhada na conseguida para organizar a Conae. Caberá a este fórum influenciar decisivamente na elaboração do futuro Plano Nacional de Educação, que precisa ser aprovado até o final deste ano.

Em sexto lugar, foram aprovadas as diretrizes para a elaboração do novo PNE, nas quais são apontadas metas audaciosas de inclusão educacional.

Este é o balanço do dia de hoje. O desafio é tornar este conjunto de resoluções um fator de mobilização social para influenciar nas mudanças aprovadas. Suas deliberações provocarão mudanças constitucionais, reformulação da Lei de Diretrizes e Bases e servirão de base para o novo PNE. Mas isso não está garantido, dependerá da mobilização da sociedade civil, seja dos setores estudantis, dos trabalhadores em educação, das organizações não-governamentais e também dos gestores educacionais.

Por fim, havia um temor muito grande de que a Conae seria muito “governista”, ou seja, uma conferência “chapa-branca”. Realmente a maioria dos delegados demonstrou uma simpatia pelos programas e projetos governamentais e o MEC não foi alvo de protestos e questionamentos relevantes. Não é preciso nem comentar a recepção calorosa que os delegados ofereceram ao presidente em sua visita.

Contudo, o conjunto de resoluções aponta claramente para uma elevação do grau de cobrança para que o governo aprofunde a universalização das políticas públicas e eleve a sua participação financeira no financiamento do setor.

Vamos esperar os desdobramentos do evento. Aliás, esperar não é a melhor forma de tornar realidade suas decisões. Vamos nos mobilizar para que seus avanços se tornem políticas públicas nos próximos anos.
Uma feliz páscoa para todos os que ajudam a este blog ser uma ferramenta de informação e formação na área educacional.

Diário da Conae (6)

Sobre a visita do Lula na Conae (praticamente on line)

Uma das provas de que as visões favoráveis ao governo são majoritárias na Conae foi a decisão de Lula de visitar o evento. A bancada estudantil da UNE, majoritariamente militante de partidos do bloco do governo puxaram palavras de ordem apoiando o atual presidente e a eleição de Dilma na próxima eleição.

É óbvio que a popularidade do presidente se expressa na reação do plenário, muitos querendo fotografar Lula ou se aproximar do palco.

Na mesa estiveram três ministros (educação, seppir e direitos humanos), o dep abicalil e a senadora Fátima Cleide, além de Francisco Chagas, coordenador da comissão organizadora.

O coordenador da Conae fez uma defesa do processo de organização, destacando a amplitude da comissão organizadora. Ressaltou o debate sobre a necessidade do sistema nacional de educação. Ressaltou os avanços educacionais (Fundeb, PAR, queda da DRU, triplicou orçamento, piso salarial, formação continuada, etc).

Afirmou que os poderes executivos precisam assumir suas deliberações. E listou alguns desafios fortes: 1°. Aumento do percentual do investimento para educação em relação ao PIB; 2°. O piso precisa ser implementado em todo o Brasil; 3°. Garantir a diversidade e 4°. Criação do Fórum Nacional da Educação ( bandeira muito cara da sociedade civil) e institucionalização das Conferências.

O ministro Haddad lembrou que Lula triplicou o orçamento da educação, coisa que não aconteceu antes. Criticou a política de foco no financiamento e deu alfinetada no governo do FHC que criou a DRU. Em seguida discorreu números favoráveis de sua pasta, destacando a formação gratuita dos professores.

Sobre o piso, disse que a juventude não será atraída para o magistério se não ocorrer melhoria de salário. Precisamos fixar uma meta de elevação dos salários, sendo pactuada com governadores, prefeitos, Consed, Undime e Cnte (é óbvio que ele não fez nenhum juízo de valor sobre o fato do MEC não ter decretado o valor do piso e estar orientando os estados e municípios a pagar um piso menor do que deveria).

Ressaltou que foi importante colocar na Constituição que o PNE deve dizer o percentual de investimento com educação (o plenário interrompeu o Ministro para gritar pela vinculação de recursos do pré-sal para a educação).

O presidente afirmou que leria o discurso para que não fosse multado pela justiça eleitoral.

Iniciou citando Paulo Freire sobre a leitura do mundo, para reforçar a necessidade de reconhecer as transformações ocorridas no país.

Discorreu os números de participação nas conferências municipais e estaduais. Não fomos nós que começamos as conferências, mas fizemos mais em oito anos do que nos sessenta anos anteriores.

“A democracia é um ato de múltiplas manifestações da sociedade brasileira”, concluiu.
Disse: “Pusemos em marcha uma verdadeira revolução da educação brasileira”. Destacou a aprovação da EC 53, que criou o Fundeb, destacando a superação da fragmentação anterior. Falou também da EC 59, que pôs fim da desvinculação da DRU, trazendo 9 bilhões a mais para o MEC.

Sobre a aprovação do piso falou que “o casamento de educação de qualidade e valorização do professor tem que ser indissolúvel”. E que é importante ter uma mesa de negociação, pois alguns governadores não querem implantar o piso. E disse “Não me conformo de que alguém achar que um piso de 1020 reais é alto para uma professora”.

Disse que tem muito para ser feito. E que colocou como pré-condição que fosse criado um fundo no pré-sal para investir na educação e na tecnologia brasileira.
Elogiou o ministro pela sua sensibilidade e capacidade de ouvir. E elogiou a equipe do MEC.

Não se comprometeu com os desafios, mas indiretamente pediu votos pra sua candidata. Tudo dentro do figurino esperado.